sexta-feira, 11 de junho de 2010

crónicas de graça #13


Mundial de Futebol
- os dramas de uma mulher -

O pior mesmo, é quando ele arrota de satisfação no fim do jogo da nossa selecção. Isto quando ela ganha, pois se perde é um soltar de palavrões, que nem vos digo nem vos conto. A sonoridade gutural que vem das profundezas do peito do meu Adérito, assemelha-se ao júbilo feito por uma manada de elefantes, quando encontra um charco perdido no meio da savana.
O velho cadeirão de orelhas estremece o casco, as paredes abrem novas rachas no estuque, o gato desaparece durante dois dias, nos meus ouvidos há um eco infinito e se tenho o azar de estar a pintar as unhas dos pés, nasce-me uma obra abstracta que vai desde o dedo grande ao calcanhar.
Eu sou daquelas que rogo a todos os santinhos do desporto, para que não andemos nunca metidos em mundiais e europeus. A minha vida vira um inferno, ainda ninguém sabia se íamos ou não jogar lá nas áfricas, já a minha rica moradia se encontrava enfeitada de cima a baixo de bandeiras verdes e encarnadas; a fonte de pedra colocada no meio do jardim, com um menino a deitar água pelo cântaro, foi o Adérito substituí-la por uma imagem do Cristiano Ronaldo, esculpida numa daquelas poses que o rapaz faz, com a bola equilibrada na cabeça; a colunata com alcachofras que ladeiram o portão, foram mudadas para bustos do senhor Queiroz; no azulejo por cima do alpendre, pintado com a Senhora de Fátima, vai ele e manda desenhar um par de vuvuzelas entrelaçadas - só dessas malditas cornetas zulu, já cá tenho oito - e como se não bastasse, encarregou-me de bordar os nomes dos onze jogadores, numas camisolas de alças que ele comprou à Alcina, a cigana da feira cá da freguesia. É que vocês não estão bem a ver, aqueles homens todos, gordos e peludos, de camisolinha de alças, a chorar, aos abraços e encontrões, pois não?
Anda-me desarvorado, o homem.
-Oh melhér, eu não tenho cá tempo para logísticas, trata tu das comezainas e da beberagem, por favor. Tenho programas muito interessantes, para assistir sobre o mundial na televisão, que servem para um gajo se preparar em condições para o campeonato. Ainda para mais, são todos muito diferentes uns dos outros, com comentadores eruditos, de visões futuristas, intelectuais até! E os jornais que tenho de ler? Notícias espantosas, originais, sem especulações, nem mentiras e boatos. É assim que um gajo se cultiva, oh Brucelina. Nos dias em que joga a nossa selecção, devia ser feriado nacional!
E pronto, a conversa não passa disto: que ler a Bola é ter interesses literários; que se o povo gosta é disto, então é só disto que lhe devemos dar, quais livros, teatro e cinema, qual carapuça; que o futebol devia ser disciplina obrigatória nas escolas; que se deve impingir nos nossos filhos mal nasçam, que quais cursos quais quê, há que estar mas é de olho nos carrões, nos brincos reluzentes e nas loiraças dos rapazes do futebol.


Em dia de jogo, coitadinha de mim, nem quatro horinhas durmo eu seguidas. Há festa da grossa aqui na moradia, pois abancam cá os amigalhaços do Adérito, e quem arca com tudo, é aqui a Brucelina d'Ascenção Peixoto. Essa é que é essa, meus amigos!
No gravador da sala, já lá grita vai para uma semana, o hino nacional, cantado pelo coro aqui da junta; em fila indiana, na arca frigorífica já eu alinhei e aconcheguei, para cima de uma meia dúzia de grades de cerveja; cozi pela madrugada duas tachadas de caracóis, com nacos de toucinho; encomendei um alguidar de tremoço gordo; salguei de véspera dezenas de couratos, febras e costeletas do lombo, para os maganões parceiros do Adérito.
E se nós perdermos? Eu rezo de novo a todos os santinhos, mas desta vez aos das colectividades desportivas, que me acudam. Há lá coisa pior de aturar, do que homens trombudos e descompensados com dissertações futebolísticas, discussões de pedibola e polémicas do
balípodo?
Minutos antes, aquele jogador era o melhor da equipa, agora é a pior porcaria que já alguma vez pôs os pés no esférico, o não sei quantos é que devia ter sido seleccionado para guarda-redes, mas agora este, que defendeu dois penalties, é o magnata das redes, o treinador não pesca nada do assunto, mas como ganhou hoje, já é o rei dos relvados, o presidente da federação só lá está porque quer viagens e tacho, mas como ficamos nos primeiros lugares, é um homem trabalhador e honrado, a nossa participação nestes campeonatos dá nome à nação, mas se vimos de lá sem glória, só servimos para gastar o dinheiro dos contribuintes e cooperar para a falência da pátria mãe. Livra, gentinha esta que não sabe o que quer!
Mas o meu Adérito diz que não é nada disso, sou eu que ouço coisas e que não entendo nada de cultura, que não tenho noção do que falo.
O que eu sei, é que até gosto que os rapazes joguem bem e venham de lá satisfeitos, isso sim. Mas chega e basta.
Agora torcer, torcer, com os salários que eles ganham, com os prémios que recebem, com os contratos aos champôs linic e outros que tais, e com a trabalheira que eu aqui vou ter por causa deles, eles que torçam mas é por mim:
Brucelina d'Ascenção Peixoto!

E o meu querido parceiro, conhece algum outro género de apreciador?

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11 comentários:

salvoconduto disse...

Ó Brucelina (pronto, desta vez vou ser mais educadinho...) tu nem te enxergas! O futebol é a locomotiva de um povo! E olha que se o futebol fosse mesmo disciplina obrigatória nas escolas tu já não falavas assim, tinhas outros conhecimentos, a não ser que fosses como aqueles que ficaram no oitavo ano e que de lá só saiem com a ajuda da ministra! Vou já criar uma petição para recolocar o futebol no lugar que merece!
Ah ganda Adérito! A arrotar assim deves ser lagarto, só podes. A propósito, já viste que o raio do gajo não convocou o Moutinho!!!

Gi disse...

Ai melheri que eu gosto tanto desta animação acrescida em Junho.
Jogo à bola com os pimentos, vuvuzelo nas sardinhas, ai é tão bom, tão bom!

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Ó Brucelina, podes acreditar?
Por cá andam já umas tantas mulheres tão (ou mais?) fanáticas do que os homens, acreditas? Este país para totalmente e, se ganharmos, a festa impedirá o trabalho por uns dias... Se perdermos? Também, ora! Quem pode trabalhar com tanta tristeza???

Beijos, Patti.

Anónimo disse...

adorei ESTA Brucelina!!!! :)))
Pafezinha

Anónimo disse...

Ó Brucelina! Já escrevi aqui um comentário e tu respondeste-me "Service Unavailable Error 503".
Mas que modos são esses?
Bem vou fazer mais uma tentativa:
Dizia eu ( se bem me lembro...)que te devias juntar à Amelinha e ir com ela aos Santos Populares. Sempre comem umas sardinhas e torcem pela marcha da Graça.
Mas, no entanto, tenho um palpite que vocês vão ver alguns joguitos para confirmarem se os jogadores estão em forma. assim como quem não que a coisa, percebes...
Se não estavas a pensar nessa hipótese, segue o meu conselho. Convida a Amelinha para ver uns joguitos e vais ver que ainda vão ter pena de o campeonato acabar. Vai por mim!

Si disse...

Balha-me Sto. Ambrósio!!
Credo, cruzes, canhoto, que aturar esse Adérito é dose!
Ó Brucelina, rife-o, rife-o e, entretanto, diga-me onde arranjou essa bolsita tão jeitosa, senhora, foi na Feira de Custóias, foi? É a 5, 5 aéreos, freguesa!!

ematejoca disse...

Se a Selecção de Futebol Portuguesa fosse tão boa como as vossas crónicas, ganhava o Campeonato Mundial 2010.

Um abraço, Patti, com toda a minha grande admiração pelo teu talento.

Pitanga Doce disse...

Tão Brucelina? Desabafaste, filha? É assim pois, que estes gajos até se esquecem dos deveres conjugais em dias de jogos e só abrem a boca pra dizerem palavrões ou "empurrarem" a seleção aos berros de "bai que é bossa, carago"! Chega-lhe ao pé do ouvido, dá-lhe com a vuvuzela (raisparta o nome) e toca a andar. Deve haver por aí gajos jeitosos que não se importem com a bola, mas que também não façam crochê na hora do jogo "oubiste"? Tão?

Violeta disse...

Ai brucelina, como eu te entendo, como te entendo..

pedro oliveira disse...

Ó Brucelina o que vale é que o jogo amanhã é às 3 da tarde e os "Adéritos" estão na fábrica a trabalhar, ou não...

Laura Ferreira disse...

Fantástico!