segunda-feira, 11 de outubro de 2010

vizinhos


23.30h. Lá está ela. Pontual atrás das cortinas de renda branca, camuflada pelos bordados laboriosos de pássaros, borboletas e botões de rosa. A olhar para o segundo banco do jardim.
Aqui no bairro, chamamos-lhe o banco do pudor e fica meio escondido pelos arbustos, encapuçando pares de namorados mais afoitos.
Daqui da porta da tasca, não consigo ver ninguém, mas ela, lá do seu terceiro direito, tudo observa sempre ao detalhe.
Primeiro sossegada e atenta, de olhinhos velhacos, aglutinando os preliminares. Depois vai afastando a cortina levemente, entusiasmada com o avanço da lascívia e com o andar da peganhice, escancara as portadas da janela e pronto, lá vem a gritaria moralista, alertando a vizinhança de que ela, apesar de encalhada, é uma mulher séria.
- Sua desavergonhada!  - atira para os pombinhos lá no banco - Então não querem lá ver a sirigaita toda atracada ao moço! Isso é coisa que se faça em público, minha galdéria? Isto no meu tempo...
E os pássaros já adormecidos nas árvores, fogem da gritaria assustados. Os gatos escondem-se debaixo dos carros. As luzes das janelas acendem-se, revelando sombras curiosas.
E eu... eu trato de imediato de trancar a porta da tasca, que já se faz tarde. E antes que ela me venha de lá com lições de intimidade, e depois me salte para cima, raspo-me daqui. Que isto hoje é noite de lua cheia.

8 comentários:

CNS disse...

Ai as noites de lua cheia. Cheias de vontades escondias e menos recantos escuros. Gostei muito, Patti.

Poetic Girl disse...

Todos conhecemos alguém assim, não é verdade? beijocas

paulofski disse...

E isso lá são horas de cuscar à janela, ó vizinha! Olhe que à noite todos os namorados são parvos!!!

:)

anniehall disse...

:) quase noite das bruxas !

Pitanga Doce disse...

Isto é que eu chamo de uma "empata...". Então os casalinhos andam com dificuldades de acharem lugares ajeitadinhos, que já há câmeras de vigilância em várias cidades a fazer o papel de "cuscas eletrônicas" e vem a mulherzinha do terceiro a gritar bem na hora em que os namorados descobriram um motel à luz da lua ? Isto é digno de que lhe tranquem as janelas e a ponham às 23:30 a ver as reprises das novelas da TVI. E nem mais, ó Patti!

Justine disse...

Escrito com a lucidez, ironia e elegância de sempre.
Mas deixa-me acrescentar: esse é o lado feio, anedótico da vizinhança. Há o outro lado: a solidariedade, a amizade, a companhia boa...que também se encontra na Graça! Eu que o diga:)))
Abraço vizinho

Luísa A. disse...

Estou a gostar imenso destes seus «apontamentos», Patti, pequenas histórias da vida. E é verdade que quem moraliza bem alto é quem, geralmente, «imoraliza» baixinho, pela calada... Gente sonsa! ;-D

Gi disse...

Não me parece que essa tua vizinha tivesse uma janela assim tão linda, pois só o seu hálito acre a gritar mataria a planta.