segunda-feira, 29 de junho de 2009

secretíssimo, recôndito e encoberto

alfama, foto Luísa

Fui subornada, comprada e corrompida pela Luísa, embora a responsabilidade de cair na tentação seja toda minha, pois fui avisada entre parêntesis "a menina está à vontade e só responde se quiser", para revelar o mais secreto que há em mim, em troca deste prémio.
E seguem-se os meus segredos:

Mania: nunca sair de casa sem óculos escuros, inverno ou verão;
Pecado: gula, pois 'tá claro! Eu penso até, que na outra vida fui abade;
Melhor cheiro do mundo: os do campo no outono e os croissants da Bénard;
Se dinheiro não fosse problema: doava em causas humanitárias de apoio aos animais e à pobreza como esta do americano Greg Carr, no Parque da Gorongosa, e de apoio às mulheres subjugadas como esta, da Solar Cooking;
Caso de infância: nunca mais esqueci o dia em que pisei um caracol e ainda hoje, mal começa o tempo húmido, eu ando de olhos fixos na calçada aos saltinhos para me desviar deles e não interferir com as suas lentas passeatas. Se tiver oportunidade, vou-os apanhando pelo caminho e atiro-os para a relva, para mais ninguém os matar;
Habilidade como dona de casa: eu sou uma autêntica fada do lar, ah pois é, aqui ninguém me apanha em falta;
Não gosto de fazer em casa: limpar o pó;
Frase: o dia de amanhã ninguém o viu;
Passeio para o corpo: enveredar por caminhos inesperados, a meio de percursos previamente definidos. No fundo, a surpresa da descoberta inusitada;
Passeio para a alma: esplanar e fazer como a Luísa: subir e descer o meu/nosso Chiado;
Irrita-me: pessoas que não se desviam do caminho e se movem sempre a direito e aos encontrões nos outros e pessoas alucinadas, que andam a correr pelo supermercado e agarram no primeiro carrinho de compras que lhes aparece pela frente (geralmente o meu, descansado a um canto), fugindo com ele para a caixa, sem sequer olharem para confirmarem se aquelas são ou não as suas compras;
Frase ou palavra muito usada: no verão - Uma caipirinha, com açúcar amarelo, por favor, ou, Tem sangria?
Palavrão mais usado: Gaita e bolas.
Desço do salto, subo o morro e rodo a baiana: quando guio e deparo com a selvajaria da classe condutora;
Perfume: sou muito fiel aos mesmos há muitos anos e raramente vario, deve ser das poucas coisas em que não gosto nada de mudanças. No verão, Ô de Lâncome e no inverno, Pamplelune de Guerlain e Gucci II;
Elogio favorito: fico sempre muito pouco à vontade com eles, da mesma forma que também fico pouco à vontade com pessoas que fazem o inverso, isto é, que provocam os elogios, que se fazem a eles descaradamente, fingindo modéstia;
Talento oculto: eu sei cantar (sem modéstia nenhuma)!
Nem que fosse a última moda eu não usaria nunca: roupa transparente;
Queria ter nascido sabendo: falar todas as línguas.

E passo este questionário à minha querida e muito antiga vizinha, Blue Velvet, que julgo saber gosta muito de desafios e está a precisar de se distrair e alegrar um pouco. E ao também meu querido e antigo vizinho Paulofski, que anda a precisar de um empurrãozito nas letras.
Preguiças veraneias, é o que é!
E a música é para a Pitanga e para a Luísa, num dia especial.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

mãe, que sorte tiveste ele ser do teu tempo

Para quem o apreciava como talento indubitável que era, foi muito complicado gerir todas aquelas suspeitas e acusações de pedofilia, a aberração de algumas atitudes, as suas múltiplas excentricidades e continuar a manter intacta, a admiração pelo seu génio artístico.
Há um pequeno truque, que apesar de queimar na pele, se for conseguido até resulta: separar o homem do artista. Se assim não for, perder-se-á muito do talento da humanidade. A admiração que temos por alguém que leva a arte a planos do inatingível, implica grandes riscos e arcar sem pieguices com os pecados do artista; também eles muitas vezes incompreensíveis.
Ainda na semana passada, eu percorri durante duas ou mais horas os seus vídeos no youtube, com a Beatriz ao meu lado pasma de admiração, uau mãe, que pinta; excelente este passo; deixa-me ver outra vez o moonwalk; ele aqui ainda era tão bonito; e sabias todas as coreografias?; mãe, que sorte tiveste ele ser do teu tempo.

Ontem a Beatriz ficou tão triste como eu e eu ..., eu voltei a ter treze anos.
Depois da morte, espero que a excelência do seu talento, a renovação e a inovação que trouxe à pop e a magia do seu trabalho que tivemos o privilégio de testemunhar, sejam sempre recordados quando se falar do Michael Jackson artista.
O Michael Jackson homem já foi acusado, julgado e condenado e ainda o será, para quem acredita no julgamento divino, que não é de todo o meu caso.
Mas cenas do outro mundo, foi mesmo o que ele nos deu, principalmente nos anos 80 e 90.
Ícones destes são perpétuos, como Elvis, Sinatra, Lennon e Freddie.

E ele não é só do meu tempo, Beatriz. Vai ser do tempo de toda a gente.


foto daqui

De fundo, não a mais inovadora, mas a minha música preferida, Dirty Diana

quinta-feira, 25 de junho de 2009

eça no feminino


Ontem sabia que a tarde ia ser difícil; já estava prometido há mais de um mês, três horas de martírio na cadeira da minha querida dentista.
Lá fui eu, qual miserável a arrastar-me pelo passeio, com o pensamento fixo em anestesias azedas, brocas e broquinhas, espátulas, espelhos, aspiradores ruidosos, moldes coloridos, ceras quentes, simpósios, segundas opiniões e sempre de boca bem aberta, com dois pares de olhos em cima.
Enfim, tudo passou e já eram seis da tarde quando saio do Instituto de Implantologia, assim com a boca meio de lado num grande reboliço interior, mas que felizmente de fora mal se notava e se não a abrisse para falar com ninguém, a coisa até correria benzinho... e se eu ainda desse um saltinho ao Chiado, à Bertrand, para ouvir a Maria Filomena Mónica e o Eça?
Eu merecia uma recompensa, ainda para mais inesperada, depois de toda aquela invasão metálica na minha embocadura e fui e fui mesmo, de cara à banda e tudo.
As pessoas que dizem o que pensam frontalmente, sempre me atraíram, mesmo que discorde totalmente delas. Geralmente caracterizam-se por um certo pessimismo, antagónico à minha maneira de ver o mundo, mas não deixam por isso de ter razão na maior parte das vezes em que fazem as suas apreciações.
A Maria Filomena Mónica é um desses casos; extremamente crítica da nossa sociedade, talvez pouco crente no género humano, tuga principalmente, mas sempre certeira, incisiva, mordaz e com um sentido de humor irónico, por vezes cínico, de que eu sou fã; no fundo, ela tem um grande pedaço de Eça dentro de si.
São de um enorme rigor e de um trabalho genuíno e muito profissional, as suas várias biografias e os seus livros de retrato da sociedade portuguesa, mas é ouvi-la falar, ler as suas crónicas e os seus livros mais pessoais, como "Vida Moderna", "Os Sentimentos de uma Ocidental" e o corajoso autobiográfico "Bilhete de Identidade" que mais me delicio e ontem, no pouco tempo que durou esta apresentação alterada, da 5ª edição da biografia do Eça (que eu ainda não possuía), não foi excepção: igual a si própria.
E já comecei a ler, claro está.

fotos minhas
Sobre a obra, vão ao blog da Quetzal, aqui.

terça-feira, 23 de junho de 2009

locais no avesso de nós


Por vezes, muitas vezes mesmo, viver não será somente nascer, existir e desaparecer.
Há tantos lugares em nós a despertar todos os dias...
Lugares que envelhecem, os que desaparecem, outros que apodrecem, aqueles que amadurecem e a maioria que simplesmente renasce.
Pena é, que pouca gente repara nisso. Em si própria; e quando o faz já há tão pouco para renovar.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

verão em lisboa I

foto luís ponte

Em Junho, quando terminavam as aulas, por vezes não tomávamos o pequeno-almoço em casa e de mãos dadas combinadas com muita conversa, estórias de pai que entravam nos meus ouvidos para nunca mais saírem e porquês cheios de curiosidade, descíamos a pé a Avenida pelo passeio do Tivoli. Momentos antes cumprimentávamos o Garrett e o meu pai dizia, um dia vais saber tudo das viagens da terra dele. Adivinhou.
A meio caminho, atravessávamos para o outro lado e quando chegávamos perto da Praça da Alegria, aqui foi...já sei pai, foi onde conheceste a mãe e depois passeavam no Jardim Botânico.
Baptizávamos os patos, dávamos pão seco aos pombos e eu contava pelos dedos da mão, a quantidade de pessoas a quem ele dizia bom-dia, até chegarmos ao Rossio.
Comíamos na esplanada da Suíça; torradas aparadas, chá fresco com limão e café de saco para ele. No fim, o prémio incongruente do qual trago o sabor na boca até hoje, impróprio para uma mãe, mas digno de um pai que se preze: um gelado de máquina, morango e baunilha, que descia numa perfeita espiral dançante até ao cone fino de bolacha estaladiça, terminando numa ponta finíssima em caracol. Lembram-se?
Depois de almoço posso comer o de chocolate? Claro que podia!
E as perfumadas velhas da mesa ao lado, com cabelos enlacados de um encantador branco-lilás, olhavam-no de lado e escondendo-se atrás de leques rendados, com desenhos de sevilhanas vestidas de bolinhas pretas, cochichavam entre si, parece impossível!
Ele ria-se, piscando-me o olho; rasgava-me as 7 Diferenças do jornal e voltava à leitura do seu Diário Popular, enquanto lhe engraxavam os sapatos.
Eram os melhores pequenos-almoços do mundo, tinham o gosto do proibido e um toque de segredo totalmente interdito de ser revelado, nunca digas à mãe que comes gelados ao pequeno-almoço.
Prometo.
E até hoje nunca disse.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

vírus* num blog sério e familiar #6


Bom fim-de-semana!
(agradeço que não revirem com muita violência e sofreguidão o pescoço do rapaz)

* ainda bem que comprei pomada voltarene

quarta-feira, 17 de junho de 2009

biografias # 4


Aurélio Madeira ganhou o vício do palitamento em equilíbrio na beiça grossa, com o pai taberneiro e desde o primeiro momento em que este o autorizou a colocar estrategicamente o dito ao canto da boca, Aurélio Madeira nunca mais o largou.
A tradição era já ancestral; sempre conhecera o seu pai no domínio perfeito da técnica da palitagem, tinha ainda vagas memórias fumarentas da boca do avô, onde palito e cigarros enrolados, conviviam primorosamente controlados com perícia e sabia de cor a árvore genealógica, com mais de 180 anos, da arte de palitar dos Madeira.
Quando chegou o seu grande dia, anda cá Aurélio, toma lá o teu primeiro palito e estima-o como a um filho, disse-lhe o pai comovido, ainda com as palavras do seu próprio pai presentes na memória: tens de morrer com um palito na boca!
Apesar de vários anos de observação meticulosa, a coisa não foi assim tão fácil como parecera. Primeiro teve de sofrer um pouco, até conseguir acamar o palito e reservar-lhe lugar numa fenda da gengiva. Demorou uns tempos para vincar essa brecha sangrenta, mas finalmente fixou o palito na abertura da pele, no canto extremo direito da boca.
Depois deste saber o seu lugar, foi a vez de aprender a manusear o fiambre, isto é a língua.
É que aquilo não era só chegar ali, fixar o pedaço de madeira e vamos embora com a dança. Nada disso, um verdadeiro expert do palitamento teria de aparentar uma certa descontracção no seu manejo; enquanto comia; nas conversas; durante uma bebida; a dormir, até! O segredo estava na manobra da língua, era ela a ágil alavanca, a grande aliada de todo o processo de palitagem na família Madeira.
O mais complicado para Aurélio, foi mesmo dominar a técnica da conversa e em simultâneo, prender o palito ao canto da boca, sem que este nunca se desviasse da fenda gengival, conseguida à custa de muito sacrifício, dores e cicatrizes. Mas uma vez conseguido, não fosse ele um Madeira legítimo, tudo iria correr sem percalços. E foi o que aconteceu.
Com os anos, o branco da boca passou a amarelo tabaco, as gengivas escureceram, exibindo várias tonalidades do espectro, que iam do violácea ao cinza escuro, passando pelo laranja ocre, e um hálito poderoso já há muito se entranhara nas paredes da taberna, deixando Aurélio Madeira rejubilando de orgulho.
Era uma questão de imagem, de honra familiar, de dignidade histórica! Todos os Madeira morreram fétidos e contaminados pela lei do palitar e ele não seria diferente.
Aliás, até desconfiava que um nível de putrefacção como o dele, nenhum antepassado tinha atingido.
E soube que tudo correria bem e que a sua hora se aproximava em glória, quando vieram as cáries nascidas dos petiscos da taberna; as lascas dos pastéis de bacalhau ficavam presas nos entremeios do esmalte da dentadura e aí apodreciam; pequenos fragmentos de casca de azeitona verde, aninhavam-se nos buracos da dentina exposta e por lá fossilizavam; minúsculos ossinhos, quase microscópicos, de passarinhos mortos com a pressão de ar, esventravam a fenda da gengiva descendo até à raiz; pedaços de suculento torresmo mal mastigado, acamavam e abcessavam virulentos; gordurinha excedente das moelas e dos pipis, iam preenchendo os espaços livres deixados por dentes em falta, originando em toda a placa bolinhas de matéria purulenta, pequenos quistos ensanguentados e uma ou outra larva mais atrevida e perdurável.


biografia #1, biografia #2, biografia #3

segunda-feira, 15 de junho de 2009

missão: personagens II


Oh Célia, não há de frango, queres de atum? Incomodou-me uma voz varonil a berrar.
'Na gostas? Olhe então são só duas bejecas fresquinhas, fáxavor.
Quero desde já deixar bem claro, que eu não estava em missão de descoberta de personagens, nem nada que se parecesse. Encontrava-me sim, na esplanada da minha praia num fim de tarde aprazível lendo o meu admirável Tchékhov e só desejava mesmo, sossego e pouca distracção.
Pois, tenho destes desvarios, gosto de ler os russos no verão. Deve ser a melancolia do frio que tanto aprecio. Ninguém é perfeito. Adiante.
Encho-me de vergonha e aceito a punição, mas nem o puro realismo contido nos contos de um génio como Tchékhov, fez com que me abstraísse daquele, Oh Célia, vociferado com poder másculo.
Do gelo de Moscovo, incisivo e letal, salto de imediato para um não menos fatal calor ibérico, mais propriamente na Caparica, que queima como tições cozinhados em labaredas. O contraste foi brusco, mas não tive outro remédio senão adaptar-me rapidamente. Precisava de conhecer a Célia.
Pousei o meu clássico na sombra e enquanto lhe fazia festas, prometendo que a ele voltaria mal tivesse oportunidade, escorreguei ligeiramente pela cadeira, baixei os óculos escuros e coloquei-me em posição de vigilância.
Como que desmaiada de barriga para baixo, à sombra de um multicolor guarda-sol que exibia gratuitamente as letras garrafais cor-de-laranja, Trifene 200, encontrava-se a Célia. Sem demora, juntei-lhe um segundo nome próprio para ficar mais compostinha: Gorete. Célia Gorete e por favor pronunciem com acento no primeiro o: Gó-re-te!
A tatuagem arrogante de caracteres celtas, ou hindus, ou cirílicos, ou chineses ou lá o que raio era aquilo, desenhada primeiramente ao nível dos rins, já vira melhores dias. Também as leis da física, com o correr dos anos haviam sido fatais para Célia Gorete. Os refegos cilíndricos, assim como as pregas nascidas pós-tatuagem devido aos abusos de uma nutrição irresponsável, provocaram dilatações no corpinho, fazendo espalhar o desenho que escorregava agora ao longo do pneu sobejado.
Perante tal visão, encolhi os meus abdominais e prometi a mim mesma, talvez pela décima quarta vez, que era desta que largaria a droga; os chocolates, diga-se.
Entretanto, o par de Célia Gorete, um cepo robusto esculpido numa peça única, bronzeado o ano inteiro e coberto de pêlos género matagal intenso, a quem baptizei sem hesitações de Leandro, já se dirigia direitinho ao guarda-sol, onde a sua sereia o aguardava necessitada de beber.
Pôs-se a jeito para o repasto, largou a Nova Gente, sacudiu a areia da toalha e finalmente expôs o figurino para satisfação de gente indiscreta como eu, cujo interesse como sabem, era da mais pura investigação, não deixando também de atiçar outros desejos masculinos, bem menos prosaicos que o meu.
Não vale a pena pôr-me com coisas, mas verdade seja dita, lá que a rapariga era maciça, ai lá isso era. Ignorando o aviso dos michelin laterais, que nos calham a todas se não tivermos juízo, a alvenaria dela era cheia e sólida. Uma massa compacta bem torneada sob alicerces consistentes, quase inabaláveis que tinham término nuns pés nédios de unhas de tom escarlate, capaz de fazer corar o manto rubro de um qualquer pastor da igreja universal.
Deixando de lado o palavreado alambicado, assumo a gíria de uma vez por todas e para que ninguém fique com dúvidas, Célia Gorete era acima de tudo aquilo que se chama, uma grande cavalona!
Só lamento não ter enxergado com o devido rigor, o modelito da tanga que envergava. Mas era tão demasiadamente reduzido e escondido entre as bochechas dançantes, que só lhe percebi o padrão: tigresse.
Houve até um senhor, coitado, que ficou com os glúteos da rapariga fixos na pupila, que teimavam em não se descolar. Ainda estive mesmo para o ajudar e dizer-lhe, o senhor desculpe, mas tem o biquíni da Célia Gorete dentro do olho e se ali o cepo do Leandro vê, não há-de ficar lá muito satisfeito.
Mas calei-me, os clack-clack dos fechos da lancheira fluorescente do parzinho, estrondeavam no areal, chamando-me de novo. E ele era gordas coxas de frango, louros rissóis de camarão, pála-pála das onduladas, suculentas talhadas de melão que se colavam aos dedos e o cacho portentoso de belas uvas brancas, cujas grainhas eram cuspidas com destreza para a areia em brincadeiras parvas de namorados, provocando-lhes sonoras e impudicas gargalhadas, mas tremores no meu
Tchékhov.
Enjoei confesso e a minha saudável garrafa de frize limão encolheu-se de recato, sentindo-se como ré perante aquele repasto, onde não se admitia qualquer carência de nutrientes.
Resolveram depois ir a banhos, não sem antes Leandro exibir um mergulho acrobático perante as hostes adeptas do passeio à beira-mar e molhar Célia Gorete, que largou um estridente, ai que estúpidoooooooo!
Entre gritinhos histéricos de ais e uis, frases assustadoras como, olha o tubarão, vou-te papar, anda cá minha patanisca e oh parvalhão já te disse para me deslargares e anda masé espalhar-me o creme nas costas, dei por concluída a minha missão e propus novamente deliciar-me com o
Tchékhov.

Encontrei-o amuado comigo e com menos falas que o costume. Fingi não perceber o seu ciúme, nascido da atenção que dei à Célia Gorete e ao Leandro e ignorei as acusações que me fez, à medida que eu avançava nos seus contos: que eu exagerava na adjectivação, nas metáforas e nas comparações e que nos meus textos me perdia na ironia, descambando por ai abaixo demonstrando uma total falta de imparcialidade. Uma reles emotiva, era o que eu era. Uma total ignorante do verdadeiro realismo.
Disso já eu sabia, não me deu ele nenhuma novidade, sou mesmo assim um pouco para o exagerada. Mas continuei a lê-lo calada, como se nada fosse e a pouco e pouco sossegou, permitindo que me perdesse novamente nas suas palavras absolutas, na sua escrita única, sem excessos, sem interpretações, sem críticas inerentes ou pareceres coniventes.
Uma escrita que à primeira vista parece não possuir quase nada, mas que afinal tem tudo, escondido atrás de uma subtileza ímpar.

E o perfume a óleo de coco foi-se dissipando pelo ar ...

terça-feira, 9 de junho de 2009

coisas de miúdos


Pisos anti-choque com sistema de amortecimento de quedas, materiais sintéticos, vedações, capacetes ergonómicos, cotoveleiras, joelheiras, caneleiras. Não existem joelhos arranhados e pinturas tribais desenhadas a mercurocromo, já ninguém parte a cabeça, esfola o queixo, raspa os cotovelos, exibe lindas e coloridas nódoas negras ou tem galos na testa. Raramente se vêem pensos rápidos, ou se ouvem gabarolices de pontos cosidos a frio.
Uma monotonia.
Agora já não há baloiços de madeira pendurados em elos de metal ferrugento, rangendo de sofrimento num ritmo exacto, que nos conduziam direitos ao céu e nos devolviam de regresso à terra. Deixavam-nos as palmas das mãos cor-de-laranja de ferrugem e cheias de calos orgulhosos.
Baloiçávamo-nos num tal para cima e para baixo, em velocidades galopantes que exigiam gritos estridentes de prazer, onde era tão fácil imaginar que seria mesmo possível voar. Bastava soltar as mãos das correias, lançarmo-nos para a frente, acreditar, conceber e sobretudo sonhar.
Não voaram tantas vezes assim?
Que pena aos nossos filhos já não nascerem asas.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

guilty pleasure II

Olá, o meu nome é Patti e não fumo há dois anos.