sexta-feira, 31 de outubro de 2008

o meu café com letras

fotos gi e patti

Quando entrou na sala da biblioteca, para o nosso café com letras, foi imediatamente aplaudido. Ficou envergonhado e deitou-nos a língua de fora. Avisou-nos que falava baixo, o que é verdade, pois algumas vezes o micro não foi suficiente para a sua voz chegar a todos.

Começou por dizer ao Carlos Vaz Marques, que quando iniciou este livro, o Arquipélago da Insónia, não tinha nada, mas depois apareceu-lhe uma voz, a voz que lhe foi dizendo o que escrever. E é assim que tem sido com os seus últimos livros, chama-lhes as vozes do eu, vozes sem nome e que estão dentro de nós.

Noutros tempos, fazia um plano de escrita para os livros e muitas vezes saía furado. Agora não, vai atrás dele, do livro e é este que lhe diz o que deve escrever.

“Um bom livro, é um livro que foi escrito só para mim, com o qual eu tenho uma relação pessoal e afectiva. Escrever é a minha razão de viver, a minha alegria e também sofrimento, mas é a minha sina”.

Fica espantado quando lhe dizem, ah o seu livro é tão complicado. Não compreende quando alguém da plateia afirma, que as suas últimas obras são labirínticas. “Labirinto? Que palavra tão estranha! Aquilo é tudo tão claro, tão óbvio”. O público ri. Não é assim tão fácil e este último não foge à regra, mas eu sigo o conselho dele quando nos diz: “Se deixarmos os sentidos pensarem, começamos a gostar de livros bons. É preciso ter vivido para escrever, mas também é preciso ter vivido para ler”. Também já lhe disseram que o livro é triste. Não acha nada. É alegre porque se sente a felicidade da mão do autor. É assim que entende, que este é um livro feliz.


"Gostava de cada vez mais, encher os livros de silêncios; silêncios para os leitores os preencherem como quisessem. Temos de aspirar ao silêncio, para conseguirmos escrever livros a sério. O leitor é que é importante, não o escritor". Diz da acusação de falta de pontuação, “ela está lá, apesar de não a verem; está nos espaço e no tempo da escrita, façam-na". "Sinatra foi quem foi, pelos intervalos de respiração, pelas paragens que fazia quando cantava”.

Falou do que pensa acerca da avalanche de publicações em Portugal, que se faz sem qualquer critério de escolha, pré-revisão ou qualidade. Nos EUA, tal não acontece com as editoras. O rigor é grande e existe uma peneira.

A discrepância é tão abismal, que isto diz tudo da maneira de como cá se publica um livro.

Quanto ao Nobel, tema que já é de praxe, ALA tem uma opinião com a qual eu corroboro na íntegra, “toda a gente faz apostas para o Nobel da Literatura, todos falam dos escritores nomeados, todos têm uma opinião a dar, mas ninguém dá sugestões, opiniões ou pareceres, acerca dos outros prémios e dos seus possíveis vencedores; do Nobel da Economia, da Medicina, ou da Física. Falam de Literatura como se fosse coisa que todos entendessem. Não é.

A Literatura é outra coisa. É estar entre os homens, no meio deles, não é contar-lhes histórias".

Agora faz o que os livros querem. “Sabemos muito pouco do que é escrever, assim como sabemos muito pouco do que é viver”.

Já foi mal-educado noutros tempos, já pediu desculpas e recebeu lições de boa educação de quem ofendeu. Do excelente poeta Vasco Graça Moura, por exemplo. Ri ao lembrar-se que chamou gorda à Natália Correia num programa de televisão, mas arrepende-se. Diz imensas piadas pelo meio, tem muito sentido de humor, peculiar, mas tem, fala das mulheres, conta-nos que prefere escrever na cozinha, que divide o atelier onde escreve, com um pintor de quem gosta muito, que no bairro castiço onde vive, é tratado de senhor António, por gentes a quem, se nota na forma como fala deles, tem afeição. Diz que protegem a sua morada dos curiosos. Vai à mercearia do senhor Cardoso, dedica-se ao trabalho treze horas por dia e folga aos sábados a partir das quatro: “tal qual as sopeiras e os magalas”. Ao domingo volta de novo ao trabalho.


Falou dos amigos Júlio Pomar e José Cardoso Pires. Gosta de ler Céline, Flaubert, Garcia Marquez, Simenon, Philip Roth e Gonçalo M. Tavares.

Citou Oscar Wilde, interpretou Hemingway, falou de Bovary, entristeceu-se com a morte de Paul Newman, “um homem único e de uma enorme bondade”, comoveu-se com as lágrimas e a tristeza de Robert Redford, quando da morte do amigo, que viu numa entrevista na televisão, quando esteve em Nova Iorque, lembrou-se da sua doença, admirou a coragem das pessoas que com ele partilharam a enfermaria do hospital público onde esteve internado, durante um período muito duro da sua vida e que estava a meio deste livro, falou da fragilidade que lhe trouxe a morte do pai.

Falou de muitas, muitas coisas, impossível eu referir todas.

Coça a nuca, coloca as mãos atrás da cabeça ou apoia o queixo na mão, gestos inatos e descontraídos quando fala para nós, mas raramente fixa o olhar nas centenas de pessoas que ali foram para ouvir, pensar e rir com ele. Só nos olha nos olhos, quando lhe fazemos uma pergunta directa, como fez comigo quando o questionei se ele tinha noção do momento em que o livro deixava de ser dele autor, e passava a pertencer a ele próprio, livro.

“Sabe que eu demoro muitíssimo tempo, meses até, para escrever a primeira parte dos meus livros. Escrever é muito difícil. São capítulos e capítulos que escrevo e reescrevo vezes sem conta, passo a limpo e torno a ler. A partir daí, da metade do livro, ele segue o seu caminho sozinho”. E termina com um grande sorriso para mim, como quem diz, entendeu?

É um sedutor e sabe-o bem.


Antes de se despedir de nós, ainda disse, “Só começo um livro, quando tenho a certeza de que não sou capaz de o fazer. É um desafio. Não parto com vantagem nenhuma”.

E enquanto fumava o seu tão apetecido cigarro, autografou-nos os livros que carregávamos numa fila pouco ordenada, por assim dizer.

Acho-lhe piada, gosto-lhe dos disparates, das suas verdades muito próprias, do ar displicente e despreocupado, da vaidade camuflada, dos olhos azuis, da voz uniforme, do rosto sério que de repente se altera para um enorme sorriso. Gosto de discordar dele. Gosto das suas contradições. Gosto dele, pronto.

E o seu sentido de humor apurado? Vão saber dele aqui, à minha companheira de tertúlias. E logo estaremos aqui.



o meu 'Arquipélago' a ser assinado

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

caderno a lápis

foto de fernanda fonseca

Preenche-me sempre a lápis porque gosta de apagar, rasurar, desenhar asteriscos, fazer setinhas de ligação, sublinhar, escrever notas de cabeçalho e de rodapé.

Faz-me desenhos nos cantos superiores, enquanto espera que a imaginação chegue para escrever em seguida nas linhas que lhe coloco à disposição e que esperam pacientes para serem preenchidas.

Quando está mais lenta dobra-me os cantos, brinca com a borracha entre os dedos e fixa o olhar em mim como se me visse a folha seguinte à transparência. No fundo, despe-me.

Nos dias em que está com o tema na ponta da lapiseira, arranha-me com força, ri dos disparates que me escreve ou fica séria quando têm gravidade. Vira-me e revira-me as folhas constantemente, lê-me e relê-me.

Não lhe interessa a confusão, as vozes ao fundo, os ruídos de base, a presença dos outros, a televisão ou a música. Gosta de barulho à volta, que de todas as vezes lhe fez companhia e sempre soube encontrar o seu silêncio nele. Eu também acabei por me habituar, aos locais inusitados que ela escolhe para me sacar da carteira e começar-me a escrever. E lá vou eu outra vez, sem horários. sem rumo, sem saber. Tenho passeado muito, já lhe conheço o carro, o escritório, a casa, o picadeiro ao domingo de manhã, a esplanada junto ao cais, o bar da praia, a espreguiçadeira da piscina e noutro dia até adormeceu comigo na cama e só acordamos depois do sol.

Eu, um simples caderno de linhas.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

consórcios

Entram sempre sem olhar para ninguém. Senta-se um e depois o outro. Um olha para a televisão e outro não olha para nada. E depois trocam. Lêem a ementa com calma e em silêncio, escolhem o de sempre e um olha para a televisão e outro não olha para nada. E depois trocam.


Ela abre o patê, barra-lhe uma tosta estaladiça e coloca-lhe no prato, come uma azeitona sem caroço e pede uma água fresca. Serve-se do queijo fresco, que só tempera com pimenta e na última fatia junta sal e oferece-lho. Ele aceita e continua a olhar para a televisão e ela não olha para nada e depois trocam. Chega a espetada de tamboril, colocada ao lado dele que a serve primeiro. Pimento e cebola não, não gosta e ele já sabe. Estende-lhe o prato e ela estica a mão, enquanto olha para a televisão e ele não olha para nada. E depois trocam. Um café e um brandy e uma mousse de maracujá, que ela não come até ao fim, pois duas colheres são para ele, que já sentado de lado na cadeira com o balão entre os dedos, olha para a televisão e ela não olha para nada. E depois trocam.

Surge a conta e finalmente daquele casal sai um som, alcançando o pico mais alto do seu dia, o clímax, vamos?

Ela levanta-se e nem responde a olhar para a televisão e ele não olha para nada. Afinal em casa também têm televisão e depois lá trocam.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

broken wings - #10



Vivia-se bem no planeta Jubilo. Tão perto do céu, como da terra. Os mortais usufruíam de uma existência mágica, com os seus deuses sempre por perto.

Os incêndios eram extintos com sopros vindos de cima, as maleitas desfeitas com sorrisos de deusas douradas, os desgostos do coração eram substituídos por novo amor, pela mão de um deus encantado, as zangas esquecidas com olhares reprovadores de deuses de barba longa e branca, o nascimento presenciado por um deus sábio, que atribuía dons e a morte era conduzida para o céu, ao colo de deuses jovens e renovadores. As crianças-deuses, andavam na escola do paraíso, onde aprendiam a arte de socorrer a mágoa nos animais.

Os humanos tinham características especiais e uma delas, única, herdada pelos pais no dia do nascimento. Visão extra, pisar sobre a água, ouvir o pensamento, falar a língua dos animais e um sem fim de capacidades muito especiais.

Missi podia voar como a mãe. Possuía asas gigantes de penas longas e brilhantes que quase lhe tocavam nos pés, oferecidas por um deus sábio que testemunhou o seu nascimento e que se esmerou na beleza e na imensidão daquelas asas.

Missi quase se esquecia que podia andar e voava para todo o sítio, longe e perto. Em criança imitava os voos dos pardais do jardim, mais tarde o das pombas nos telhados e finalmente os voos altos das águias e falcões.

Disparava rumo ao nada e sumia-se no azul. Competia com as aves de rapina, fazia corridas com as andorinhas, os patos-reais e os flamingos quando das suas migrações e planava tão bem como o grande pássaro, o condor.

Conheceu-o quando chocaram no céu, numa altura em que ela, aproveitando brisas de calor que a sustentavam no ar como uma cama de rede, pairava de olhos fechados.

Perderam o equilíbrio, desarranjaram as asas e foi uma nuvem de penas pelo ar. Atrapalhados, ajudaram-se um ao outro, pousaram na montanha e só nessa altura ela reparou quem ele era. Um dos deuses do planeta Jubilo

Tinha ficado magoado na asa direita, mas a ferida curou-se lentamente. Imunidades de quem vinha do céu. Mas ficou a cicatriz dorida daquele embate.

Com um sopro, afastou-lhe algumas penas do cabelo e disse o nome, sou o Don.

Deste encontro resultaram afinidades singulares, exclusivas e perpétuas. Nascia neles o supremo sentimento. Tinham a paixão do voo e juntos desidratavam-se entre os fenómenos de calor e luz, no meio da atmosfera rarefeita do éter.

Missi desconhecia, mas Don sabia que uma relação emocional entre deuses e mortais era proibida, pois um dos dois arriscava-se a perder o seu dom. Mas os deuses ali não eram perfeitos e ele deixou-se ir com Missi ao sabor das brisas e ventos.

Combinavam encontros nos ninhos abandonados dos pássaros vadios, no cimo das nuvens mais pesadas ou no extremo dos arco-íris.

Almas gémeas nas nortadas, nos suestes e nas monções. Respiravam correntes de ar e ventos leste e abraçavam-se ao sabor do barlavento. Nunca souberam o que era um furacão ou um tornado, preferiram ventanias e redemoinhos mais ligeiros. Mas o ciclone deu-se e os deuses descobriram a sua ligação.

Um dia Missi caiu e as asas pararam, não lhe obedeceram, estancaram de repente e embateu com toda a força num enorme raio de sol que a destroçou para sempre. Sem saber como, entendeu tudo nos olhos de Don, quando ele a segurou e impediu que se extinguisse do desgosto. O sol zangou-se e num golpe anoiteceu o dia mais cedo que o costume, o vento que com ela convivia desde as primeiras asas, expeliu fortes rabanadas que gritaram de sofrimento e as nuvens autocarregaram-se de humidade cinzenta, para chorarem lágrimas grossas de tristeza, imitando o dilúvio do primeiro Livro.

Leva as minhas assas partidas e trata-me delas, senão nunca mais conseguirei voar. Não consigo pensar, não consigo ser, não consigo viver. E ele assim fez. Dobrou-as com jeito e envolveu-as em si próprio, recolheu ainda algumas penas que flutuavam à roda deles e partiu rumo ao céu, para mais uma missão etérea.

O céu estava trancado. Portas, janelas e qualquer frecha. Era o castigo. Depois do concílio, fora Missi a escolhida por decreto ficando privada do dom de voar. Não por pensarem ser ela a maior responsável da tragédia, antes pelo contrário, mas Dom sim. E a dor dela seria o seu castigo.

Os deuses nunca são misericordiosos com as leis que impõem. Não abrem excepções, são duros e intransigentes. Escrevem leis para a alma em livros grossos, como se o que nos nasce de dentro tivesse nome e pudesse ser julgado assim, levianamente, por árbitros que só entendem de estabelecer sistemas de regras reguladoras e imutáveis.

Com Eva aconteceu o mesmo no planeta do lado, só que o homem que a deveria ter amparado era fraco e não foi escolhido por ela, impuseram-no. Não tinha a mesma força do homem de Missi, que a salvou, que não deixou que o erro da sua fraqueza fosse fatal para ela. Missi nunca foi apontada, excluída e diminuída e nunca acartou no seu nome e no seu sexo, o peso de uma má reputação de séculos e séculos. Como Eva.

“Leva as minhas asas partidas e trata-me delas”, ele tratou e viveram perpetuamente à bolina.

Don carrega-a nos braços, ao colo, nas costas ou empresta-lhe uma asa. A asa que ele feriu quando se viram pela primeira vez. É uma asa sofrida que entende a dor de Missi, quando ela agora voa, lesa e mutilada.

É deles que nascem cúpidos. Querubins gordos, que na ponta das flechas cheias de amor que disparam contra nós, herdam a salvação dos pais e guardam o caminho da Árvore da Vida.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

às vezes sou muito feia e má também


Definitivamente, o conviver forçado não é para mim. A excepção são as feiras, já sabem.

Vem uma e atira um grito à criança, que feliz na sua tarde de soltura dá cambalhotas no tapete sujo da loja, chama-lhe de Igor José, oferece-lhe uma ipsis verbis lambada na tromba e diz para mim já completamente íntima, raios partam os sacanas dos putos que dão cabo da gente. Depois há outra, que embora seja da fila do lado, encosta-se ao meu ombro qual gémea siamesa e mete o bedelho para ler o título do meu livro, só não se desequilibra e cai estatelada porque as filas são muito apertadinhas com gente que tem medo de perder a vez e que a amparam do tombo. Atrás de mim, tenho uma jovem com pretensões a grávida mas sem bebé na barriga, que além de ter a dita pança exposta para o público apreciar sem qualquer tipo de pejo, ainda me roça com ela nos rins, cada vez que se vira para enfiar dedos nas orelhas do namorado. Não me perguntem para quê. Também não percebi. Nem quis. A da frente, dança o Vira na fila e sempre que o faz, sacode a cabeleira oleosa no meu nariz, vem a amiga que me passa literalmente por cima sem pedir licença e atira-lhe com mais não sei quantos livros de auto-ajuda para dentro do cesto e começa desenfreada a ler em voz alta a sinopse mantra-zen de todos eles, para os ursos infelizes que aguardam naquela fila estúpida de domingo, como eu.

domingo, 26 de outubro de 2008

sábado, 25 de outubro de 2008

[12] ´tou no ir...de fim de semana


foto da Gi

Achamos estes carros giros, quando fomos à aventura por Lisboa no outro dia e a Gi tirou a foto.

Dois dias depois num post do blog Caixa de Costura, descobri para que serviam os carrinhos amarelos.

E não é que a descoberta foi bestial!

São os GoCar e servem para passear por Lisboa, em percursos turísticos pré-estabelecidos, como a Baixa-centro, Belém e Expo.

Ao mesmo tempo que os guiamos, vai-nos sendo explicado tudo o que estamos a ver, têm ainda um GPS que nos deixa tranquilos com o trajecto e depois é só seguirmos as instruções.

O mínimo de tempo de aluguer é de uma hora, mas pode ir até um dia inteiro.

Eu estou mesmo tentada, antes que venha a chuva.


Então, não se animam também? Espreitem aqui.


sexta-feira, 24 de outubro de 2008

post s.o.s.


Preciso da vossa ajuda. Desculpem-me o sacrifício daquilo que vos vou pedir, mas sinto-me atarantada e sem saber como agir.

Há umas semanas a esta parte, que tenho vindo a ser abordada via e-mail por homens que me são totalmente estranhos e que pretendem saber como é que se ouve música no blog, como se colocam fotografias nos posts, se eu penso que o template é importante para a imagem do mesmo, se devem postar todos os dias … bom é um chorrilho de questões que nunca mais acabam.

Ainda assim e mesmo com falta de tempo, decidi ajudar os coitados dos rapazes, pois os pobres sentem-se perdidos perante toda esta parafernália de opções, confusos com tantos links e realmente têm razão; é muito post, muito post, muito post. Estejam à vossa vontade. Podem deixar e-mail, nº de telemóvel, morada, link do vosso blog ... olhem meninas o que quiserem.

Aceitam-se notas numa escala de 0 a 5, mas por favor ajudem-me, começo por dar explicações a qual?


Gabriel Aubry


Reinaldo Gianecchini



Patrick Dempsey


Olivier Martinez

Roque Santa Cruz


Jim Caviezel


Richard Gere


este não sei quem é, mas penso ser alguém para o post sobre
o casamento entre homossexuais
e a t-shirt é gira



Nota: homens comentadores, não se ponham com frases do tipo, 'ai eu não aprecio homens e tal', que não lhes perdoo se não me ajudarem nesta aflição! Façam de conta que estão a escolher o noivo da vossa filha, pronto.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

não metam o bedelho na minha cozinha

foto de carl warner

Não me lixem. Já vos disse que não troco as minhas colheres de pau por aquelas outras de plástico branco e insípido. Mas eu quero lá saber, que o tacho de barro da minha avó tenha chumbo! Estou-me nas tintas que a clara de ovo frito fique esturricada e aviso já que quando estou na cozinha ponho as mãos em tudo. Que se lixem essas luvas maricas de silicone e os destrói-bactérias com nomes estrangeiros impronunciáveis que viraram moda.

‘Tá bem abelha, é que me estão mesmo a ver a borrifar a gaita da alface com aquele spray estranho que agora vendem nos supermercados e que as meninas das hortaliças enfiam para lá no meio dos legumes para ver se nos enganam. Engolir minhocas nunca fez mal a ninguém, deve é servir de laxante. Da primeira vez até lhes disse, oh menina esqueceu-se aqui do limpa-vidros, entre o alho-porro e a beringela.

Raios partam as normalizações de Bruxelas, vê-se mesmo que não sabem o que é um bom prato de janquinzinhos fritos com arroz de tomate. Aliás, de tomates percebem muito pouco.

Vocês devem estar a gozar com a minha cara, quando me espetam com saquinhos chics de coentros e salsa no supermercado, a 1€. Mas eu tenho uma varanda enorme, num último andar cheio de sol para quê? Para me suicidar quando vir a conta do supermercado ou para a enfeitar com vasinhos saloios de coentros, salsa, hortelã, louro e alecrim, como boa portuguesa que sou? E se me chateiam muito a molécula, ainda faço contrabando com a vizinha, que tem um morangueiro, um tomateiro bebé e uma planta de haxixe que lhe ofereceu o namorado que é rastafari.

Só falta mesmo virem agora com ideias e dizer que também tenho de comer o pão e os espargos com faca e garfo. E por falar em talheres, devem estar à espera que eu em casa os utilize nas minhas divinais churrascadas para comer a bela coxa de galinha, as costeletazinhas sumarentas de borrego ou o entrecosto na brasa, com aquela carninha maravilhosa, agarradinha aos ossos. E mais, no final chupo os dedos e não é um nem são dois…são todos!
E olhem que já estive mais longe de organizar uma manif, equipada de fisgas à miúdo rufia e com troços de torresmos gordurentos.
É estufa para isto, é estufa para aquilo, qualquer dia tenho de comer vestida de astronauta para não apanhar nenhuma doença contagiosa, ou então ponho-me aos gritos a correr pela mercearia cá do bairro afora, só porque vendem melancias crescidas ao ar livre e maçãs apanhadas nas árvores.
Estupores dos homens, não tarda nada tenho de andar de bloco de notas em punho, com dois separadores; isto posso, isto não posso - isto posso, isto não posso.

Bem, é assim … se me inventam alguma anormalidade para os doces conventuais, eu juro que vos ponho a meter ovos pelos buracos do nariz e a chocá-los entre as pernas e as dobras dos joelhos.
Mas é que nem se atrevam a acabar com o arroz de galo pica no chão! E depois eu ia ao Minho e comia o quê? Cuscuz de galarucho benzoca que se passeia em fofa alcatifa de pura lã australiana?
Oh gentinha pindérica e mal nutrida, saiam da minha terra e vão lá para a vossa cozinha imaculada e muito zen, fazer uma grande rave party, com batidos de oxigénio e sandes de rúcula, enquanto eu tiro os restos de comida seca que ficou presa nas fendas das minhas ricas e toscas colheres de pau. Algumas até já estão pretas da velhice e do uso.

Ai que horror. Ai credo. Ai que nojo. Ai coitada.

Ai que parvalhões!

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

[3] figuras tristes, as minhas

foto blog cupcakes
Beatriz, o que é que tens na boca?

É uma goma, mãe.

Uma goma? Mas vamos agora mesmo almoçar. E hoje não é dia de doces.

Oh mãe, estava com fraqueza e foi só uma para me subirem os açúcares.

É bem feita. Quem me manda a mim mentir-lhe e dizer que preciso de açúcar por causa da tensão baixa, quando sou apanhada a sair da despensa com uma tablete de chocolate de 250gr. na mão? Castigo meu por enganar a criança, infligido pelos glúcidos que me perseguem a linha e me comprometem com todas as suas maléficas calorias, a firmeza dentro da minha ganga.

Mulher fraca, sem vontade, corrompida pelo prazer da gula. Educadora sem escrúpulos, modelo de mãe a não seguir, mulher de valores insignificantes.

Esta sou eu.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

a cor de Purple - #9

foto da Gi

Tinha mãos feitas de sonhos. Herdadas da mãe que fora a parteira mais solicitada da zona. Nunca perdera um bebé, nem o da vaca do Sr. Francisco quando o veterinário não pode lá ir.

Mas as mãos dela nasceram para outro fim, tão nobre como o de dar oportunidade à vida como fazia a mãe. Desenhava futuros felizes.

No meio da vida difícil e pobre do bairro, Purple tinha sempre uma folha colorida do seu bloco de desenho para oferecer a alguém. Eram desenhos de esperança e alento e sempre sem a cor preta. Nunca coloria nada a preto. Na caixa dos lápis, no estojo dos guaches, na palete de aguarelas, o preto estava sempre novo. Intocável.

Alguns pretos até secavam e morriam.

Uma vez, regressava a Sra. Joana exausta das horas extra que fazia a dias e já Purple a esperava com uma folha na mão, preenchida com aviões, malas de viagem, sacos brilhantes do freeshop e ursos de peluche. Tu não me digas que o meu filho vai voltar? E trás as minhas netas? E já não sabia se havia de rir ou chorar, ou gritar, ou correr para casa, ou ligar o telemóvel ou …

Noutro dia foi o Jonas, que quando se preparava para sair de casa com a prancha de surf às costas, a viu sentada no passeio em frente à porta dele com o bloco de cavalinho nos joelhos encolhidos e a dar os últimos retoques na colunata coríntia do Templo de Diana. Évora? Évora, Purple? Eu entrei em Évora? Largou a prancha no chão e abraçou-a até sempre.

Os recém-casados que moravam ao lado dela, também foram presenteados com um dos seus desenhos. Folha ocupada de cálculos matemáticos de todas as cores, que saltitavam entre percentagens e gráficos de probabilidades até 2038. Zé! Oh Zé, anda cá ver isto! Olha o que a Purple nos trouxe. O banco vai conceder-nos o empréstimo para a casa!

Fora este o dom com que a vida a dotara. Pintar a cores o futuro dos outros.

Frequentava pois está claro, Belas Artes e era a aluna preferida do velho professor Gil na disciplina de Composição-Pintura. O traço inato que saia das suas mãos sem qualquer pretensão ou inquietação com o seu futuro, comoviam-no ao ponto de ter emoldurado alguns dos seus desenhos e tê-los espalhado pela sua casa. Ele já tinha ouvido falar da predestinação dos desenhos, mas a grande admiração começou quando um dia Purple lhe ofereceu uma folha desenhada com bigodes compridos e finos, todos sujos de leite. Apareceu o Sebastião, Purple? Ai que susto me pregou aquele gato fujão! Ficaram amigos.

Como não sabia desenhar feio, triste e mau, nada pintou no seu bloco quando a doença espreitou pelo professor Gil adentro, gostou do que viu, entrou e ai se instalou. Para crescer.

Mas Purple sentiu-lhe o ar cansado, os olhos tristes, a pele baça e a voz baixa. Sacava do bloco irritada, olhava para aquelas folhas brancas e nada. Distribuía os lápis à sua volta, espremia bisnagas de tinta, lavava pincéis de pelo de marta, desenroscava boiões de tinta, raspava lápis de cera, aguava as suas aguarelas e nada de nada!

Tornou-se impossível saber o que se passava com o professor e não conseguia entender o seu decair e a sua fraqueza. Também não soube, que naquela segunda-feira ele não ia estar pela primeira vez, desde que ensinava a disciplina de Composição-Pintura. A faculdade informou os alunos que o professor Gil se encontrava de baixa para fazer exames e provavelmente iria ser sujeito a uma cirurgia ao coração. Delicada, mas decisiva. Era então a doença, a razão das suas folhas continuarem vazias. O preto nunca lhe saía nos desenhos de futuros promissores e dos outros futuros ela não sabia desenhar.

Numa enorme tristeza continuou a desenhar a felicidade de todos, só porque lhe era inato. Quando nesse dia regressou a casa, fez festas ao gato bebé que comia os restos do lixo e deixou-lhe pintado no passeio com batom, uma criança sorridente de braços estendidos. Passou por uma jovem que esperava à porta do cinema e deu-lhe para a mão uma rosa amarela, desenhada no verso do bilhete do autocarro. Com o cor-de-rosa e o azul claro, pintou duas chuchas enormes, que ofereceu à empregada do talho. Pegou ainda nas cores das férias de Verão e emoldurou uma enorme folha de papel desenhada por si, cheia de um verde mar, areia fina e brilhante e presenteou os pais no jantar de comemoração de quarenta anos de casados. E para o professor Gil, passaram-se dias de agonia em que nada pintava.

Até que chegou o dia em que o bloco de cavalinho lhe implorou que o abrisse, os lápis trocavam de lugar na caixa num enorme frenesim, os guaches auto espremiam-se cuspindo cores sem direcção certa, as aguarelas transformaram-se numa sopa policromática e os lápis de cera derreteram-se de excitação.

Mas o que era aquilo? Nunca as suas cores se tinham portado daquela forma alucinada. E o papel então? O papel gritava pelo nome dela, Purple, Purple! Tens de nos entender!

E ela entendeu. Abriu a janela para o rio e as cores saíram disparadas rumo ao céu, uniram-se em arco e falaram com o pai-íris. Conversaram. E mais calmas, ouviram conselhos sobre tonalidades, sombras, texturas, luz e reflexos, matizes e gradações, desde as cores primárias às terciárias. Regressaram para a caixa, Purple pegou nelas e saiu desembestada para a rua em direcção ao hospital.

Oh Purple, tanto que esperei para que me trouxesses uma das tuas pinturas com futuro. Olhou para ele com uma enorme alegria e com cuidado colocou-lhe em cima as folhas brancas e vazias todas desirmanadas, a caixa dos lápis, as bisnagas de guaches, os frascos e tinta, o estojo das aguarelas e as lascas dos lápis de cera.

Vim desenhar para o pé de si.

Não conseguiste não foi? Não há esperança para mim?

Nada disso, professor.

A mão dela nunca deslizava para o feio e o disforme e muito menos para o lúgubre ou o sombrio.

Não sei pintar o que ali dentro se vai passar. Não conheço, não sei do que se trata e nunca lidei com o preto da vida. Mas os seus médicos sim, professor. Nasceram com o dom de correr com ele para fora da nossa existência e com capacidade de ver para além da bacidez da peçonha. As minhas cores estão tão aflitas com o poder do preto, que quase ficaram sem tom de tanto me implorarem para que as trouxesse até aqui. As folhas do bloco soltaram-se da lombada, tal era a excitação de quererem acompanhar as cores até si. Quase que não me deixaram entregar uma folha ao motorista do autocarro, com o desenho da fábrica de portões abertos e cadeados no chão, onde trabalha a mulher dele.

Elas acham que juntas vão vencer o preto. Nunca ele me toldou tanto a visão, como neste seu futuro, que nem sequer me deixa alcançar a simples matiz de uma qualquer cor. Mas não se preocupe, porque sinto que vou conseguir desenhar para si.

No final.

A equipa médica aproximou-se e imediatamente imagens de luz chegaram às mãos de Purple com tanta veemência, que receou não ter trazido consigo cores suficientes e papel que chegasse, para libertar o desenho mais bonito que jamais algum dia criara. Mas o pai-irís brilhava por toda a cidade, mais intensamente que nunca.

Espere um momento Dr., trouxe de casa um desenho para si. E de dentro da sua mala de pintura, retirou um maço sem fim de folhas soltas, que estendeu ao chefe da equipa médica. Ele desfolhou-as uma a uma e apreciou agradecido, aquela mancha de cor. Distribuiu cada uma delas por toda a sua equipa, que partiu para a sala de operações seguida pela maca do professor Gil, que a tudo assistiu em silêncio de entendido.


E cada um deles levou consigo, dobrado e guardado no bolso esquerdo da bata junto ao coração, um desenho de Purple, inundado de sorrisos perfeitos com todas as cores do arco-íris.




mais fotos do arco-íris aqui