quarta-feira, 20 de maio de 2009

feeling good


A minha escrita é feita de pequenos e discretos roubos, de observação minuciosa que intencionalmente surripio aqui e ali. É uma escrita de delitos leves, cometidos com um aproveitamento desavergonhado das distracções humanas. Escrita apoiada em crimes ingénuos, quase sem pena prevista na lei, mas planeados à minúcia com o objectivo claro de saquear às minhas vítimas, os seus sentimentos e emoções.
Esta vil gatunagem furtada aos inofensivos comportamentos alheios, mais não é do que uma forma muito pessoal de me representar na caneta e no papel.
Todas as palavras que me lêem resultam portanto, da mais pura fraudulência, de uma criminosa e muito trabalhosa actividade de plagiato humano, que por vezes me consome e me leva as energias.
Ora, qualquer ladrão que se preze, necessita também de evoluir, buscar novos recursos, pesquisar outras metodologias, praticar diferentes técnicas de assalto, concentrar-se nos objectivos e ponderar sobre a actividade, para continuar a usufruir do gozo que a ladroagem lhe proporciona. Em suma, carece de uma benéfica pausa.
No meu caso, assumida aqui perante vocês como uma ladra de almas inocentes, que vagueiam distraidamente ao meu redor, desconhecendo que lhes sugo o sangue para poder escrever, dizia eu no meu caso, essa pausa saudável chegou.
Neste tempo, tenho muitas coisas que quero e vou fazer.
Muitos eus
que se têm dispersado e que me aguardam pacientemente e sem queixas, para os reorganizar e reunir. Mas sobretudo, preciso muito de voltar a ler como antes lia. Sem distracções. E a partir de agora mais ainda. Sinto muita falta desse pedaço de mim. Desse eu, que sempre me foi especial e que me torna melhor pessoa nas outras tantas partes de mim.

Tentarei voltar, mas não prometo, lá pelas calendas de Junho.

"It's a new dawn
It's a new day
It's a new life
For me
And I'm feeling good"

terça-feira, 19 de maio de 2009

ser adolecentA aos 13 é ...

Oh mãe coitadinha da Ana, mora nos Açores e ainda para mais na ilha Terceira.
Mas o que é que isso tem de mal Beatriz? Todas as ilhas dos Açores são lindas e a Terceira não deve ser excepção.
Mas mãe, como é que ela consegue viver? Só a ilha de S. Miguel é que tem a Berska!

sexta-feira, 15 de maio de 2009

vírus* num blog sério e familiar #5

vírus acanhado; aparentemente inofensivo, que quando menos se espera ataca a memória ram, a rom e a outra;


vírus folgazão; domina componentes electrónicos, circuitos, placas gráficas, artérias, veias, epiderme e o cérebro de uma forma geral;


vírus assassino; especialista na destruição de sistemas informáticos, sistemas binários, sistemas financeiros e sistemas nervosos.

(Gabriel Aubry)


Bom fim-de-semana!
(agradeço que me deixem pelo menos um dos aubry, pois tenho um anti-vírus novo para testar)

* eu não mereço tanto

quarta-feira, 13 de maio de 2009

linhas de pensamento


Agora, colocam-me aqui ao lado destas amostras de criadas; desta gentalha sem tradição, que mal se aguentam numa casa por mais de três ou quatro meses, sem carinho nenhum pelos senhores ou pelos meninos.
Onde é que já se viu tamanho desmando? Sabem lá elas o que é governar uma casa, orientar um lar, apoiar uma família. Nem sequer sabem pregar um simples botão!
Nada entendem de cozinhados saborosos, confeccionados à base de amor e dedicação, cheios de temperos secretos, ancestrais
receitas herdadas, manjares únicos.
E as limpezas? Uma vergonha.
Saberão elas a diferença entre prata e inox, cristal e pirex, pau-cetim e pinho, seda e poliéster? Nada.
Andam por ali com aqueles espanadores modernos, aspiradores eléctricos e esfregonas que vêem nos anúncios da televisão, desconhecendo o que é o verdadeiro esfregar, a nobreza do polir ou o vigor de um encerar.
E a roupa então, é um ver se te avias. Não há cá preceito algum nos vincos, dobras, pregas, direitos e avessos, gomas e borrifos, punhos e colarinhos.
Flausinas.
...
Olha p'ráquela, parece um pinguim expulso do pólo norte, ou será do pólo sul? Que se lixe, é 'masé ali do oceanário e já é muito bom.
Coitada, lá porque tem um avental de linho e golinha com goma, deve pensar que é melhor do que eu. Ao menos dispo a bata, quando faço recados à patroa.
E aquelas unhas, rentes e sem verniz? A lojinha do chinês já te fazia jeito, oh simplória. E um saltinho na chanata, também ia bem não ia, ou faz-te doer os joanetes?
Lorpa, nem deve sonhar que eu folgo todos os fins-de-semana, faço compras no shopping nas mesmas lojas dos bosses e chamo os putos deles, pelo nome próprio.
Ah e não sou uma ilitrada como tu, ou lá como é que se diz; tenho o oitavo quase todo... falta-me p'rái matemática, português e outra tanga qualquer, mas leio muito o jornal da região, a revista Certa do continente e os boletins da farmácia, enquanto espero que me gritem pela gaita da senha.
Atão e o teu magala, agora escreve-te donde, de Timor ou do Afeganistãni?
...
Dusssss, o que uma gaja tem de sofrer para pagar as props da faculdade. Mas o que é que eu estou aqui a fazer, metida no meio destas duas mulheres-a-dias?
Será que aquela parvalhona onde eu trabalho, a Judite, a Paula, a Sónia ou lá como é que aquela estúpida se chama, acha que sou criada dela?
Cum caraças, como se já não me bastasse aturar os chavalos dos filhos, ver se não bebem, se não fumam, se não metem lá garinas em casa, se trocam de calças, ou se não me deitam os olhos p'ró decote.
E eu estudo para os exames quando, pode-se saber?
Antes ou depois de encomendar as pizzas p'rá janta, antes ou depois do imbecil do tipo da engomadoria, me entregar a roupa da madama, antes ou depois de levar o porcalhão do cão à rua, antes ou depois de fazer as encomendas do super pela net, antes ou depois do namoradinho da Judite, da Paula ou da Sónia, ou lá como é que aquela monga se chama, me atirar bocas porcas e olhares lambidos?
Bom, esta tipa de preto só pode ser figurante de alguma novela. Que cena marada man, esta gaja não existe de certeza.
E a outra das florinhas? Amiga, é que não enganas ninguém com esse perfumezinho roscofe, oh chavala.

terça-feira, 12 de maio de 2009

e fui mesmo

foto minha, parque eduardo vii

De todos os livros que comprei ontem, quatro encheram-me as medidas.

"O Meu Amigo Eça"- António dos Reis Ribeiro,
edição 1946
/ 5€

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Um pequeno livro, comprado num pavilhão alfarrabista, que conta passagens maravilhosas e reveladoras da vida de Eça, como esta, numa carta que Eça escreve, já doente, a Oliveira Martins:
"A minha sublevação intestinal tem resistido à repressão conservadora do Bismuto. Preciso por isso um dêsses sujeitos, que, no tempo de Molière, freqüentavam a sociedade com uma seringa debaixo do braço, e que nós hoje chamamos um príncipe da ciência. Conheces tu algum bom - tão bom, que distinga realmente o intestino grosso da aorta? O que vem aqui regularmente ao hotel parece-me ser um mendigo da ignorância".

"Correspondência de Mário de Sá-Carneiro com Fernando Pessoa (1912-1914)" - Relógio D'Água / 5€.
...
Estas cartas, são qualquer coisa de fantástico. Deixo-vos duas passagens.
"Paris, 25 de Março 1913
Meu querido Fernando Pessoa,
Recebi hoje a sua carta que muito e muito agradeço. Eu não sei mesmo como agradecer-lhe todas as suas gentilezas. Percorrendo a sua carta eis o que tenho a dizer-lhe sobre cada um dos seus parágrafos:
- É muito verdadeiro e lúcido o que você diz acerca do cubismo. Plenamente de acordo. Desse Amadeu Cardoso tenho ouvido falar muito elogiosamente e vi uns quadros dele, sem importância e disparatados, no Salão de Outono. Tratava-se duma turbamulta de bonecos - era um inferno, um purgatório ou qualquer coisa assim. Sei que é um tipo blagueur, snob, vaidoso, intolerável, etc, etc.
Parece que não se pode ser cubista sem se ser impertinente e
blagueur".
E diz ainda Mário de Sá-Carneiro, sobre a Ode de Álvaro de Campos:
"Meu querido Fernando Pessoa,
Não sei em verdade como dizer-lhe todo o meu entusiasmo pela ode do Álvaro de Campos que ontem recebi. É uma coisa enorme, genial, das maiores entre a sua obra - deixe-me dizer-lhe imodesta mas muito sinceramente: do alto do meu orgulho, esses versos, são daqueles que me indicam bem a distância que, em todo o caso, há entre mim e você.
(...) Não tenho dúvida em assegurá-lo meu Amigo, você acaba de escrever a obra-prima do Futurismo. (...) Depois de escrita a sua ode, meu querido Fernando Pessoa, eu creio que nada mais de novo se pode escrever para cantar a nossa época - serão tudo (...) em suma: variações sobre o mesmo tema".

"Entrevistas com António Lobo Antunes (1979-2007)" - Almedina / 20€
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Entrevista conduzida por Batista-Bastos, em 1985:
"ALA: Na última vez que estive fora, na Finlândia, dei por mim a ter enormes saudades de Portugal. O primeiro ameaço desta 'doença' foi na RDA. E eu, cuja família vem do Brasil, descobri-me, de repente, tão lisboeta, que me custa, agora, estar muito tempo fora de Lisboa."
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Entrevista conduzida por Francisco José Viegas, em 1997:
"ALA: (...) Nunca tive muitos amigos, de resto. E amigos íntimos, quem tenho eu? O Ernesto Melo Antunes, o Zé Cardoso Pires, o Daniel Sampaio, não tenho mais... Há, é claro, pessoas que eu estimo, de quem eu sou amigo, mas não com esse lado de intimidade.
...
Entrevista conduzida por Maria Augusta Silva, em 2003:
"ALA: Não sou grande fã do Camilo. (...). E acho admirável a prosa de Eça de Queirós, a maneira como ele consegue substantivar adjectivos. (...) Faz uma coisa muito difícil que é trabalhar o advérbio de modo. E fá-lo maravilhosamente.
Tem esses desplantes, coisa que seriam um erro num principiante. Por exemplo: "Eu possuo preciosamente um amigo", uma frase logo cheia de erros, mas só um grande escritor pode fazer isto".
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Entrevista concedida a Anabela Mota Ribeiro, em 2006:
"ALA: Sabem lá quem é o António Lobo Antunes neste bairro! Não sabem. Não sou locutor de televisão, nada disso. Faço redacções e ninguém nunca me vê nos sítios".

"Os Alfacinhas" - Alfredo de Mesquita,
edição 1910 /
7€

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"Há janelas em Lisboa que são jardins, outras que são quintais, com árvores de fruto e seu pedaço de horta. A nespereira, por exemplo, dá-se excelentemente nas janelas de sacada, bem como a couve galega, criada em caixotes com adubo de gato. O vaso de manjerico, tão cheiroso, e tão igual no viço da folha miudinha, é ornamento modesto das de peitoril. À hora da rega, quem tem a sorte de passar por baixo, salta do passeio para o meio da rua mais fresco que uma alface em manhã de orvalho. As ceroulas, as fraldas, até os lençóis que se lavam em casa e se estendem a enxugar à janela, perfazem-lhe a paisagem peculiar."

Boas leituras; eu hoje não durmo.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

sopa de letras ou açorda de papel?

Com esta chuva magnífica, será que eu hoje vou conseguir passar uma tarde feliz na Feira do Livro?

quarta-feira, 6 de maio de 2009

contratempo


Se houve coisa, que até a uma dada altura eu sempre tive, foi tempo. Tempo para isto, tempo para aquilo, tempo para aqueloutro. Tempo para tudo e tempo para nada. No fundo, tempo.
E planeava porque tinha tempo, esperava porque tinha tempo, adiava porque tinha tempo e até desisti porque tive tempo. Por vezes, algo falhava com o passar do tempo, corria menos bem ou até acabava por não acontecer. Mas não tinha importância nenhuma, pois o que eu mais tinha era tempo.
E com tempo tudo se conseguia, tudo se resolvia, tudo se esquecia, tudo se curava.
Tudo ao sabor do tempo. Até mesmo o tempo.
Ah, isso passará com o tempo!
Mas dei demasiado tempo ao tempo e o tempo, também teve o seu tempo. E o tempo passou.
Hoje, já não tenho tempo de perder tempo, nem tão pouco tenho tempo, para deixar passar tempo.
Faço por ter tempo, por ganhar tempo e não ter tempo perdido. Não dou tempo ao tempo.
Eu e o tempo, já tivemos mais tempo. Mas ainda estamos muito a tempo.
É tudo uma questão de tempo.

terça-feira, 5 de maio de 2009

missão: personagens I


Eu gosto de passear pelos corredores do supermercado, naquelas horas onde praticamente só existem eu, o carrinho, meia dúzia de clientes e os empregados.
Ando por ali nas calmas, vejo cada prateleira com atenção, leio os rótulos de fio a pavio, descubro produtos que nem sabia que existiam e muito menos que me faziam falta e compro-os, lembro-me de verificar prazos de validade, as compras ficam simetricamente arrumadas, tipo puzzle, encho sem culpas e vergonhas o carrinho de M-Joy de Caramelo, sem ser preciso disfarçá-los entre as palettes do leite e ninguém me acusa e diz, apanhada!
Fico meia hora no expositor do Douro, sem que alguém pense que me meto nos copos, não preciso de pedir licença, nem desculpas, ou correr atrás daquelas loucas esgrouviadas do fim-de-semana que andam sempre à pressa, sem nunca saberem onde deixam as compras e dizer-lhes ameaçadora,
olhe esse carrinho é meu!
E ontem foi uma dessas tardes.
Lá andava eu a desfilar pelo pavimento deslizante e enquanto esperava que me cortassem o pão de cereais em fatias, mas bem fininhas, se faz favor, veio-me a ideia à cabeça: aquele era o sítio ideal para eu escolher uma vítima e transformá-la em personagem, nas minhas incursões de pretensão literária!
Ah e ali estava ela, no balcão da peixaria a dois passos de mim.
Cabelo farto, madeixado de ruivo e apanhado no alto da cabeça, com uma enorme mola roxa. Daquelas personagens ricas e lindas de morrer, mesmo ao meu gosto.
A expressão dos olhos atentos e o franzir do sobrolho, enquanto observava atenta a peixeira a amanhar-lhe o pargo mulato, revelavam alguém que sabia da coisa, e não me deixes escamas debaixo da barriga do peixe, que da outra vez o mê Augusto até se engasgou, grita ela para a romena espantada, cuspindo perdigotos de uma boca cor-de-rosa, daquelas mesmo pink-pink.
Eu deliciada com a cena e muito concentrada, a ver se nada me escapava dos seus atributos físicos; mas porque raio não trouxe o meu bloco de notas na carteira?
Ora descansava um pé sobre o outro, ora punha a mão na anca, ora via se tinha alguma chamada no telemóvel, ora riscava a lista e dizia em voz alta, deixa cá ver... deixa cá ver.
Parecia meio hippy, meio abandalhada ou melhor, a vestimenta era uma tentativa de qualquer coisa zen, que nem ela sabia bem o quê. Arrastou a saia indiana colorida até à fruta, acompanhada por um ritmo achinelado de toc-toc, toc-toc e num grande à vontade apalpou laranjas, cheirou morangos, dividiu cachos de bananas, franziu a cara aos melões e ... já? Não devem saber a nada. Melões nesta altura, isso é que era doce! Uma bela porcaria.
E o empregado, coitado, não sei dizer-lhe minha senhora, eu sou do corredor dos alguidares, só estou aqui a substituir um colega que está com febre.
Febre? grita a SÓraia, chamando a atenção de mais três gatos pingados, que andavam de volta da promoção do abacaxi.
SÓraia sim, nesta altura já a minha personagem foi baptizada por mim, com um nome sonante daqueles que vos vou deixando por aqui. E diz-se SÓraia, com acento no 'O'!
Oh filho, tu não me digas que é aquela doença dos porcos, lá da República Dominicana? Ele não sabia, mas achava que não, o colega vivia no Ramalhal e só tinha ainda viajado até Espanha.
Menos mal e lá foi ela, direita aos congelados. E eu também, para não perder pitada. Afinal, eu encontrava-me em missão.
Sem hesitar, abriu uma série de portas da câmara frigorífica e sacou tudo quanto era pizza: a pizza de atum para o Miguelinho; a de bacon para o Jonas; as Picolinas(?) para a Nhocas; a pizza de ananás com cogumelos para o namorado da Nhocas; os crocantes de galinha para o jantar; as patinhas de marisco para a festa da prima e o bacalhau à braz da marca %$&/#"?&, que era uma verdadeira maravilha!
Avançou direita para a caixa vazia, onde a empregada adormecida despertou em sobressalto, tal foi o estrondo que o carrinho da SÓraia fez ao embater no tapete rolante.
E atirando com tudo para cima da caixa, lá ia dizendo em voz alta e muito sorridente, olhando para a bela adormecida esgazeada de sono, ai filha deixa-me lá ir, deixa-me lá ir que daqui até Linda-a-Pastora, é um trânsito do caneco e ainda se me descongelam as caixas.

Um espectáculo, a minha SÓraia!

segunda-feira, 4 de maio de 2009

da pesada


Há uns meses, o meu vizinho adolescente igual a tantos outros, iniciou-se nas aulas de música.
Viola. Clássica. Muito louvável.
Vem praticando no seu quarto, dia após dia. Bastante empenhado, diga-se.
Depois, ofereceram-lhe uma guitarra eléctrica. Muito louvável também.
E logo a seguir um amplificador. Aliás, um potente de um amplificador.
Mas neste feriado, 1 de Maio, não foi Santana que ele descobriu. Com enorme alegria e pujança, o mancebo despertou para o heavy metal.

Quanto a mim sinto, jamais serei a mesma.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

vírus* num blog sério e familiar #4

olivier martinez

Bom fim-de-semana!
(agradeço que não me dêem cabo do botão do play)

* oh rapaz, 'tá 'sogado que me pões tonta