sábado, 24 de novembro de 2012

do que fica


O meu avô dizia que nunca ia morrer porque fazia falta a muita gente. E fez.
Faz.
Continua a olhar por mim, a contar-me histórias antigas antes de jantar, comprar-me bolachas de baunilha e rebuçados santo onofre, a dar-me notas de mil escudos ao domingo, passeios nas vinhas, roubar filhos às figueiras bravas e a ter olhos azuis e cabelo de papel branco.
Os nossos mortos nunca morrem.
Mas deixam estes túmulos dentro de nós.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

diz que...



... o Gabriel Garcia Marques não mais voltará a escrever. Perdeu a memória.
É triste. Muito mesmo.
Sem memória não somos. 

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

you've got the look


Do erro em que descambamos quando classificamos com distinta convicção, o interior de alguém que não conhecemos, nunca vimos senão aquela vez, nem sequer trocamos duas palavras, dissemos olá ou apertámos a mão.
E depois é ver, que no excêntrico dos outros se descobre o excepcional de que carece a nossa banalidade.

terça-feira, 24 de abril de 2012

será que é desta que conheço Almada?

(foto minha)

Eu nem sequer sabia o que era a outra banda. Só a praia da Riviera na Caparica e o Algarve, depois de fazermos muitas estradas para lá chegar, quando ouvi o António pela primeira vez.
Diziam na rádio, que ele era de lá; da outra margem. Eu, uma miúda, queria lá saber de onde ele era.
Ainda hoje, nunca subi ao Cristo rei.
Mas aquela voz; como quem escrevia em voz alta, de quem soletrava com convicção o evangelho para uma multidão de ateus. O arrastado completo das sílabas finais. A respiração pausada entre frases.
Os erres perfeitos.
Aqueles erres...



quarta-feira, 11 de abril de 2012

das leituras


Ontem li a palavra laranjada. Num daqueles livros, com as benditas crónicas deste Senhor.
Fui logo levada para a casa do meus avós, onde ela existia dentro de garrafinhas gordas de vidro baço. No verão bebíamos dezenas. E capilés.
Lanches de papo-secos barrados com manteiga e açúcar, talhadas de marmelada, pesadas cafeteiras de café preto, biscoitos de limão fritos em azeite quente, cavacas e ferraduras de erva doce, colares de pinhões, pevides e figos maduros trepados às árvores.
E avós.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

a ana carolina...


...que é maravilhosa, diz nesta música, que o amor a partiu em tantas pelo chão.
E eu, que só tenho tido tempo para viver e que não pego num lápis para escrever, vai para uma eternidade que me envergonha, embora tenha páginas e páginas - como sempre - registadas nesta minha cabeça, fico a pensar como é que se escrevem frases tão simples e ao mesmo tempo tão difíceis.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

azarujinha-cascais-azarujinha


Nas manhãs durante a semana é muito bom. Mesmo. Somos os do costume. Os que seguem pelo paredão concentrados no ritmo, inspirando aromas de algas e mares. Desfruta-se dos raios de sol que nos secam a pele, escuta-se a música do ipod - cantigas secretas que ninguém imagina que seleccionamos - soletramos baixinho e com o pensamento, escrevem-se frases longas; ininterruptas, sem pontuação.
Fazem-se genuínas promessas de vida e resolvemos ser felizes e sorrir sempre até ao fim dos dias.
É na consciência de curtos instantes de felicidade tola, que tomamos conhecimento que tudo isto é demasiado célere.