terça-feira, 8 de julho de 2008

das vezes que me calo


Sabem aquelas palavras ou frases, que ouvimos um dia e que nos ficam a pairar na cabeça? Fixam-se a nós de alguma forma, mesmo que não saibamos o que pensar delas?

O excelente repórter de guerra, Luís Castro, do blog Cheiro a Pólvora, profundo conhecedor dos meandros de muitas e muitas guerras, do sofrimento dos povos que nelas estão envolvidos, do caos e do medo permanente em que essas pessoas vivem, quando ainda em Março passado estava no meio do fogo do Iraque a fazer reportagem, disse isto, nas dezenas de mensagens que trocou connosco: (…) aprendi uma lição muito importante, aqui no Iraque: a segurança é mais importante do que a democracia ou a liberdade.

Esta não é uma opinião leviana, ou um argumento fantasioso que alguém proferiu sem pensar. São palavras afirmadas por um homem responsável, consciente e com verdadeiro conhecimento de causa daquilo que diz.


Claro que fiquei parada a pensar no que li. Nunca duvidei do que o Luís me disse, não foi isso. Mas também nunca vivi assim, como ele nos relatou todos aqueles intermináveis dias, directamente do Iraque, durante bombardeamentos consecutivos.

Ainda me lembro dele escrever, no meio de uma resposta que estava a enviar em teclado árabe: olhem, acabou de cair uma bomba a escassos metros de onde estamos, na Green Zone!

Praticamente, desde que me lembro de ser gente, que vivo em liberdade e democracia (questionável às vezes, mas isso é outro post) e não me revejo a viver de outra forma, noutro cenário, numa ditadura.


Mas perante situações que não passei, que desconheço, que nem sequer imagino, nem em pesadelos; calo-me.

Neste assunto tão grave e sério ou noutros mais frequentes da nossa sociedade, como passar pela morte de um pai, mãe ou filho, a opção pelo suicídio, o entregar um filho acabado de nascer para adopção, o viver diariamente com uma doença crónica, ter a notícia seca de que nos resta pouco tempo para viver e muitos outros exemplos, fazem-me descer do alto das minhas certezas e penso que só deve falar quem sabe. Mais ninguém.

Não dou bitaites. Abstenho-me. Reduzo-me à minha inexperiência dos factos. À minha insignificância. À minha ignorância. Nem tento argumentar.

E consciencializo-me da enorme sorte que tenho.


Todos os dias.

26 comentários:

LeniB disse...

Já somos duas.
Reclamamos de tudo e de mais alguma coisa. Esquecemos, com demasiada facilidade, às vezes, outras realidades, porque nos assustam, porque as desconhecemos.
Só mesmo quem vivencia um cenário de guerra, como o Luís, é capaz de ter o discernimento de dizer que sobreviver é o mais importante.

Alecrim disse...

Podes crer. A imensa sorte que temos.

Coragem disse...

E é perante estes acontecimentos que me sinto um ser muito pequeno.
Ainda ontem via uma reportagem no Brasil, de um qq canal da Cabovisão, onde crianças trabalhavam como adultos, falavam como adultos, da fome e das necessidades. Da violência que existe o tiroteio nas ruas, disse apenas a sorte que tenho, a sorte que apesar de tudo ainda é viver por estes lados.
Só mesmo passando por tudo isto podemos valorizar de outra forma, supor é muto pouco.

Beijo patti, uma vez mais fiquei sensibilizada com a verdade soberana com que escreves.
(lição, deixemo-nos de meras mesquinhices)

f@ disse...

Olá Patti..Penso sempre quando estou em dias menos bons, que sou um bocado ingrata a lastimar-me... penso e olho no mundo à nossa volta, na guerra, fome e doença... nas crianças a quem ainda falta viver tanto...e acabo por agradecer a minha sorte...
bastava uns minutos por dia de reflexão e boa vontade para a humanidade "renascer"
beijinhos das nuvens

De dentro pra fora disse...

É verdade, nós com toda a segurança que nos vai sendo possivel viver, por vezes "esquecemos" o horror com que muitos seres humanos vivem no dia-dia,só mesmo quando ouvimos um testemunho mais de perto sobre esses horrores damos conta da nossa "pequenez" perante tanto sofrimento...

Anónimo disse...

Das tantas vezes que nós nos calamos, até o dia em que esse General Guerra invade a nossa porta, mesmo nessa democracia e leberdade(?) que vivemos...das vezes que nos calamos, mas é necessário calar?Se é necessário não sei, mas um grito entala na garganta ou ver essa imagem e saber que mesmo assim, não lhes falta o sorriso, mas quem é o inimigo??? Talvez nem eles saibam mais.
Escreves com clareza, muito bem.
Beijos

Gi disse...

Sem dúvida;
Já passei, pelo menos, por 2 situações que aqui descreves e nunca é fácil sentir-se o travo amargo da perda, para não me alongar mais.

Pitucha disse...

Belo post Patti. Parabéns.
Beijos

mariam [Maria Martins] disse...

excelente "post"
tenho consciência que realmente perante um cenário de guerra e na observação de verdadeiros casos dramáticos à minha volta... também me sinto muito "pequena" e impotente!

vc é genuína...

boa semana
um sorriso :)

mjf disse...

Olá!
Eu acompanhei de muito perto ( emocionalmente ) o ataque ao Iraque, o meu marido estava lá na Embaixada, e por vezes estava ao telefone com ele e ouvia o barulho ao longe,,,mais uma que caiu aqui perto, dizia ele ;=( Imaginas como eu passei essa fase!!!!
Queria é que ele regressasse e ficasse junto de nós...

Beijocas
ps- só quem passou por situações degrande stress pode avaliar ...

Maísa disse...

Concordo com absolutamente tudo o que aqui escreveste.
De facto, e muitas vezes sem pensar temos uma certa mania de dar palpites ou bitaites sobre o que não vivemos, não sentimos e mesmo , não sofremos na pele.
E só quem eventualmente passa por as mais diferentes situações, terá conhecimento de causa, para poder falar.
Até lá, tal como tu, esperando que assim continue por muito tempo, remeto-me à minha ignorância.
Beijinho.

Ka disse...

Patti,

Assino por baixo o que escreves.

Não consigo sequer imaginar como é que uma pessoa que esteja numa zona de guerra consegue depois voltar á nossa normalidade...deve ser um completo non-sense!

E por sorte nossa, de vez em quando temos estas chamadas de atenção que nos reduzem á nossa insignificancia e nos fazem ver a sorte que temos!

Obrigada pela partilha! E a música de fundo está excelente

Um óptimo dia para ti :)
Beijos

Rocket disse...

quando morreu o féer no meio do estádio, há anos atrás, fiquei estupefacto coma reacção da sociedade... numa guerra civil transformavam-se todos em assassinos, em semanas... não é difícil. dantes, para matar existia contacto físico... agora basta apontar e carregar num gatilho...

vivemos uma realidade muito mansa...

dou graças por ela, todos os dias... até pela saúde que vou tendo...

1/4 de Fada disse...

Hoje o assunto é sério, Patti. Para mim, sério a sério, mais do que qualquer guerra, quaisquer políticos, qualquer outro assunto. Tocou, com a sua habitual frontalidade, em pontos muito importantes - a notícia seca de que se tem pouco tempo para viver, a opção pelo suicídio, viver diariamente com uma doença crónica... São assuntos que eu trato por tu, por minha causa ou por relações das mais próximas que se pode ter... Aprende-se a viver de uma outra maneira e o verdadeiro significado da ambivalência...
E tratou um assunto tão sério de uma maneira absolutamente tocante. Obrigada.

Anónimo disse...

eu também. Dou graças todos os dias...

Nina disse...

Também me calo Patti e te dou a mão, como gostaria de poder dar a tantos que precisam.
E todo dia poder agradecer o quanto tenho, e me envergonho pelo quanto de tão pouco valor dou ao muito que tenho.
Qd a segurança é mais importante que a democracia, é porque a situação é mesmo de extrema delicadeza, e essa é uma realidade no meu país, infelizmente.
temos tanto e temos ao mesmo tempo, tão pouco...

paulofski disse...

Por mais que tente entender a mente humana, não encontro uma explicação razoável para o ódio, a violência e a guerra. Os seres vítimas involuntárias do sofrimento, envolvidos no desprezo e nas hipocrisias governamentais, escudos humanos do terror são heróis, sobreviventes da mesquinhez humana, da ganância de poder em que bastam umas gotas de petróleo, ou mesmo uns cartoons quaisquer, que os cega e lhes petrifica o cérebro.

FM disse...

Somos uns sortudos, sem dúvida.
Beijos com Essências.

Rita disse...

Eu acho que em realidades diferentes as nossas necessidades também são diferentes. Acredito piamente que num cenário de guerra o mais importante seja mesmo a segurança, a nossa, a da nossa família e a dos nossos amigos. Tal como a única coisa que importa na Etiópia seja o comer e nada mais nem liberdade nem democracia. É a sobrevivência que está em causa e tudo o resto é secundário...
Jokas

Pitanga Doce disse...

E nem calculas de que tamanho é essa sorte. Do que achas que mais sinto falta vivendo aqui? Da liberdade que, ainda se tem, de "ir e vir" em Portugal.
Acredito que ainda não passou aí nas noticias pois é recente, mas passará. Um jovem senhora que ia, no domingo às sete e meia da noite, no seu carro com seus dois filhos foi alvo de vários tiros dados pela polícia, que diz "ter-se enganado em perseguição a bandidos". O menino mais velho, de tres anos ( o outro tem nove meses) está internado e teve morte cerebral, pois levou um tiro na cabeça.
O que dizer de uma polícia totalmente despreparada que executa a família de quem deveria proteger????
Foi para isso que tivemos a famosa democracia? Ninguém respeita ninguém, ninguém teme a nada...ninguém vive em paz!

Essa é uma das vezes em "não me calo" porque vivo em constante guerra não declarada.

beijos tristes Patti

Olá!! disse...

Tocante este teu post.
Muitas vezes só quando vivemos ou assistimos a situações tráumaticas é que damos valor à vida e ao que temos.
Tomemos consciência delas no nosso dia a dia e com toda a certeza, vamos reclamar menos, viver mais, inclinarmo-nos mais sobre os problemas alheios e acima de tudo dar graças por aqui estarmos.
Beijossss

Anónimo disse...

patti,

tens cá uma maneira de tocar um "leão",bem dita blogosfera que nos permite ler textos destes.
beijos
pedro oliveira
vilaforte

BlueVelvet disse...

Ora aqui está um post inteligente e com conclusões inteligentes e humildes.
É sempre bom não se falar do que não se conhece, do que não se sofreu na pele, do que não compreende.
Respeitar o sofrimento alheio é com toda a certeza sinónimo de boa formação de carácter.
Até porque, quando se cospe muito para o ar, às vezes cai-nos em cima.
Agradecer por não ter um familiar que se tenta suicidar, um filho que não se perdeu na guerra,ter que escolher entre uma morte certa ou a mutilação de um peito, é um dever.
Que assim seja.

Anónimo disse...

Patti,
é por isso que fico espantado pela forma ligeira como algumas pessoas falam ou escrevem de realidades que desconhecem.
Só estando lá, vivendo os dramas, ouvindo, percebendo porque lutam, porque aspiram, porque reivindicam...
Acredite, Patti, estas realidades fazem-nos crescer e amadurecem-nos; dão-nos outra visão da realidade, e, quando voltamos, percebemos que nós não temos problemas, os outros é que têm problemas!
Eu nunca me esqueço que quem lá ficou.
bjs
Luís Castro

liamaral disse...

Disso não há duvida nenhuma! Não sou mais que ninguém mas realmente já tinha pensado nisso! Eu arrisco a trocar as frases de uma conhecido Slogan: "Todos Iguais, Todos Diferentes"!

:) Beijos

Su. disse...

Pois... e num instante, esquecemo-nos disso tudo e estamos de novo raladas com uma insignificancia, e o pior é q qd sabemos q aquilo é uma insignificancia, n merece metade da nossa ralação, e continuamos ali a ruminar,... enfim, acho q nos está no ADN... acho sinceramente que há coisas que controlamos apenas com a idade, com a serenidade da experiencia, ou sei lá, ficamos mais lentas e pronto... eu disse isto tudo depois da morte da minha mãe, depois vivi tudo de novo com a morte do meu pai, pensei bolas perdemos mesmo mto tempo com idiotisses, e depois, bem, depois esquecemo-nos e voltamos a cometer o mesmo erro... é o ciclo vicioso do humano ser estranho!


Beijo