Olá Sr. João, bom dia, cumprimento-o eu todas as manhãs.
Bom dia menina, ora viva! Trata-me assim, há mais de trinta anos; menina.
Sempre foi velho, mesmo quando não o era.
Senta-se corcunda naquela eterna cadeira de taberna, que ruge guinchos estridentes no chão de pedra mal lavado e encaracola-se sobre a secretária antiga de carvalho gasto, dividida no tampo por uma racha profunda, já negra do tempo.
Diz-me que é a única peça de época; D. José, orgulha-se ele.
Lê fazendo caretas, de óculos empoleirados na ponta do nariz, a secção de obituário do jornal diário.
As velharias, a sucata e os cacos partidos que expõe na loja, são os mesmos de sempre, dispostos sem jeito ou método; amontoados uns sobre os outros, sem qualquer cuidado. Carregados de pó antigo.
Sabe menina, quando eu coloco a quinquilharia toda ao molho, é para espevitar a curiosidade da clientela. Pensam imediatamente que sou um velho tonto e que devo ter para aqui, debaixo deste lixo todo, alguma relíquia perdida sem saber.
E olhe, que acabam sempre por levar qualquer porcariazita, na ilusão que fizeram uma grande compra.
E eu, nem a boca abro.
O pó, soube também eu nessa manhã, faz parte da sua estratégia de marketing de vendas.
Bom dia menina, ora viva! Trata-me assim, há mais de trinta anos; menina.
Sempre foi velho, mesmo quando não o era.
Senta-se corcunda naquela eterna cadeira de taberna, que ruge guinchos estridentes no chão de pedra mal lavado e encaracola-se sobre a secretária antiga de carvalho gasto, dividida no tampo por uma racha profunda, já negra do tempo.
Diz-me que é a única peça de época; D. José, orgulha-se ele.
Lê fazendo caretas, de óculos empoleirados na ponta do nariz, a secção de obituário do jornal diário.
As velharias, a sucata e os cacos partidos que expõe na loja, são os mesmos de sempre, dispostos sem jeito ou método; amontoados uns sobre os outros, sem qualquer cuidado. Carregados de pó antigo.
Sabe menina, quando eu coloco a quinquilharia toda ao molho, é para espevitar a curiosidade da clientela. Pensam imediatamente que sou um velho tonto e que devo ter para aqui, debaixo deste lixo todo, alguma relíquia perdida sem saber.
E olhe, que acabam sempre por levar qualquer porcariazita, na ilusão que fizeram uma grande compra.
E eu, nem a boca abro.
O pó, soube também eu nessa manhã, faz parte da sua estratégia de marketing de vendas.
25 comentários:
como são belos esses recantos cheios de pó e memórias... sou capaz de me perder neles, como uma criança com os olhos a brilhar.
são verdadeiras pérolas daquilo que é mais autêntico, não é?
Chama-lhe tolo...
Gosto do comércio tradicional que só se encontra nas pequenas cidades. Aí nas Beiras há uma loja de fazendas, onde o dono o SR. Beirão (nome sugestivo, mas verdadeiro)deve contar próximo dos noventa anos e todas as manhãs abre a sua loja. E nos salva com "bom dia minha senhora", mesmo sem nos conhecer bem. E eu me sinto tão importante!
beijos Patti (biscoitinho)
também eu fico fascinada quando vejo esse tipo de coisas amontadas. Comprar qualquer coisa já é outra questão. Só se for um livro que me desperte a atenção
Ideias bem desempoeiradas, estas, do Sr. João.
"estratégia de marketing" .. ora aí está algo que o Sr. João aprendeu melhor que os profissionais que nos pautam a existência .. (risos) .. esperto ele hein? ;)
Muito giro este teu texto! Fez-me lembrar uma conversa tida na altura do natal em que eu defendia precisamente que nas lojas de velharias (não cá do burgo mas na Bretanha onde as há em cada esquina)em que a suposta confusão é apenas uma forma de marketing e a minha irmã dizia que não, que era mesmo desorganização e desleixo dos donos :)
beijos
Olá!
Homenzinho com muita experiência de vida ;=)
lol
Beijocas
O Sr. João é vivaço, mas aquele móvel da foto bem que me "levava" na conversa dele:))
Um verdadeiro relicário este teu texto e a imagem que fica do Sr. João, da sua loja preservada pelo tempo e pelo pó, do comércio tradicional que teima e firmemente perdura contra os mamarrachos do hiper-consumo.
Este texto fez-me lembrar o orgulho que um familiar meu tinha na colecção de garrafas de vinho do Porto, que exibia numa prateleira especial e na qual estava terminantemente proibido passar o pano do pó. Quanto mais poeira e teias de aranha, mais bela ficava a colecção.
As preciosidades, tal como o Sr. João, devem sempre ser resguardadas.
Esperto, o teu sr. João! Infelizmente já não há muitos como ele.
:)
Sabes, no outro dia fui levada pela mão de uma amiga que cá esta á pouco tempo, á baixa da cidade (por falta de segurança deixamos de lá ir...), ela por curiosidade meteu-se nas ruelas, e lá encontrou um cantinho desses, uma verdadeira relíquia perdida, onde o café é tirado de umas gavetas antigas, por uma pá ainda mais antiga, o pó, o cheiro, a cor, as paredes, ficou-me tudo pregado na pele, ainda metemos conversa com a senhora que estava ao balcão, portuguesa, viúva, não quis ir embora depois da independência, por cá ficou por cá vai morrer, cheia de gloria e de historias... adorei o momento e fizeste-me lembrar esse dia. Beijo do outro lado do planeta!
Ora aí está um que não precisou de recorrer ao OBERCOM, nem a outro plano de apoio do governo para inovar. Pelo menos, em técnicas de marketing...
Isso chama-se: SABEDORIA.
Não sei se o móvel estará à venda mas estou com a Justine.
Quanto ao marketing do pó está muito bem pensado...
E se eu deixasse de limpar o pó ou soprar nele, dia sim, dia não, será que conseguiria vender parte da tralha que me atafulha a casa? :-))
Abraço
Fez-me lembrar o quanto gosto de entrar em lojas de antiquários Patti; mesmo não comprando nada...
É mesmo o pó da vida o que importa....
Beijinhos das nuvens
O meu espirito de ferro-velho delicia-se nesses sitios.
Tantas vezes saio de lá com qq coisa... só pelo prazer de a ter, de a tocar. Mas sem préstimo utilitário algum... Who cares?!
As grandes mentes pensam de forma diferente!rs! Isso é que é uma boa estratégia de marketing!!!rsrs!!
Patti, mil desculpas pela minha ausencia, tenho estado bem atarefada nesses ultimos dias.
Tem um selinho pra ti la no blog!!
Bjãoo
Eu adoro o comércio tradicional mas infelizmente, mesmo em terras pequenas como Viana ele está a acabar devido às grandes superfícies. Os laços de amizade, de complicidade, de desabafos, de confiança que se criam não são possíveis de encontrar no comércio de massas e para as massas. Eu procuro sempre que me é possível comprar no comércio tradicional
Esses é que são os bons comércios! e ainda por cima ser chamada de menina, ahhh delícia.
Patti que foto linda vc escolheu.. dá uma sensacao gostosa olhar pra ela, cara de coisas antigas, de saudade, de memórias..de vovós enfim.
Como tu, adoro feiras, velharias e quinquilharias e este senhor sabe da arte.
Adoro este tipo de lojas.
Já há poucas, por cá.
Mas o móvel da imagem com ou sem pó fez os meus encantos.
O segredo, é a alma do negócio!
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