terça-feira, 18 de março de 2008

em 1973 é (ra) assim . . . (antecipação do dia do pai)


Quando vou para a escolinha, a pé, sempre de mão dada com o meu paizinho, como ele diz, passamos por mil aventuras.

De pastinha às costas e cesto de verga nas mãos, com o almoço, ainda quente, lá vamos nós, bem cedo, pela Luciano Cordeiro, até ao Paço da Rainha, a cantar “o Chico larico da perna assada, comeu um burrico na semana passada”, “o meu chapéu tem três bicos” ou a Portuguesa. Temos de cantá-la todas as manhãs antes de começar a aula.

No cimo da rua, encontramos o Zég Lareg, um menino que se cruza todos os dias no nosso caminho e que deve andar numa escola perto da minha. Zég Lareg? Onde foi ele inventar este nome?

“Olha, lá vem o Zég Lareg, vamos dizer bom dia” – diz o meu pai e cumprimenta-o muito baixinho.

Aperto-lhe a mão com força, “Oh pai, não, que vergonha, eu não conheço o miúdo e ele não se chama assim, de certeza!” – e ele farta-se de rir, com o meu acanhamento.

“Bom dia, Zég Lareg, então já vais atrasado!” O miúdo nem ouve e nem se apercebe de nada, mas eu acho sempre que ele repara e coro no meio de gargalhadas nervosas.


Mais à frente, damos de caras com um colega de escola, de quem nem conheço os pais e nem sei sequer o nome dele, porque anda na 4ª classe; é dos “crescidos”.

“Olá D. Amélia, Sr. Américo! Como vão os senhores? E o Chiquinho, tem boas notas?”

“Pai, que horror, não, não! Olha que eles percebem! Esses nem devem ser os nomes deles!” - digo eu sempre assustada e ao mesmo tempo excitada com as nossas brincadeiras secretas, que afinal, ninguém se apercebe. Só nós.

Eu desconfio mesmo que o maior gozo do meu pai é ver-me aflita por um lado e a rir-me por outro, cheia de receio que as pessoas, com quem ele se “mete”, o ouçam!


Quando às vezes, nos atrasamos, apanhamos o autocarro. Aquele, verde de dois andares, que tem o revisor com uma mala de cabedal à tiracolo com um fecho que faz click e bilhetes coloridos entrelaçados nos dedos, mais o aparelhinho de metal, donde vem um tic-tic, sempre que os fura.

O que eu gosto de ver o chão do autocarro, cheio de bolinhas de papel de todas a cores!

E, lá vem a história, do menino Luízinho, que era pequenino, pequenino como um relógio e . . . “entrou uma senhora muito gorda, que não vê o Luízinho e senta-se em cima dele. Coitadinho, fica esborrachado debaixo do rabo da senhora, mas ele tira um alfinete do bolso e espeta-lho com toda a força! Aiiii, o que é isto, o que é isto”, diz ela aos gritos. E é então que vê o Luízinho pequenino, pequenino, todo zangado a olhar para ela. Farto-me de rir a imaginar a cena.

E não é, que entra sempre uma mulher gorda, “Olha vês, foi aquela, foi aquela!”. E eu a acreditar na coincidência.

Mas nunca vejo o Luízinho, porque é pequenino, pequenino, torna o meu pai a dizer.


Quando atravessamos o jardim dos Campos Mártires da Pátria, mesmo em frente à Faculdade de Medicina, é a vez da Bruxa Capucha, a minha história/personagem preferida.

“Vês, ali é a árvore onde ela mora. Dentro daquele buraco grande, no tronco!”

E começa a contar, mil aventuras, em que a Bruxa Capucha me assusta, me ataca, me puxa os cabelos, me grita, me rouba o almoço do cesto, me rapta e me esconde, mas sou sempre salva no final pelo nosso fiel cão preto, o Smog. O Móg, como ele lhe chama.

“Mas quem estava à espreita, com um olho aberto e outro fechado, era o…….. MÓOOG!

Atirou-se à cara dela com as garras afiadas e ela ficou com a cara toda borrrraaada de saaaangue e salvou a menina!” A menina sou eu, penso feliz da vida.

E dou saltinhos de contente, rindo-me que nem uma perdida, que nem a cara toda borrada de sangue da Bruxa Capucha me intimida.


Consigo mesmo imaginá-la a fugir do Smog, o meu enorme e lindo rafeiro preto, o meu cão herói, que já foi para o céu e que me socorre sempre nestas incríveis histórias, cheias de imaginação, contadas anos e anos, repetidas vezes sem conta, como se fosse a primeira, naquele tempo em que ele me levava todos, todos, todos os dias à escolinha.

Sempre de mão dada com o meu paizinho, como ele dizia.

7 comentários:

Anónimo disse...

Que texto mais bonito...apetece mesmo continuar a ler, a ler, a ler sem chegar ao final...

Anónimo disse...

Esta história podia perfeitamente ter sido escrita para um livro da Anita. Tem Magia.

PaulaVH disse...

Este texto é simplesmente comovente ...
O teu blog já faz parte da minha rotina diária. Parabéns!

Bjs

LeniB disse...

Como é bom recordarmos as histórias da nossa infância... Nostalgia? Não creio. Apenas uma parte do nosso passado que está bem vivo dentro de nós.
Quero mais histórias...

Gi disse...

Que ssaudades que tenho do meu pai!

Anónimo disse...

Também ouvi muitas vezes estas historias do avô...e também tive muitos amigos luizinhos e muitos "senhores américos"...:)

Anónimo disse...

tambem quando iamos para a escola,o meu pai cantava e dançava, o malhão,malhão e o vira. Que vergonha!lembras-te mana?