Já houve alturas em que fui acordada às três da manhã, com choros desesperantes e palavras convulsivas. E fiquei a ouvir durante horas, angústias, medos, solidões . . . e depois, a bela da insónia, ouviu-me a mim.
Houve tempos, em que as teclas do telefone ficaram gastas de tanto marcar sempre o mesmo número. A TMN bloqueou-me o pin, devido às imensas chamadas que fiz, com o argumento de que, oh minha senhora, assim não vale, olhe que o monopólio é um jogo didáctico para as crianças, e não, o controle 24 horas do seu telefone! Que gastava os chips, disseram eles!?
Numa altura, larguei a manicura de pincel em riste, a escorrer de verniz encarnado sangue de boi, para sair num pulo em direcção à secção de perdidos e achados da judiciária, para lhe ajudar a encontrar a coragem e o ânimo que tinha perdido, já nem sabia onde, juntamente com o amor-próprio que tinha ficado esquecido em 25 anos da balda da vida. Sei de segredos espessos, cerrados, densos e escuros, que até já me bateu um padre à porta, para que eu os segredasse de joelhos, durante o sacramento da confissão.
Especializei-me em ser advogada de defesa de causas tristes e naufragadas, em advogada de acusação numa câmara de horrores, em juíza facciosa e sem lei, exercendo em tribunais imaginários e obsoletos, em enfermeira de pensos rápidos para arranhões súbitos no espírito e fui convidada para ser membro de mérito do Green Peace, quando lhes levei relatos verídicos de poluições sonoras de ofensas à alma, derrocadas de nervos em franja e derrames de emoções reprimidas.
Mas sou assim, tenho cara de ombro largo, que tão depressa estica, como se encolhe, quando recebe em troca um . . . “olá, tudo bem? há tanto tempo, ah, hoje não me dá muito jeito, tenho de limar uma unha e caiu-me uma pestana para o olho.”
Acordo. Ergo barreiras.
Sofro uma transformação repentina e viro cliché: pão pão, queijo queijo; pontos nos i's; preto no branco; cá se fazem, cá se pagam; colhe-se aquilo que se planta. Ponho o dvd, do Cinema Paradiso na memória, que me relembra rapidamente que vão sempre existir coisas que nunca vou mudar.
Não gosto de ingratos.
5 comentários:
Pois tu és assim. Pertences aquelas pessoas que vestem a capa de super mulher e saiem em defesa dos "fracos e oprimidos" (onde é que eu já ouvi isto?).
Mas também gostas de receber. Quem não gosta? Isso chama-se Amizade.
se serve de consolo(acho que não)...por estes lados também os há...os ingratos...acho que um pouco por todo lado...infelizmente...
Pois. Por vezes educação confunde se com preocupação e a carência é muita e o desejo de se ter uma almofada para todo o serviço é grande. a almofada gasta-se. Precisa também de descanso e de ser ouvida. Mas eles sabem lá que a almofada precisa de algo...não é?
Beijinho
Ego, ou fazem-se de desentendidos . . .
"Viver todos os dias cansa".
Lê este livro.
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