Um dia, deixou para trás o estaleiro da sua existência, em contínuas e intermináveis obras, e descobriu uma voz conhecida que lhe segredava truques já esquecidos e aparentemente sem importância, para conseguir sobreviver em situações de caos, terramotos físicos e turbilhões espirituais.
Como o seu, em que tudo espantosamente desfaleceu sob um solo oco e sem fermento, dissimulado por fortificações de aço e diamantes. Seguras por alicerces fantasmas, que com um empurrão no local certo, abateram e levando tudo atrás, apenas deixaram um pó branco voador, que se entranhou na pele e a impediu de respirar.
Dizia-lhe a voz de um eu há muito esquecido, que a cura de algumas feridas passava por fazer um novo corte de cabelo, esconder os brancos da raiz e descer o tom das madeixas.
Alterações frívolas, onde se levam tesouradas radicais nos amargos de boca, em que se pincelam os fios cinzentos dos desgostos, com tons quentes de caju e louros de Verão, deixando cair no chão, com o estrondo necessário ao despertar da alma, fios de cabelo antigo, triste e sujo da poeira da vida.
E olhar de uma vez por todas para um espelho com reflexos de verdade.
Segue-se, continuou a voz, o assumir dos desenhos finos que nos cortam a pele, idênticos aos vincos da roupa, o abrir em definitivo dos olhos, com um rímel forte à prova de lágrimas e segurar entre os dedos, para nunca mais deixar cair, todos os abraços, beijos e palavras cheias que vierem por aí. E acreditar que serão imensos.
Acalentar-se num vestido justo, difícil como a vida, conseguir puxar até ao fim o fecho comprido das dificuldades e aceitar com um sorriso forte, as curvas sinuosas que surgem nas esquinas do seu corpo.
Depois é fácil, basta calçar meias finas e por vezes hesitantes como os passos que der, enfiar-se em saltos altos, com vários centímetros de décadas duras, mas férteis.
Palmilhar a rua numa postura vertical, espezinhando com sabedoria feminina os obstáculos da calçada até à última pedra incerta.
Afinal, é assim que ainda hoje se é mulher.
Como o seu, em que tudo espantosamente desfaleceu sob um solo oco e sem fermento, dissimulado por fortificações de aço e diamantes. Seguras por alicerces fantasmas, que com um empurrão no local certo, abateram e levando tudo atrás, apenas deixaram um pó branco voador, que se entranhou na pele e a impediu de respirar.
Dizia-lhe a voz de um eu há muito esquecido, que a cura de algumas feridas passava por fazer um novo corte de cabelo, esconder os brancos da raiz e descer o tom das madeixas.
Alterações frívolas, onde se levam tesouradas radicais nos amargos de boca, em que se pincelam os fios cinzentos dos desgostos, com tons quentes de caju e louros de Verão, deixando cair no chão, com o estrondo necessário ao despertar da alma, fios de cabelo antigo, triste e sujo da poeira da vida.
E olhar de uma vez por todas para um espelho com reflexos de verdade.
Segue-se, continuou a voz, o assumir dos desenhos finos que nos cortam a pele, idênticos aos vincos da roupa, o abrir em definitivo dos olhos, com um rímel forte à prova de lágrimas e segurar entre os dedos, para nunca mais deixar cair, todos os abraços, beijos e palavras cheias que vierem por aí. E acreditar que serão imensos.
Acalentar-se num vestido justo, difícil como a vida, conseguir puxar até ao fim o fecho comprido das dificuldades e aceitar com um sorriso forte, as curvas sinuosas que surgem nas esquinas do seu corpo.
Depois é fácil, basta calçar meias finas e por vezes hesitantes como os passos que der, enfiar-se em saltos altos, com vários centímetros de décadas duras, mas férteis.
Palmilhar a rua numa postura vertical, espezinhando com sabedoria feminina os obstáculos da calçada até à última pedra incerta.
Afinal, é assim que ainda hoje se é mulher.
23 comentários:
Patti,
Gosto de te ler assim!!!
Penso que ainda não te tinha lido assim tão forte, gostei, muito bom mesmo.
Senti aqui a postura firme das palavras.
Jito,
Sony
Excelente, Patti! É quase sempre do que precisamos, de um pouco mais de confiança em nós próprias nos momentos críticos… Como diz o velho Oscar, «to love oneself is the beginning of a life-long romance». :-)
Muito bem escrito. Palavras fortes! Obrigada por as partilhares com os outros. Parabéns.
Maria
A postura e MULHER é mesmo essa;
Uma mudança de visual, um passeio de olhos por montras, um olhar com olhos de ver numa paisagem, tudo nos serve para enviar tudo o que nos faz mal para trás das costas.
Quanto ao chorar só no fim, essa é a parte pior: há quem nunca chegue a chorar, há pessoas como eu, que chora por coisas sem importância e não chora por outras, aparentemente, com mais importância, para as quais já me empederni.
Uma beleza esse texto Patti, de uma firmeza, como disse sony, impressionante.
ser mulher nem sempre á tarefa mt fácil mesmo...
Firme e segura!
boa semana
Para quem tem febre e dores de gaganta recomendo chá de Salgueiro, funcionou comigo este fds.
boa semana
hum... não sou muito assim...
... e depois da "última pedra incerta", chegar ao papel e deixar palavras de vida em frases de certeza.
Deve ter sido das melhores coisas que li, suas.
Curto, incisivo e pleno de imagens.
A cada vez que se relê, surgem novos pormenores, redescobre-se o significado de cada palavra, soltam-se novos tons da harmonia conseguida, como se, numa pauta, fossemos juntando novos instrumentos ao arranjo.
Parabéns.
Beijinhos
Forma subtil, mas firme de apontar o grande problema da sociedade moderna, onde as pessoas se escondem atrás de máscarass, porque não ousam enfrentar a realidade.
Dantes, em termos estéticos, era exclusivo das mulheres, mas hoje em dia a "máscara" ( do físico, não apenas a da "peresona") também já tem seguidores no exército masculino.
"Só se chora no fim"...e a sós.
beijos, Patti
E aquelas que já nem no fim choram, Patti? Ou como disse a Gi, choram por disparates mas ficam impávidas perante as coisas importantes? E nem quando ficam sozinhas choram?
«só se chora no fim»
por vezes nem no fim
beijinhos
Belo texto.
Ser mulher é isto e muito mais. A nossa sensibilidade, a capacidade de nos desdobrarmos e de reiventarmos é especial...
Beijos.
Querida Patti,
belíssimo desvelar do que há de grandeza nos gestos triviais femininos de cada tocar do barco para a frente. Mesmo nas mais Expansivas vi sempre nas Mulheres que conheci uma capacidade de resistir ao sofrimento muito superior à dos homens, talvez porque partam de um enraizamento da dor maior, o que concerne à procura tocar com profundidade superior às circunstâncias, enquanto no género masculino o mais insuportável vá sendo a desconformidade do que esperavam para eles próprios.
Deixo uma pequeta citação de Barrès, em, como se escrevia outrora, singela homenagem:
"A pequena linha do sorriso das Mulheres perturba o pensamento dos sábios e, para nós, a subtileza das nuvens, até"
Beijinho
Muito bom este teu texto....muito bom mesmo!
E mais não digo....(e tu sabes pporquê)
Beijosss
Não comento ....Parabens
A vida é assim mesmo: um palco onde desfilam várias personagens, todas encarnadas por um só ser, no meio de muitos "seres", evitando que os outros conheçam o nosso verdadeiro "ser"...
(gostei mesmo muito das "tuas" metáforas!!)
Mulher, é isto mesmo!
Chorar só no fim, mas felizmente há-as que escrevem tudo isso muito bem!
:)
Patti, os meus sinceros parabéns, por ter pensado e desenhado tão bem esta Ode à Mulher.
Vizinhança:
Este texto foi como alguns disseram e bem, um tributo à mulher e à sua forma de encarar a vida, de todas as vezes que lhe é pedido.
Obrigada pelas palavras.
Licença Patti. Simplesmente lindo, intenso, puro.
Beijo
Texto diferene daqueles que tem escrito, mas na minha modesta opinião muito forte e intenso.
Continue neste estilo, vale a pena
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