quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

recado sem destinatário


Por dentro eu ardia de frio. Pudera, escolhi o dia mais gelado de todos para reiniciar o meu correr e distraída meti-me pelo Caminho da Pólvora do Príncipe, coisa que não queria, pois aquela hora, só lá há uma sombra indiferente e glacial que me mata.

Não volto para trás, apresso o passo para aquecer, subo o volume do iPod e só então me dou conta da história que já nascia na minha cabeça: e se eu o visse ali e agora, parado ao fundo; o príncipe?
Mesmo com 4ºC a temperar a minha manhã, de pulmões queimados pelo vento gelado, que me entrava em golfadas pela garganta abaixo e a deitar fumo do nariz como os dragões, mas numa versão mais bonita, mesmo assim resisto sempre a príncipes. Ainda para mais, aqueles com um Caminho de Pólvora só deles, que se iludem depressa com explosões a dois.
Partilham quase todos de ideias estranhas, em que as princesas de verdade são ajuizadas, ponderadas, sem pretensões de se expôr, nem sequer com um olhar e que não choram nunca, preferindo descarregar intimidades debaixo de um salgueiro-chorão, a preencher telas brancas de flores e passarinhos. Princesas que escondem o que são. Oh meu príncipe, olha para mim, eu também sou assim, mas do avesso e ainda por cima, nada me faz chorar mais rápido do que uma música.
Querido príncipe, prefiro muito mais arrebatamentos ininterruptos do que detonações velozes e nem um pedaço do salitre que compõe a tua negra pólvora, derretia o meu gelo quando olho para ti. Nem uma brasa do teu carvão, por única que fosse me aqueceria o espírito e nem o enxofre amarelo e desmaiado da tua pólvora seca, me vulcanizava a corrida.
A minha cor é outra e o meu impulso também. Prefiro plebeus que realizam sonhos, a notáveis que abraçam sinas sem dúvidas.
Sempre embirrei com príncipes; demasiado perfeitos, demasiado novos, demasiado bonitos, demasiado tudo, demasiado nada.
Só gostei de um; aquele príncipe macedónio que montava Bucéfalo a pêlo, conquistou o mundo, a mim e o amor de Heféstion e que nunca precisou de conhecer a pólvora seca para despedaçar com nada.

22 comentários:

BlueVelvet disse...

Ai vizinha, os caminhos por onde te foste meter.
Estava-se mesmo a ver que não ias gostar de um Príncipe qualquer. Tinha que ser um especial e muito.
Logo Alexandre. O Magno. O maior. Ele que foi dono de um Império e se perdia nos braços de um homem.
Não tenho nada contra, mas desconfio que ele não se ia encantar contigo, nem do avesso. E perfeito, perfeito não era.
Mas que importa, não é? Afinal até encantou o cavalo, era muitíssimo culto e foi o mote para mais um texto cheio de imaginação e lindíssimo.
Mal por mal, apesar de tudo, eu prefiro um dos de hoje:)
Bjs

ematejoca disse...

Mulher diferente e optimista aceita o BLOG DE OURO do ematejoca azul? Tem também de aceitar as regras.

Anónimo disse...

Vocês hoje, para não variar, estão muito inspiradas. O que o frio faz!

Su. disse...

Ok, entendi.

Beijo.

Su. disse...

Ups, esqueci-me de te dizer que o texto está um must! :)

fugidia disse...

:-)
(sorriso de quem pensa que se pode pensar emm tudo isso, quando se corre, ao frio...)

Gi disse...

Pois eu quando lá vou ando sempre à procura de uma rena numa barca, que qual coelho de "Alice no País das Maravilhas" me gritaria do rio: "Estou atrasada e em polvorosa para regressar a casa, tenho que ir antes que se inicie a época da caça e ainda apanhe com a pólvora".

Si disse...

Príncipes de um lado, raínhas do outro, daqui a nada formamos um império...rsrs
Mais um texto soberbo, daqueles que inspiram a imaginação e a fazem soltar no dorso do cavalo de Alexandre, o Grande!

Beijinhos

Luis Eme disse...

o frio fez-te bem, Patti...

Ka disse...

Afinal o frio estimula a tua imaginação!

Curioso que não fico nada espantada com o género de príncipe que gostas :)

Beijos

Teresa Durães disse...

há sempre o príncipe da bela e o monstro

Anónimo disse...

Desde os tempos de criança, que os contos infantis me ensinaram a duvidar da realeza. Quando um sapo vira príncipe; uma princesa dorme durante mil anos, para acoradr viçosa como uma alface; um príncipe corre meio mundo atrás de um pé que sirva num sapato and so on... o melhor é mesmo descer à Terra.

paulofski disse...

Vivam as plebeias, menos exigentes e mais naturais, sempre belas quando acordam, livres de "cadeados" nobres, puras de sentimentos, amores perfeitos e cabelos ao vento.

Laura Ferreira disse...

quase senti o frio...

Miepeee disse...

Isso é que é ter coragem, correr com temperaturas tao baixas e ainda ter capacidade de raciocionio. Parabens!

ana v. disse...

É mais ou menos o que eu digo também: prefiro sempre um mau inteiro a um bom partido...
Beijo, Patti

1/4 de Fada disse...

Curiosamente, sempre gostei de histórias de fadas, mas nunca dos príncipes... acho que fui um bocado do contra! É como dizes, demasiado perfeitos. Agora, tu consegues fazer de tudo uma história incrível!!! Misturar uma corrida numa manhã gelada com Alexadre o Grande mais o seu cavalo! Se fores para o deserto o que é que trazes para aqui? A receita da compota de rosas, espero...

Bacouca disse...

Em corrida só alguns é que escrevem tão bem e apetece-me citar António Aleixo:

A arte é força imanente,
Não se ensina, não se aprende,
Não se compra, não se vende,
Nasce e morre com a gente.

Continue a encantar-se e a encantar-nos!

Anónimo disse...

Dizem que o frio refresca as ideias. Eu acho que em ti tem o efeito contrário. Dá-lhes um calor tal, que escreves histórias de encantar...

Pitanga Doce disse...

Eu estive aqui pela manhã,sabes? Mas não dava pra escrever porque o dia tem muito poucas horas.

Só digo-te uma coisa: se quando chegaste a casa estava lá o teu príncipe macedonio, deves ter dado-lhe uma canseira! hahahahahahaha

cristina ribeiro disse...

Mas que fazem histórias bonitas, fazem :)

LeniB disse...

Fico contente em saber que corres ao sabor da brisa matinal.
Assusta-me saber as coisas em que pensas quando corres!!!
Quanto aos príncipes encantados...bem, que dizer?? Não existem!! Só sapos mal amanhados!!!