quarta-feira, 29 de abril de 2009

,e (com vírgula antes)


E depois eu andava sempre descalça, sem que nada me magoasse os pés, e vestia roupa larga e leve para poder voar, e pousava nos ramos dos ciprestes, e dormia toda a manhã sem ninguém para me acordar, e almoçava pipocas salgadas, batidos de amoras negras e pizzas de amores-perfeitos, e conseguia ler enquanto dormia, e construía ninhos de alfazema, e soprava bolas de nevoeiro, e escondia-me no buraco sem ozono, e as cerejas é que eram como as conversas, e as melancias nasciam sem pevides, e os bebés andavam sempre ao meu colo, e flutuava sobre nenúfares com motor, e encolhia de tamanho para empurrar as bolas com os escaravelhos, e apanhava bolachas oreo na areia da praia, e fazia corridas com as lagartixas, e os cornetos eram todos de chocolate, e os caramelos não se pegavam aos dentes, e os arranhões não ardiam, e escolhia o final dos filmes, e proibia os cães e os gatos vadios, e abandonava os humanos nas férias, e o ALA contava-me crónicas para eu adormecer, e ninguém escrevia lol, e eu tinha uma colecção de penas raras, e pensava livros com os olhos, e nabos, agriões e courgetes nunca tinham existido, e comprava uma casa de algodão cor-de-rosa, e o guardador de rebanhos era meu vizinho, e o preconceito era mentira, e os animais também mandavam, e o leite de coco não engordava, e afinal valia rir no jogo das estátuas, e escrever era muito fácil, e nadava ao lado dos peixes azuis, e plantava chupas de morango no meu jardim, e tinha caracóis de estimação, e as abelhas não picavam, e as baratas não voavam, e as cobras não eram bífidas, e os avós nunca morriam, e pedia às nuvens que chovessem quente e aos homens que existissem de verdade e aos poetas que mentissem com sinceridade.
E não era?

29 comentários:

Fatima disse...

Era mesmo assim, no País das maravilhas!

salvoconduto disse...

e que a gripe suína não andasse por aí.

Marta disse...

É Patti, é exactamente isso! Só que ainda ninguém o tinha dito, assim, tão bem!

mariam [Maria Martins] disse...

'nuvens chovessem quente'! SUBLIME todo o texto. ai Patti, que sensação fresca e doce é voltar aqui. parabéns p'lo cativar renovado.

um abracinho e o meu sorriso amigo :)
mariam

Mike disse...

,e bolas... mais um post que me deixa sem saber o que dizer. Vou-me deitar, ainda a rir com os encontros na salgadeira. (gargalhada sem parar)

mjf disse...

Olá!
O teu post, está lindo,,,palavras lindas ;=)
Adorei.

Beijocas

ana v. disse...

Grande texto, menina Patti. E o T.T. d'Arby a cantar a música mais sexy de todos os tempos, e eu vou-me deitar que já é tardíssimo, e boa noite, e parabéns!

Pitanga Doce disse...

E se a minha avó não fosse ela seria uma bicicleta, e se eu não gostasse de morangos antes queria as cerejas, e se tirasses todas as vírgulas escrevias como o Saramago. E não é??? E ele é Nobel, Patti.
Não impliques com a vírgula, coitadinha, que ela dá-se bem com o E.

boa noite (dormes?)

Isabel Maria Mota disse...

e todos estes textos que nos fazem sentir tanto estariam impressos num livro de capa dura... e estariam de certeza na minha mesa de cabeceira ou por ali perto. E que tal?...
Mais uma vez... adorei. Obrigada. É bom começar o dia contigo.
Um beijinho Isabel

pedro oliveira disse...

Devia ser assim se não houvesse, adultos atrasados mentais:
http://vilaforte.blogs.sapo.pt/160753.html

paulofski disse...

E assim se me perco das obrigações, e fico com vontade de ser abelha, e voar de blogue em blogue, e cheirar o perfume das palavras, e ficar a polinizar comentários, e não fazer mais nada, e se era bom não era? Pois, e agora tenho de voltar à vidinha, e não tenho vontade, e não tenho desculpa, e se te disser que já me falta o fôlego a cada vírgula, e acreditas?

CPrice disse...

tanta referência a livros que me são tão queridos, Patti, num jeito meigo de encadear e fazer sorrir. Está certamente cansada de o ler mas a Menina escreve muito, muito bem :))

"E não era?" :) seria certamente assim não nos tivessemos esquecido de "como inventar a realidade".

Gi disse...

,e para que querias tu um motor para os nenúfares?
, e para que querias tu um mundo assim?
, e depois sobre que blogavas tu com um mundo assim tão perfeito, tão perfeito?

Beijos, minha querida.

PAS[Ç]SOS disse...

Era! Foi! Será! Era a crença de criança. Foi a infância. Será o desconstruir dos preconceitos de adulto que nos destroem os sonhos de infância e nos guardam as memórias, tantas vezes, difíceis de abraçar. Mas sempre doces de saborear.

Rita disse...

E era mesmo mesmo muito bom. Não queres ser tu a "mandar" aqui, no nosso mundo????

"E depois eu andava sempre descalça, e dormia toda a manhã sem ninguém para me acordar, e os bebés andavam sempre ao meu colo, e os cornetos eram todos de chocolate, e proibia os cães e os gatos vadios, e abandonava os humanos nas férias, e ninguém escrevia lol, e nabos, e courgetes nunca tinham existido, e os animais também mandavam, e os avós nunca morriam."

Escolhi estes "e"s porque são os meus favoritos e há dois ou três que era mesmo muito bom que pudesse assim ser...
Jokas

anniehall disse...

Apoiado , venha mandar no mundo, hoje já se possivel .

Teresa Durães disse...

esses momentos eram tão bons, não eram?

LeniB disse...

e tudo seria mais simples se as mentes se "descomplicassem"...

Laura Ferreira disse...

e eu li, e reli, e voltei a ler, e às tantas já lia alto, e com vontade de dizer este texto em palco, e gostei, e adorei, e deixo-te um beijo de admiração.
That's it.

claudia disse...

Que bom viver assim...que paz, que tranquilidade, que binito...

cristina ribeiro disse...

E que coisa maravilhosa!

Si disse...

... e, se eu tivesse tempo, tentava comentar, com palavras de jeito, este texto absolutamente fantástico....
o que vale, é que amanhã há Patti em mais sítios....
Beijinhos

Luísa A. disse...

Descontada a insignificância das referências a convívios próximos com escaravelhos e lagartixas, Patti (e as baratas, para além de não voar, também deviam não existir), é um «post» muito bonito, sobre um mundo perfeito que tem semelhanças incríveis com o mundo que vi, li e sonhei na infância. Um pequeno poema em prosa. :-)

R.Rosmaninho disse...

Tão bonito!

continuando assim... disse...

guardamos os momentos.... gostei

Su. disse...

Eu ainda vou ler um livro teu... todo giro, com uma capa alegre e colorida, daqueles altivos e cheios de graça que nos piscam o olho antes de dormir... já te sinto a saltar em bicos de pés, pagina ante pagina... sim, eu juro que ainda vou ler um livro teu.

Beijo ás bolinhas amarelas

Violeta disse...

gostei muito do teu ,e com vírgula antes, porque lembrou-me do meu...
bjs

Sinapse disse...

MAGISTRAL. E é mesmo!

Anónimo disse...

,e eu escolho estes "es":
"e pedia às nuves que chovessem quente e aos homens qe existiseem de verdade e aos poetas que mentissem com sinceridade."
E é!
E este texto é perfeito, e sempre volto, e cada vez gosto mais!
Obrigada Patti