quarta-feira, 15 de abril de 2009

amor é ...


Dora nascera gorda, crescera gorda, adolescera gorda e ficara para sempre gorda. Rapariga optimista, alegre e bem disposta, já se habituara com essa realidade e convivia bem com o seu físico.
Numa das suas habituais incursões a uma conhecida cadeia de fast food, decorada a encarnado sangue, que como já é sabido trata-se da cor que excita o apetite, conheceu entre os frascos de molho brilhante, o gás da cola e a gordura do hamburguer, aquele que viria a ser o amor da sua vida.
Chamava-se Rufino, trabalhava como caixa do restaurante desde que este abrira e era o único funcionário com contrato efectivo, pois nem num bife untado, aquela alminha jamais havia tocado e o gerente levara aquilo como uma verdadeira atitude com vista ao lucro.
O que não sabiam é que Rufino era vegan e por isso, incapaz de tocar em qualquer produto de origem animal. Ficava-se pelas insípidas saladinhas, bebia um copo de água e voltava para a registadora. Impoluto, aquele espírito.
Nunca houve explicação para a paixão súbita e visceral que nasceu imediatamente ali, entre a troca do nervoso talão da despesa e a consistente nota de vinte euros.
Facto é, que aqueles dois jovens foram atraídos como ímanes de tal maneira, que nem Newton saberia explicar. E nunca mais se largaram.
Namoraram intensamente durante um ano, recheado de trocas e juras, versos, sms's e emails de amor, passeios no shopping e refeições no fast food encarnado.
O problema da comida nunca chegou a sê-lo, verdade seja dita, visto que Dora comia sempre tudo e de tudo e Rufino, nada de nada.
Quando decidiram casar, Rufino fez-lhe a surpresa de convidar o seu amigo sueco, Jan-Olov um conhecido criador de moda, para que desenhasse o enorme e difícil vestido de noiva, para a sua superabundante-amada Dora.
Ela ficou delirante, pois sentia-se perfeitamente à vontade com Jan-Olov, o que lhe permitia fazer todo o tipo de pedidos exuberantes, muito próprios do seu carácter efusivo.
Mas... eis que tudo se desmoronou nas vésperas da boda. Depois das análises e exames da praxe, a que todos os nubentes responsáveis devem ser sujeitos, Dora ficou a saber que sofria de uma doença rara e fatal, não para si, mas sim mas para Rufino. Tinha o enorme e científico nome de: mantimentus.contra.vegan.bacchteris.phatalis.mortis. Resumindo, se a Dora lhe tocasse com um dedo que fosse, o rapaz ia desta para melhor.
Ela chorava desesperada por perder o amor da sua vida, mas não havia mais nada a fazer senão terminar aquela relação; o médico fora irredutível quanto à inevitabilidade das consequências e Rufino apercebendo-se do sentimento de desonra da sua amada, aguentou-se firme e hirto e decidiu resolver a situação à sua maneira.
Depois de colocado um anúncio no jornal, onde vendiam o vestido de noiva por estrear, Dora partiu para parte incerta.
Rufino reuniu toda a família e os amigos mais chegados no seu apartamento, recebendo-os demasiado excitado para o seu temperamento e em trajes desapropriados: havaianas coloridas, short de licra brilhante e camisola de alças justinha, a vincar-lhe a magreza do tórax pobremente desenvolvido do veganismo.

Ria nervosamente, enquanto a melena loura, trabalhada várias horas para dar credibilidade à sua explicação, lhe caía brincalhona para os olhos.
Acompanhado de alguns trejeitos exagerados, mas convincentemente ensaiados, despejou a notícia de um golpe só, enquanto limava uma unha falhada que insistia em deixar puxões na licra inusitada da sua vestimenta.
"Durante as várias provas do vestido de noiva da Dora, eu e o Jan-Olov descobrimos que nos amávamos loucamente e já não há mais casamento para ninguém".

E assim termina mais um documentário do Canal Relíquias Históricas, apresentado-vos aquele que se julga ter sido, o primeiro cavalheiro conhecido do século XXI.

Adenda: Versão para chorar, aqui.

26 comentários:

Mike disse...

Gosto dessa Dora... :)

salvoconduto disse...

Mas que raio é que que a Dora viu naquele lingrinhas? Saladinhas, copinho de água...vai lá vai! E até tinha que se chamar Rufino! Será que ao menos ela emagreceu?

Yussef disse...

Essa Dora é um ser encantado?
hehe

Ótimo texto.

Abraços

Maria disse...

Adorei o texto! E dei as últimas gargalhadas do dia graças a ti. Obrigada.

BlueVelvet disse...

Excelente enredo.
Nomes deliciosos.
Epílogo inesperado.
Tudo com um leve toque Felliniano.
Bjs

Gi disse...

Doravante vou escrever lá no blogue
a minha versão, sim?
Sim que o amor é ... simplesmente!

CPrice disse...

A menina é uma verdadeira cronista Patti ;) .. e eu já tinha saudades destes textos (risos) .. a Dora em parte incerta foi decididamente muito feliz *

pedro oliveira disse...

eheheheh.Gostei da parte incerta...

ematejoca disse...

O epílogo não é nada inesperado, minha querida Blue Velvet! É pena, que com o sueco também ficava eu.

Patti, és tu que imaginas estas histórias ou és a cronista? De qualquer maneira gosto muito de as ler.

Há dois selinhos para ti, Patti, no "ematejoca azul".
Os selos, que eu recebo são TODOS TEUS! OK?!

Patti disse...

Once:
Viva! Bem vinda de volta! Já lá passo no chás-e-cafés.

Ematejoca:
Até agora tenho sido eu a 'imaginadora'. Obrigada pelos selos, mais uma vez.

Lucia Luz disse...

Que sorte deu a Dora!
Maravilhoso o post!

paulofski disse...

Até me engordam as pupilas com narrativa tão suculenta.
Ora, se ela aDora assim tanto os fritos e trata as calorias por tu, porque foi logo apaixonar-se por um fino qualquer, natural do planeta Vegan, que só tem boca para cenouras e courgettes! Esteja ela na parte incerta onde estiver, que alimente a sua paixão gastronómica e seja feliz.

maria inês disse...

Vocês andam a desiludir-me!
Agora as vossas leituras são "Corín Tellados" e "Capricho"?

Anónimo disse...

O Rufino devia era ter casado com a Maria dos Anjos...

Teresa Durães disse...

se fosse nos dias modernos, o vestido de noiva seria vendido no e-bay (terei de registar esta ideia??)

cristina ribeiro disse...

Diverti-me à brava com esta história que só não é das Mil e Uma Noites porque não chegou à noite. Lindo Patti!

Su. disse...

eXcelente! coitadita da Dorinha, mas olha e o Rufino? Que lhe aconteceu? Estou curiosa....

ahahaha

adorei.

Beijao.

Pitanga Doce disse...

Quer dizer que depois de "namorarem intensamente durante um ano" o Rufino resolveu escancarar que "mordia a fronha"? hehehe

Ou esta Dora era um tanto distraída, ou o que ela queria era comer hamburguer de graça o resto da vida. hehehee

bom dia Patti (hoje estou com problemas com o blogger)

Si disse...

Das duas versões, não sei qual escolha, se uma pela surpresa na escrita, se outra, pela manutenção da fasquia a que nos habituou.
Só me falta repetir o 'insulto' que deixei na outra caixa: Fazem-me o favor de não escrever textos em que, compulsivamente, tenho que deixar comentários, escrevendo com uma mão, enquanto que com a outra seguro num equilíbrio instável a pilha dos meus 'assuntos pendentes'?????

P.S. - E esta questão dos nomes ainda tem que ser investigada, dado que esse sueco rima com uma personagem que anda a pairar lá por casa, ainda sem destino definido!!! Humpf!!

Rosa dos Ventos disse...

Tenho a certeza que Dora encontrou alguém "à sua medida"! :-))

Abraço

Pitanga Doce disse...

Vim ouvir o Sinatra. Isto é música digna da cobertura.

PAS[Ç]SOS disse...

Como se fará para enviar o mesmo comentário para dois blogs diferentes? é que estou deitado no chão
- de barriga para o ar, a bater com as mãos nela e a rir às gargalhadas

e

- de barriga para baixo a bater com os punhos no chão e a chorar baba e ranho

FANTÁSTICAS!!!

Patti disse...

Passos:
Eu é que estou a rir como uma perdida com o seu comment! Obrigada.
Ainda não tive tempo e oportunidade para passar no seu blog com calma, mas lá irei, sem falta.

Tite disse...

Aqui fica o copy/paste do meu comentário no Só falta um 31 na minha vida.
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Depois de ler o conto da Patti fiquei com curiosidade e vim meter-me neste 31.

Fiquei tão presa a este como tinha ficado presa ao outro.

A imaginação das duas ladies não tem limites e dou-vos os PARABÉNS!

À Patti já conhecia porque a visito frequentemente. Aqui vim por arrasto e gostei.

Agora vou copiar este post para o Ares

Beijos

PS - Amor é compreender quem não deve fazer comentários separados porque as duas merecem.

mdsol disse...

Patti
Muito bem!

:))

Marta disse...

[Afinal, era só uma suave forma de tortura! Ontem :)]

É só para brindar à vossa imaginação!
Gostei bastante das duas versões.
Foi um exercício muito interessante!
Parabéns às duas.