quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

pena


Era uma vez um cão lindo, como lindos são todos os cães, que foi Amarrado ao nosso portão.
Doente, fraco, muito magro e triste.
Maltratado. 
Abandonado.
Cuidou-se dele, tratou-se, curou-se e amou-se.
Até que um dia, alguém de fora, reparou nele e não mais largou os seus olhos dos dele.
E visitou-se diariamente durante meses.
E levou-o.
O nosso querido Pena, o cão lindo, foi adoptado.
Foi viver para uma casa grande ao pé do mar, com uma praia só para ele, no meio de uma família só sua.
Sê muito feliz querido Pena, tanto como nos fizeste a nós felizes, por te termos conhecido.
E assim, era uma vez um cão lindo, como lindos são todos os cães, que foi Desamarrado do nosso portão.
Para sempre.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

ponto de saturação


Surgi da cultura intensiva do pântano, onde me alagaram, inteiro, a existência. Ensoparam-me a vida, a alma e o corpo, com prantos de água que em constantes movimentos circula em mim.
Não quero mais ser grão que alimenta o  mundo. Esgotei a minha antiguidade em sucessivas inundações, transplantes, colheitas, ceifas, medas e debulhas.
Fujo agora dos braços do homem, que me labora o corpo frágil sem descanso. Me colhe, trata e coloca na boca. Arroz-branco, arroz-doce, arroz-salteado, arroz-inchado.
Corro pelos campos amadurecidos, numa inquietação de me ausentar. Salvar a vida, salvar a crosta, salvar a pele.
Cansa-me a água.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

2011


Não é muito meu costume, falar aqui de aspectos pessoais. Mas as minhas ausências têm sido frequentes e o motivo é dos melhores.
A vontade é antiga: o voluntariado. E a disponibilidade só surgiu há uns tempos.
Estou de pedra e cal em dois projectos que me preenchem: os cuidados paliativos e os animais abandonados e maltratados.
Difícil? Será com certeza. Mas a vida nunca me fez sentido vivida como indivíduo isolado, mas sim na direcção dos outros e com os outros.
Os ganhos são imensos; não se conseguem contabilizar, e as perdas ... essas compensamos com olhares de gratidão. Porque os olhos são todos iguais. Os do homem e do cão. 
E no fim, quem agradece somos nós.