A Escrita
Não nos conhecíamos. Não tínhamos sido apresentados. Não havia amigos em comum. Afinidades. Parecenças. Uma coisa nos uniu: a escrita.
Grande parte de nós não se conhece pessoalmente, não se viu nem por fotografia, nunca se ouviu, trocou um simples mail ou conversou num chat. E as probabilidades disso acontecer, são na maioria dos casos muito reduzidas. Só temos isto, encontrarmo-nos todos os dias aqui pelo prazer da escrita. Para onde ela nos lança, o que nos causa, o que nos concede, como nos enlaça, e estende, e prolonga, e vicia.
Podemos chamar a isto uma relação? Julgo que sim. Ou melhor, tenho a certeza que sim. Relação, ligação, amizade, convivência, envolvimento, compromisso, união, vínculo. O que quiserem.
Esta crónica já tinha o seu título definido há algum tempo, entre mim e ele. Mas talvez porque os blogs andam mais calmos, senão inactivos - muitos deles desaparecidos - o clima dá preguiça, o cansaço também urge, e o facebook é rival de peso, surgiriam temas mais meditativos como este: a razão porque se escreve. De uns tempo para cá, tenho lido muitos posts sobre escrita, a acto de escrever, as dificuldades que ela traz, o gozo que dá, como nos revolve, o pavor da página em branco, o sumiço da inspiração, a dependência diária de escrever pelo menos duas linhas, o tormento, a revelação.
Para mim ela é uma descoberta ainda fresca, que me veio desordenar o caminho, mas de uma forma sã. É uma experiência de vasculho, amotinações e remexidas, donde tenho saído sempre ilesa. Para uns a escrita é sofredora, dor interior, angústia companheira e mesmo assim, enlace indissolúvel e perpétuo. Não é o meu caso. Sim, já demos também o nó - e espero que vitalício - mas talvez porque ainda ando a buscar saber no berço das palavras, a testar o resultado das minhas tentativas e provas na escrita, dela só tenho adquirido exultação. E festa, porque ao mesmo tempo, como digo ali na coluna da direita, estou mais tempo comigo. E gosto.
Ah, mas é difícil escrever. Muito difícil. Porque as palavras já foram todas inventadas, como ligá-las sem mácula é que ainda não. E só por isso é melhor.
É ao meu querido parceiro, a quem eu devo a existência destas cónicas, que durante meses me deram muito trabalho, apego, satisfação, consolo, descoberta e sobretudo muita amizade e estima por um desconhecido, que um dia me fez este agradabilíssimo e inesperado convite. Tem sido um prazer, Carlos. Sem expectativas goradas, pelo contrário, reafirmação na minha crença muito pessoal, de que ainda se pode confiar, esperar e acreditar nos outros.
Hoje escreve-se o fim destas crónicas, porque tudo tem o seu desfecho. Escreveram-se trinta. Outras tantas ficaram por contar, pensamentos por revelar, reflexões por anunciar, opiniões por esclarecer.
Talvez voltem. Noutro formato. Aqui nunca se sabe, porque no blogobairro vive-se dela, da escrita.
E do seu Rochedo, Carlos, o que se escreve?
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