quarta-feira, 28 de outubro de 2009

aqui pelo meu bairro #5


Isto agora do meu Benfica golear tudo e todos, até aborrece, não é? Eu já nasci benfiquista, o meu pai era, o meu avô era e até o meu bisavô já seria. Também, que outra alternativa havia? Aqui no meu bairro só um ou outro foge à regra, com a mania que é visconde ou então para ser do contra, vota azul.
Não me venham cá com coisas, mas o futebol é do povo e o povo é do Benfica, caramba! Na minha rua, do lindo bairro Estrela D'ouro, somos só gente humilde, gente modesta, do tempo do omo lava mais branco e do juá, da medicinal couto e da binaca, da mini, das gasosas e dos pirolitos, do romance do tide na telefonia, da farinha amparo e do grandella.
Do pé direito do nosso pantera negra.
Pois como eu ia dizendo, esta coisa de muito golo, muito golo, muito golo é uma grande alegria, mas até me faz impressão. Uns dizem que é por agora termos um treinador ressuscitado, mas de quem eu gostava mesmo muito, era do Dom Quique. Ai minha Santa Teresa de Ávila, meu Santo Ildefonso de Toledo, meu São Diogo de Alcalá, aqueles olhos verdes, o cabelo azeitona, a pele morena, aquele ar de quem pega de caras, mãos fortes de matador sangrento, ai olé touro, olé e valham-me as castanholas e o meu leque para os calores.
Bom, mas isto dos golos, cá para mim são aqueles senhores do estrangeiro, os fifas, que mandam nestas coisas da bola, que fizeram algumas alterações e toca de mandarem alargar as balizas.
Eles é que têm essas manias esquisitas, de se porem com novidades no futebol, não é? O meu Alfredo dizia que era para ver se intelectualizavam as massas.
Por exemplo, agora os rapazes se despirem as camisolas para festejarem um golo, levam logo com o cartão. Está mal, ora bolas. Então isso faz-se? A rapaziada precisa de se libertar.
No meu tempo era uma satisfação, a gente a admirar aqueles corpos transpirados e másculos, cabeludos como o diabo gosta, vigorosos, enérgicos, robustos e - ai que me sobem os vigores - assim todos jeitosos de peitaça ao sol e à chuva, como o Zé Augusto, o Costa Pereira, o Águas, o Coluna, e porque não o Chalana, o Alves, o Toni, o Bento...
aquelas bigodaças farfalhudas, os cabelos compridos, as pernas peludas...
Agora é tudo muito penteadinho, muito brinquinho, muita badoletezinha, muito fiozinho, muita pulseirinha, muita trancinha, muito magrinho, muito justinho, muito rapadinho.
Ai que rapazes tão jeitosos, eram os jogadores da bola o meu Benfica de antigamente.

Ass: Amelinha (o meu alter-ego)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

[16] boa semana

Eram cartas escritas para dizer que estava vivo, precisava de fazê-lo, de escrever todos os dias para saber que tinha sobrevivido mais uma vez; não podíamos sequer colocar o nome da terra onde estávamos para não dar a conhecer aos do outro lado a nossa localização.
(uma longa viagem com ALA, de joão céu e silva, 09)


Eu sei, já tem quatro anos, mas tem-me valido nalgumas noites brancas de insónia. Apesar da sensação de intenso voyeurismo que sempre me invade, quando o folheio com um imenso pudor.
No mínimo comovente. No limite perturbante. E no íntimo tem muito do António de hoje, mesmo que ele o negue.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

dormir ao contrário


Uma semana, três insónias. Nem os carneiros contados me têm querido valer; ridículas ovelhas tosquiadas muito enfezadas, ovelhas tresmalhadas, ovelhas negras e ovelhas ronhosas a balir. Houve um pouco de tudo, saltando a custo velhas cercas tão ansiosas de descanso quanto eu. Mas aos carneirinhos gordos e alvos, pulando em fila, nem vê-los.
A insónia não passa de uma armadilha de desespero, com cara de falsa calma branca, iludindo-nos nos seus primeiros momentos numa espécie de sugestão à meditação. Leva-nos ao despertar total, forçando-nos a colorir o sono que não vem, com as tonalidades que nos esquecemos de pintar a vida durante o dia. Perdemo-nos em pensamentos, criamos olheiras lívidas e pregas fundas em lençóis de angústia acordada.
Fecho os olhos com força para não despegarem, na esperança vã de guardarem o sono lá dentro. Aferrolhado, preso no intrincado curvo das minhas pestanas, cosido na linha escura da noite. Mas não há forma, a insónia é matreira como aqueles livros maus de capa bonita, que nos forçam a ficar agarrados até à ultima página, numa interrogação aflita de sabermos quando vamos
finalmente começar a sonhar.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

crónicas de graça #2


Hippies e Yuppies

No meu tempo fui hippie. Acreditava que o amor tudo podia, que a guerra era o grande erro do homem, a paz a sua salvação e a liberdade, a sua maior conquista. Confiava na não-violência, no amor livre.
E não, o meu mundo dos 60's e 70's, tinha muito pouco de cor-de-rosa, engana-se quem assim o julga. Na Europa imperavam ditaduras obsoletas, o mundo vivendo uma coexistência pacífica durante uma guerra fria, receava um terceiro grande conflito mundial, conservava-se a espada de Hiroshima sobre as nossas cabeças, desconhecia-se o avanço do poder nuclear, mas aqui e ali ouvia-se falar de experiências atómicas no pacífico, praticavam-se diferentes regras sociais entre pretos e brancos e o apartheid, era aceite como algo absolutamente normal. As duas super potências, estendiam viscosamente os seus longos tentáculos até ao fundo da litosfera, dominando, ora disfarçada, ora abertamente, o mundo de então.
Com 19/20 anos nada podíamos fazer, mas tínhamos fé, usávamos a voz, o corpo, a nossa imagem. Possuíamos uma fome intelectual insaciável, acreditávamos na força da música, na palavra dos poetas, na realização de sonhos e exigíamos um futuro diferente.
Verdade será também, que vivíamos existências por vezes psicadélicas, praticávamos actos de loucura inconsequente, tínhamos visões utópicas para o futuro e defendíamos anarquismos impraticáveis. Mas sempre fomos participantes, poucos se demitiam do seu papel de cidadãos do mundo, abraçávamos as causas do nosso tempo, criámos
um símbolo da paz, contestámos os valores tradicionais da nossa sociedade, fizemos frente ao poder económico, militar e político. Vivemos de forma intensa aquele tempo, que era o nosso. Peace and Love. Make Love not War. Flower Power.
Depois fui assentando, casei com um homem quimérico igual a mim e tive um filho, que entreguei aos 80's.

No meu tempo fui yuppie. Depois da licenciatura e da pós-graduação numa universidade impactante, acreditava na bandeira hasteada do sucesso da carreira, na ambição profissional para escalar o organograma empresarial, na competitividade das corporações, no rápido enriquecimento e quem sabe, usufruir alguma vantagem dando um saltinho pela política. No meu special way of life, havia espaço para toda uma parafernália de prazeres materiais que me atribuíam status pessoal. Fato no alfaiate, monograma na camisa, botões de punho, o aparato do primeiro telemóvel, um carro deixando lastro à sua passagem, apartamento design, a ostentação das marcas na roupa casual. O golfe, o squash, o clube, o sushi, o bar da moda, a assinatura anual de uma importante revista empresarial estrangeira.
Não foi fácil. Tivemos de escalar bastante nesta busca desmesurada para alcançar o sucesso, lutar contra aquelas ideias tontas do saber, da ética e dos valores retrógrados. Insanidades ultrapassadas, de que os fins não justificam os meios e ingénuos delírios de que bastava ser e não parecer. Absorver ao limite todas aquelas normas de conduta na sociedade, invisíveis e em nenhum lado escritas, mas onde não se permitiam falhas, percalços ou um ínfimo deslize.
É um facto de que envelheci cedo, o tempo contado ao segundo, o stress causado por esta forma de manutenção da vida, o cansaço mental e físico para manter este estatuto a funcionar, sem intervalos ou descanso. A família onde não investi.
Depois fui assentando, casei com uma mulher carreirista igual a mim e tive uma filha, que entreguei ao segundo milénio.

No meu tempo não sei o que sou. Sinto muito poucas certezas, possuo uma infinidade de questões e dezenas de dúvidas. Não tenho por que lutar, não vejo por onde seguir ou para quê me esforçar.
Tenho avós que transportam em si histórias devaneadoras e uns pais, que me impressionam de sucesso e dinheiro. A avó, diz que hoje não sabemos como se sonha, o pai pensa que somos uns desinteressados e eu, que vivemos desapaixonados.
O ambiente existente é contraditório. Tanto se fala do facilitismo presente, como de um futuro sombrio, que todos os jovens são admitidos na faculdade, mas que só poucos conseguem um emprego promissor, que hoje temos acesso a toda a informação, à internet e ao mundo, bastando tocar numa mera tecla, mas mesmo assim seguimos indolentes e insatisfeitos.

O pai oferece-me mais um gadget e que falamos mais tarde, o que nunca acontece. A avó zanga-se comigo, dizendo que provavelmente a culpa não será toda nossa e que somos uma geração que podia ter o mundo nas mãos, mas que desperdiça um tempo precioso no vazio. Enfiamos a cabeça na areia que tem aspecto de ecrã. Ecrã de televisão, de computador, de consola, de telemóvel. Não entende a nossa apatia, diante este presente tão cheio de problemas como as questões ambientais, a fome no mundo, o envelhecimento da população, a crise geral; esta chata palavra crise; palavra curta mas que repetida até ao infinito se alonga, e alonga, e alonga pelos meus dias.
Parecemos fingir que tudo está no bom caminho, apesar de o sabermos falso, e podemos por vezes parecer ignorantes, mas não o somos. Todos nós escutamos palavras-chave como endividamento, desemprego e despedimentos em massa, falências, corrupção, pobreza crescente, pensões miseráveis, infindáveis listas de espera nos hospitais, medicamentos caros, políticos pouco credíveis...
Talvez um dia eu assente e case com alguém desmotivado igual a mim, mas não sei se terei filhos. Para os entregar a quê?


O que dirá o meu querido parceiro, que talvez tenha vivido alguma destas experiências na primeira pessoa?

Crónicas de Graça #1

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

e veio finalmente

E as camisolas brancas que fazem ninho gordo no pescoço, e os botões apertados até acima, e o chocolate quente na chávena da esplanada, lento e pastoso como aqueles sonhos que se arrastam e não querem despertar, e o frio friccionado na palma das mãos, e as castanhas assadas pelo ar, e os termómetros que cosemos ao corpo em camadas fofas de lá, e o encarnado do chão que fica bem ao amarelo do céu, e o gastar de luz espargido por todas as sombras baixas?
E o rumor que chega das árvores? Foi num dia de outono, que as árvores aprenderam a falar.


E amanhã não esqueçam as Crónicas de Graça.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

[35] há coisas fantásticas, não há?



Imaginemos que todos as nossas escadarias, serão um dia também assim...

(E sigo com problemas na net...).

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

quem é amiga, quem é? #4

Comecem lá a semaninha, pondo à prova o vosso português neste teste online. É provável que possam vir a ter algumas surpresas, eu tive dúvidas em duas ou três questões.
Deixem os vossos resultados na caixa dos comentários.
'Bora, é só clicarem na foto.

(Estou com problemas na net, vai ser difícil esta semana, ser assídua nos vossos blogs).

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

vírus* num blog sério e familiar #8

foto raoul bova

Bom fim-de-semana!
(Quietas. Tirem os dedos, ele é mesmo assim; despenteado.)

* alguém me vê uns sais de frutos, é que com este calor...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

blog action day


Ele propôs e eu aceitei.
A Blog Action Day é uma iniciativa em toda a blogosfera, que pretende alertar para os problemas ambientais e a minha contribuição, muito insignificantezinha eu sei, é o seguinte truque. Nem sempre as descargas que fazemos no nosso autoclismo, são as necessárias, desperdiçam-se muitos litros de água. Às vezes, só por causa de uma bolinha de algodão, lá descem 5L.
Experimentem colocar no reservatório de água do vosso autoclismo, uma garrafa plástica de 1,5L de um refrigerante, que para fazer peso e assim reduzir o espaço, deve estar cheia de água.
Ao diminuirmos a capacidade de armazenamento de água no depósito, poupamos por ano uns bons litros ao planeta azul.
Ah e as descargas dos futuros jactos de água, continuarão a ser mais do que suficientes, para que tudo siga ligeiro e flua pelo cano abaixo, se é que me entendem...

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

no confessionário aos 40 #3


Aquela que de mim já é mulher, põe-se muitas vezes a reparar na outra eu que ficou criança. Recorda com desejo o jogo do elástico, o toca e foge, a mamã dá licença, o jogo das estátuas e o prego na praia. Dos oito saltos da macaca, desenhada a laranja tijolo no alcatrão da rua sem carros e dos concursos do festival da canção, onde a música vencedora era sempre qualquer uma dos greenwindows.
Refrescos de capilé e groselha, carcaças com açúcar e manteiga, papas de banana com bolacha maria e sumo de laranja, bigodes de leite.
Comida de mãe e colo de avós.
Bonecas e bebés-chorões, panelinhas de alumínio e jantarinhos com massa estrelinha, que obrigava o meu pai a comer. Os pais homens gostam muito de ser pais de filhas cor-de-rosa nuvem, amarelo pintainho, branco piquê e azul xadrezinho. São pais que lhes nascem punhos de renda, logo a seguir aos pulsos fortes.
A eu já adulta, agradece à eu criança a fortuna herdada. Que nunca terá preço.

domingo, 11 de outubro de 2009

aqui pelo meu bairro #4


Quando chega a estação do outono, começo a ficar entristecida. Vêm-me à memória aqueles últimos dias ensolarados em que o meu Alfredo se foi de vez; ai homem, tanta falta que tu me tens feito. Fomos tão felizes, não fomos, filho?
Lembro-me como se fosse hoje, aquela tarde no jardim do Torel onde me pediste em casamento, roubando uma rosa amarela ao canteiro e o velho jardineiro furioso, a ameaçar-te com o cabo da enxada e gritando, fora daqui rapaziada danada.
Alugámos esta casinha na Graça, porque tu disseste que a varanda das traseiras era uma maravilha. Podíamos acender um fogareiro à vontadinha e fazer umas belas sardinhadas no verão, febras e entremeadas e assar pimentos para a salada.
Ai Alfredo, e quando tu encheste a parede da varanda, com aquelas andorinhas de louça preta? Toda a vizinhança nos imitou, não podem ver nada que logo se põem com ideias e ainda hoje são assim. Ele há coisas que nunca mudam.
E a decoração da nossa casinha, lembras-te homem? As nossas idas e vindas ao braz e braz e à polux, eram uma grande alegria que me davas. Gasta à tua vontade Amélia, escolhe o que quiseres, para a nossa casa só do bom e do melhor, minha rainha.
E lá seguia eu orgulhosa, elevador acima, elevador abaixo, sobre escada, desce escada, carregada com o serviço de pirex, novidade daquele tempo, branco com florinhas azuis. Ainda me restam dois pratos de sopa, tenho-os ali debaixo dos vasos das sardinheiras, na marquise das traseiras.
Recordo-me tão bem das panelas de esmalte turquesa com riscas coloridas e até me fizeste um escaparate de madeira, para eu as expor na cozinha. O que a Otília do talho se roía de inveja, como o meu moderno trem de cozinha.
A nossa sala também era muito jeitosinha; os sofás de madeira forrados de napa bric, naperons cremes que a tua tia Carmélia nos ofereceu, alinhados na cabeceira e nos braços para os proteger do desgaste, o luxuoso desfile de tapetes, tapetinhos e tapetões floreados de verde pinheiro, para lá de sete ou oito, que mais pareciam uma colecção de selos e que se espalhavam até à passadeira do corredor, os pretos da Guiné que trouxeste da guerra, os meus livros da Modesto e o Pantagruel da minha madrinha, as crónicas femininas na cestinha de verga, sempre à mão, a tua colecção de pacotes de açúcar, canetas bic e caixas de fósforos, tudo alinhadinho dentro da cristaleira e protegido do pó, junto dos cálices de bagaço da Marinha Grande, o cão de louça branca, o quadro de perfil da senhora de vestido cor-de-laranja, a ler um livrinho ...
E a mobília do quarto, Alfredo? Madeira lacada e luzidia, último grito dos Armazéns Peixoto, com as mesinhas-de-cabeceira embutidas? Um luxo.
Lá continua, o nosso leito, sentindo todas as noites a falta de ti, homem. Quando ao anoitecer retiro a sevilhana do centro da cama e puxo a colcha de cetim branco-noiva para trás, aquela grande cheia de folhos farfalhudos que comprámos na lua-de-mel em Badajoz, dizia eu, que quando abro a cama Alfredo, e vejo as nossas duas fronhas juntas, juntinhas, até as bolinhas pretas do vestido da espanhola empalidecem, e o meu coração solitário rasga-se ao meio, saltando-me de lá, sobrecarregada de espinhos sofridos, a rosa amarela do Torel, murcha, murchinha ... a pobrezinha.

Ass: Amelinha (o meu alter-ego)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

crónicas de graça #1


O Tejo

Diz o Tejo, que anda triste a enlutar o leito de cinza-negro, quando se aproxima do mar para morrer. Já vem assim, entornado e vago, desde muito antes das colunas do cais. Há até quem jure, que o viu na mouraria num lamento pesado, porque há muito que não se escutam as guitarras e as vozes que lhes fazem companhia.
Diz o Tejo, que antes enterrava-se ali muito mais feliz, sem pó nem cascalho, estaleiros, guindastes e contentores, sem homens de costas interminavelmente voltadas para si. Já não sente a mesma vontade de se amadurecer, espalhando-se pelo mar da palha; queixa-se que lhe tirámos os peixes, os golfinhos, até as aves e que em troca o sujamos, o sovamos, o esquecemos.
Eu vou-o escutando, os velhos precisam de investir as memórias em nós, os que ficamos a assistir ao que vai sobrando.
Diz que à noite tem chorado pela mãe, Albarracín.
Sente falta das brincadeiras infantis, quando descia a serra materna a toda a brida, pulando em sulcos e fendas, em desníveis de relevo, levando atrás de si calcário, margas e arenitos que se soltavam com a sua força.
Lembra-se saudoso do encontro com o seu primo direito, Hoz Seca, o primeiro parente a afluentá-lo na sua foz, que o abraça com um emocionado caudal, maior que o próprio Tejo. Nisto, obriga-o a descer na galga, por pronunciadas gargantas encravadas na paisagem órfã de gente. Ao fundo, ainda consegue vislumbrar Guadalajara que lhe acena abalada com a violência do seu percurso; é natural, quase que o viu nascer.
Ali perto, sente-se protegido, valorizado pelas margens bordadas de uma flora rica em pisos bioclimáticos, pelos pinheiros, azinheiras, carvalhos-portugueses e juniperus.
Mais abaixo, quando gira bruscamente, outros rios-primos se aproximam e o afluem, elevando-lhe a altitude orgulhosa. E ufano, gargalha para mim.
Não se incomoda nada de derrapar nas mãos-cheias de barragens, que lhe peiam o caminho e lhe diminuem a cota, pois está a chegar a Aranjuez! Visita o Palácio Real e não se cansa do o fazer de todas as vezes. Repousa o leito estraçoado das linhas do caminho, numa albufeira seiscentista e empurra o caudal para os campos, para as culturas; oferece-se ao povo que o recolhe. No final do dia, o vaidoso, ornamenta em silêncio vegetal as magnólias dos Jardins de Aranjuez. E adormece, verde-claro, com a cadência mágica do pulso allegro e adagio, de Rodrigo na guitarra.
O sol já vai alto e núbio, quando o Tejo parte. Deixa-se levar pela corrente fluvial, pois há que beijar ainda a visigótica Toledo e numa postura monumental, atravessar-lhe as pontes. Diz-me que rio sem pontes, não chega nunca ao mar.
E já segue o meu Tejo a caminho da maioridade, ora girando para oeste, ora para este, recolhendo à esquerda e à direita outros rios que o inclinam, que lhe alteram a direcção, que lhe indicam o rumo, virando-lhe o sentido agora novamente para oeste; rios grandes e pequenos que lhe vão incrementando o caudal e aliviando o peso, às vésperas de inaugurar a estremadura caceriana e os descendentes de Moctezuma.
E lá vem ele, desarvorado por ali afora, para junto de nós povo luso, já de cota baixa, baixa ...
Passa pela velha de Rodão e inclina-se paralelo à beira mais baixa, seguindo para Belver onde a barragem o trava pela enésima vez. Em Abrantes saboreia a palha doce que lhe adoça o meandro em volta da colina da cidade, aguardando o Torto que se lhe junta pela esquerda.
Revela-me que ama profundamente, do fundo das suas águas sombrias, o seu primo Zêzere, grande contador de estórias e aventuras viriáticas. Pândego rio aquele, que o acompanha em noites de insónia; dois velhos que se apoiam um no outro, naquelas horas que já dispensam ao sono. Por isso, vê-se e deseja-se por chegar a Constância, ansioso pelo reencontro. O abraço é indefinível e sentido na pintura de Malhoa.

foto minha

Juntos partem para as muralhas medievais de Almourol, onde o cruel D. Ramiro foi alcaide. Depois de Aranjuez, é aqui onde o Tejo mais almeja repousar. Ignora a maldição do lugar e assiste nas noites de S. João, ao reaparecimento do abraço enamorado do mouro com D. Beatriz, no alto da torre do castelo. Trata-se de um romântico incurável, este rio.
Torna-se apaixonadamente raso, flutuante; mais parece uma ribeira-criança onde rãs se escondem nas pedras e pulgas de água saltitam, deixando para trás perfeitos círculos desenhados sem o auxílio equidistante do compasso. É o meu Tejo perfeito, aquele ali azul-claro, que se queda rente às minhas mãos.
Gosta de se anoitecer em águas de Santarém, prefere lá chegar de noite para assistir à festa dos toiros; é um aficionado, pois então!
Os últimos momentos de prazer vive-os em Alcochete, onde exibe com orgulho um estuário protegido legalmente, repleto de zonas húmidas, ilhotas, lodo, salinas e terrenos agrícolas. Banha-o num cumprimento emotivo, o último. Depois dá-se Lisboa e a conversão em rio-mar.
Mas Tejo, digo-lhe eu admirada, desconhecia esta tua agonia em desaguar na capital.
Baixa-me os olhos de espuma, no momento que atravessa a ponte de Abril e em tom salobre revela-me, são as gentes que se alteraram, já pouco falam ou riem, não se acometem ou arriscam sequer. Sinto falta daqueles outros homens, do audacioso e jovem Vasco, do João, dos Pedros e do Henrique sonhador. Já são muitos séculos a observar este povo que não se chega à margem; à minha, à deles. A nenhuma.
Ou então é de mim, nostalgia minha, já não sei ... pensava ser solamente del salero y de luces, mas não, não sou.
Sou do fado...


E agora, o meu querido parceiro destas crónicas quinzenais, oferece-vos de graça o seu Douro.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

junta de freguesia do blogobairro #3

Vocês tomaram atenção nisto, não sei quê, não sei quê de um grande evento no meu blogobairro? E depois nisto, a dizer que algumas sextas-feiras vão ser diferentes, de novo no meu blogobairro? E agora isto, zappings e blogocomandos?
Mas o que é que ele anda a tramar para as sextas? Não me digam que o senhor CBO quer fazer concorrência
aos magníficos vírus quinzenais, aqui do meu Ares!
Eu sou a PresidentA deste blogobairro e não fui tida nem achada. Isto não fica assim e os meus impostos, o iva, o irc, as gorjetas, as luvas e o meu saquinho azul, como é que é, oh senhor Rochedo? Vamos lá a ver, vamos lá a ver...
Blogobairrenses, todos em estado de alerta nesta sexta! Estais avisados.

Ass: A PresidentA

terça-feira, 6 de outubro de 2009

no confessionário aos 40 #2


Tenho andado de uns tempos para cá, com carteiras cada vez maiores. Cabe-me grande parte da vida lá no fundo e sinto-me precisar cada vez mais de andar com ela atrás. Não que receie que algo me fuja de repente, assim sem eu contar, mas com a vida nunca se sabe. Daí que prefira carregá-la em desafogadas bagagens de mão.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

junta de freguesia do blogobairro #2

lagos, foto minha

A Associação Zooófila Portuguesa lançou a campanha.
Basta um só telefonema; simples, rápido, sem mais nada e 0.60€+iva, revertem para ajudar centenas de animais doentes, abandonados, mal-tratados, desprezados e escorraçados por nós.
É um palco de cenas, na maior parte, tristes, indignas, revoltantes e ao Homem, tem-lhe cabido quase sempre, o papel de um dos protagonistas da história, o do mau da fita. Tantos, mas tantos casos de negligência extrema. Chocante.
Temos agora todos a oportunidade de fazermos de bons, proporcionando-lhes cuidados veterinários, melhores condições de alojamento, esterilização, alimentação.
Uma sociedade também se mede, pela forma como trata os mais fracos e desprotegidos.
Divulguem e telefonem: 760 50 10 15
.

praia do amado, foto minha

Ass: A PresidentA