terça-feira, 7 de dezembro de 2010
feliz natal
Querida vizinhança, a vossa PresidentA anda em falta, eu sei. Mas os afazeres têm sido mais do que muitos, e nem dá tempo para um postezinho mixuruca; é verdade :((((((((
Vamos ver se o ano que aí vem, me ajuda e me dá horas extra de tempo livre.
Feliz Natal e um Bom Ano, para o meu Blogobairro Querido.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
tormenta
Era a décima-quinta vez naquele ano, que Tormenta passava pelo cio. Da praia eu conseguia-a perceber. O mar ficava mais transparente, a espuma barulhava baixinho e as ondas já não rebentavam com força na areia; desmaiavam com lascívia suavemente.
Egoísta, seu marido senhor Adamastor, não queria filhos. Nestes dias escondia-se de Tormenta nas esquinas do Cabo, avistando as naus que lá vinham, carregadas de ardentes machos lusitanos. Possuído pelo ciúme as afundava, revirando o Cabo em sofrimento e morte.
Dias e dias seguidos sem lhe aparecer.
Tormenta tivera sempre muita esperança. Punha-se ainda mais bela. Penteava as ondas do cabelo, retirando-lhe os ouriços, ajeitava as algas e conchas do corpo, fazendo uma escolha nas lascadas e partidas e pedia-me que lhe trouxesse no meu bico, folhas e flores da terra. Queria enfeitar-se para o marido, senhor Adamastor.
Preferia uma menina, uma Tormentinha, para lhe ensinar a bordar sulcos profundos nas escarpas, enfiar colares de búzios e escamas de peixe, e rebentar o corpo de encontro às rochas com a força do mar, elevando-o tão alto que pudesse ver a terra do outro lado do Cabo.
Seu marido tardava. Tormenta vendo aproximar-se mais um final do seu cio, pedia-me que voasse até ele e o fosse espreitar.
Lá andava Adamastor, cruel e assassino, engolindo nos seus braços-onda, as naus que chegavam àquela dobra do Cabo, repletas de esperança.
Também a esperança de Tormenta, morria nestes dias.
Era triste vê-la chorar. O mar a perder o azul, as ondas começando no rugir, a espuma passando de branco a cinzento.
E mais uma vez, regressava sem Esperança ao Cabo a velha Tormenta.
sábado, 6 de novembro de 2010
ora aqui estamos nós
E no dia 12 de Novembro, 10 mil livros em todo o país, juntamente com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias.
Reservem já.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
policial da enforcada
O curador deu a última volta aos papéis da sua secretária, apagou a luz do candeeiro de mesa e quando esticou a mão ao bengaleiro, para retirar a sua gravata, não a encontrou. Achou estranho. Lembrava-se perfeitamente, depois da última reunião do dia, com aquele mecenas belga, de a ter desapertado e pendurado ali.
Rodopiou sobre si, numa tentativa de encontrar uma ponta de encarnado, mas nada. Resolveu então abrir a porta e sair da sua sala. Achou ridículo, mas ia perguntar à sua secretária Laurinha, se a tinha visto. Não gostava nada de confianças com o pessoal, ainda por cima, de perguntar por roupa perdida, mas... adorava aquela gravata.
No mesmo instante em que ia abrir a boca, percebeu logo que a secretária não só tinha visto a gravata, como também a havia experimentado.
Pendurada no lustre de cristal baccarat, do hall, 45 quilos de Laurinha, esgazeada de todo, de olhos revirados e língua azul, tombava a cabeça para o lado esquerdo, babando a sua gravata encarnada de seda.
Que maçada! - pensou. Dificilmente aquelas manchas iriam sair.
Recompôs-se e ainda aparvalhado com a cena, que se apresentava perante os seus olhos, o curador só se lembrou de dizer:
Laurinha! Mas que disparate é esse? Desça já daí!
terça-feira, 19 de outubro de 2010
outubro
Chega o dia do internamento. A mala está no canto do quarto, desde o dia do diagnóstico.
Quieta, ali. A encher-se de pó e de angústias. A mesma mala que tinha levado para sítios felizes e destinos expectantes. Nada como este agora, que apesar de possuir tudo de destino, pouco terá de felicidade. E ainda menos de expectação.
Glória pousa a mala na cama, sempre por fazer nestes meses, e tenta imaginar no que levar para um sítio donde não se sabe se se regressa.
Camisa de dormir? Talvez ... mas aberta à frente, ou nos lados? Discreta como o ambiente do quarto? Alegre para o contestar? Não sabe. Nunca fez isto antes.
E soutien? E porquê um soutien? Aliás, ri-se, ridícula, da sua gaveta repleta deles: pretos, cor de pele, brancos, com florinhas, riscas e corações, bolinhas e lacinhos. Não leva nenhum. Decidirá o que fazer com eles quando voltar. Se acontecer.
O telemóvel, não quer. Um livro para ler, não consegue. Papel e lápis, não precisa. Não aspira a deixar memórias.
E finalmente decide. Não leva mala nenhuma. Tantos meses ali no canto, para nada.
Mas nunca dispensará o frasco do champô. Tem uma adoração antiga com o seu cabelo comprido. Louro, como poucos. Glória quer tratar dele até ao fim, até ao último instante, até àquela data que sublinhou a encarnado na sua agenda. Onde publicou uma palavra longa que se recusa proferir.
E num ímpeto de sobrevivência, suprime da agenda aquela porção de futuro, determinada numa consulta de rotina, e anota-lhe por cima, a grosso: comprar mais champô!
Outubro - Mês de Prevenção do Cancro de Mama
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
alerta
Se numa sala de espera de um consultório, na fila do supermercado, na cadeira do cabeleireiro, ou numa ida ao cinema, escutarem conversas entre pessoas com mais 30 anos do que vocês, do tipo:
. ontem estive até tarde, à espera que me fizesses chegar as galinhas;
. já te dei os pregos, mas não me enviaste a madeira;
. então e a palha para os cavalos?
. as tuas couves estão a dar-se bem?
. comprei uma série de patos;
. podíamos partilhar os porcos.
Não, não pensem que é o êxodo rural, que a agricultura veio para ficar, que a criação de gado compensa, ou que a reforma agrária está de volta.
Não, nada disso.
Antes fosse.
É mesmo a vossa mãe - sim, a vossa própria mãe - que joga ao Farmville com as amigas...
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
vizinhos
23.30h. Lá está ela. Pontual atrás das cortinas de renda branca, camuflada pelos bordados laboriosos de pássaros, borboletas e botões de rosa. A olhar para o segundo banco do jardim.
Aqui no bairro, chamamos-lhe o banco do pudor e fica meio escondido pelos arbustos, encapuçando pares de namorados mais afoitos.
Daqui da porta da tasca, não consigo ver ninguém, mas ela, lá do seu terceiro direito, tudo observa sempre ao detalhe.
Primeiro sossegada e atenta, de olhinhos velhacos, aglutinando os preliminares. Depois vai afastando a cortina levemente, entusiasmada com o avanço da lascívia e com o andar da peganhice, escancara as portadas da janela e pronto, lá vem a gritaria moralista, alertando a vizinhança de que ela, apesar de encalhada, é uma mulher séria.
- Sua desavergonhada! - atira para os pombinhos lá no banco - Então não querem lá ver a sirigaita toda atracada ao moço! Isso é coisa que se faça em público, minha galdéria? Isto no meu tempo...
E os pássaros já adormecidos nas árvores, fogem da gritaria assustados. Os gatos escondem-se debaixo dos carros. As luzes das janelas acendem-se, revelando sombras curiosas.
E eu... eu trato de imediato de trancar a porta da tasca, que já se faz tarde. E antes que ela me venha de lá com lições de intimidade, e depois me salte para cima, raspo-me daqui. Que isto hoje é noite de lua cheia.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
nas subidas
Um saco, dois sacos, três sacos, quatro sacos de supermercado. Um palete de leite, o cão pela trela, as chaves de casa pendurada nos dedos fatigados e as cartas do correio presas na boca.
Prédio antigo, escadas estreitas de mármore gasto pelas centenas de pés que já os pisaram. Sobem-se estes degraus escuros, indefinidos, um, dois, três, quatro sem uma sobra de brilho, desejando chegar depressa ao 3º andar, o último, onde a luz da pequena clarabóia, também esgotada, existe para iluminar esta hora da vida dos privilegiados, que conseguem ainda subir até ao cimo.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
terça-feira, 28 de setembro de 2010
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
coincidências
O telefone tocou, mesmo quando ia a entrar para o duche. Podia ser importante. Vestiu o roupão e atendeu.
Era engano. Ali não morava nenhum João.
Ainda não tinha metido o pé na banheira e de novo o telefone. Entrava no duche? Não entrava? Atendia? Não atendia?
Era pelas segundas oportunidades e voltou a atender. Outra vez alguém à procura do João. Disse que não. Que não havia ninguém com o nome de João ali em casa. Tinha muita pena, mas não existia nenhum João na sua vida. Vivia sozinha.
Suspirou irritada e já com a mão a segurar a torneira, escutou outra vez o telefone. Que raiva! Sentiu-se perder a paciência e em vez de o deixar tocar e despachar-se com o banho, correu para o telefone e gritou um estou zangado.
Do outro lado a voz respondeu-lhe, olá sou eu, o João. Disseram-me que daí, não havia nenhum João na tua vida. Precisava de saber, se gostavas que passasse a haver.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
the biggest loser
Gosto bastante de ver aquele reality show dos senhores gordos. Aquilo é mesmo a doer: sérios exames médicos, treinadores ultra-exigentes, dieta rigorosa, acompanhamento psicológico, exercício físico exaustivo.
Ah, e depois também há lá aquele treinador; o Bob!
Os concorrentes sofrem as estopinhas, constantemente em cima da passadeira a correr que nem uns desalmados, step acima e step abaixo, abdominais de 180cº, pesos que mais parecem rodas de camião, exercícios de elásticos, enormes bolas de stress. E bufam, e choram, e gritam, e reclamam, e desistem, e recomeçam, e dizem palavrões, e desmaiam...
Os concorrentes sofrem as estopinhas, constantemente em cima da passadeira a correr que nem uns desalmados, step acima e step abaixo, abdominais de 180cº, pesos que mais parecem rodas de camião, exercícios de elásticos, enormes bolas de stress. E bufam, e choram, e gritam, e reclamam, e desistem, e recomeçam, e dizem palavrões, e desmaiam...
Ah, e depois também há lá aquele treinador; o Bob!
Aquilo é um programa à americana, eu sei. Está feito para que não despeguemos o olho do ecrã, carregadinho de truques, competição, pequenas traições e manipulações, jogos de bastidores e afins. Mas na verdade é que aquela malta emagrece, mas emagrece a valer. E não são só alguns gramas, são quilos e quilos de banha que se perdem a cada semana. Até fico parva com tanta caloria.
Ah, e depois também há lá aquele treinador; o Bob!
Não é só show televisivo, e isso é o que eu gosto mais de ver no Biggest Loser. Não é só blá-blá de boca, ali vemos os resultados de dia para dia. São-nos mostrados in loco os erros que cometemos todos os dias na alimentação, e como isso pode ser muito facilmente contornado. Revela o que a inércia e o sedentarismo fazem à nossa saúde física e psicológica, e principalmente, prova que a força de vontade leva-nos aonde quisermos. É um programa motivador.
Ah, e depois também há lá aquele treinador; o Bob!
Mesmo depois de expulsos, os concorrentes continuam a perder peso em casa, pois ainda está em jogo um prémio de não sei quantos mil dólares para aquele que, já não estando a disputar a final, continue a ser incentivado e siga com a vida saudável aprendida durante o programa. E contagiam a mulher, o marido, os filhos, os irmãos, os avós, os tios, os primos e a vizinhança toda.
É só saúde.
É só saúde.
Ah, e depois também há lá aquele treinador; o Bob!
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
regresso às aulas
A porta escancarava-se instantes antes dela chegar.
Como que prevendo a apoteose da sua entrada, ganhava novas frestas no seu porte secular e choravam as dobradiças aflitas. As nossas secretárias e cadeiras de madeira nobre, morriam agora, metamorfoseadas em pedra fria e tumular.
Rostos celestes, solidificavam de expectativa mórbida, perante a imagem de olhos baços, testa de longitude planetária e sorriso de lâmina de barbear, que pertenciam à freira mais temida do colégio: Sister Agnes.
- Good morning girls. How are you today?
E antes que respirássemos e os vincos da farda a estrear, se nos vincassem no corpo franzino...
-Bad, I supposed!
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
segunda-feira, 19 de julho de 2010
'tou no ir ... de férias III
Oficialmente.
Um excelente descanso para todos e até...talvez Setembro.
Publicada por Patti à(s) 13:45 16 Ares
tags só meu-férias
sexta-feira, 16 de julho de 2010
crónicas de graça #15
A Escrita
Não nos conhecíamos. Não tínhamos sido apresentados. Não havia amigos em comum. Afinidades. Parecenças. Uma coisa nos uniu: a escrita.
Grande parte de nós não se conhece pessoalmente, não se viu nem por fotografia, nunca se ouviu, trocou um simples mail ou conversou num chat. E as probabilidades disso acontecer, são na maioria dos casos muito reduzidas. Só temos isto, encontrarmo-nos todos os dias aqui pelo prazer da escrita. Para onde ela nos lança, o que nos causa, o que nos concede, como nos enlaça, e estende, e prolonga, e vicia.
Podemos chamar a isto uma relação? Julgo que sim. Ou melhor, tenho a certeza que sim. Relação, ligação, amizade, convivência, envolvimento, compromisso, união, vínculo. O que quiserem.
Esta crónica já tinha o seu título definido há algum tempo, entre mim e ele. Mas talvez porque os blogs andam mais calmos, senão inactivos - muitos deles desaparecidos - o clima dá preguiça, o cansaço também urge, e o facebook é rival de peso, surgiriam temas mais meditativos como este: a razão porque se escreve. De uns tempo para cá, tenho lido muitos posts sobre escrita, a acto de escrever, as dificuldades que ela traz, o gozo que dá, como nos revolve, o pavor da página em branco, o sumiço da inspiração, a dependência diária de escrever pelo menos duas linhas, o tormento, a revelação.
Para mim ela é uma descoberta ainda fresca, que me veio desordenar o caminho, mas de uma forma sã. É uma experiência de vasculho, amotinações e remexidas, donde tenho saído sempre ilesa. Para uns a escrita é sofredora, dor interior, angústia companheira e mesmo assim, enlace indissolúvel e perpétuo. Não é o meu caso. Sim, já demos também o nó - e espero que vitalício - mas talvez porque ainda ando a buscar saber no berço das palavras, a testar o resultado das minhas tentativas e provas na escrita, dela só tenho adquirido exultação. E festa, porque ao mesmo tempo, como digo ali na coluna da direita, estou mais tempo comigo. E gosto.
Ah, mas é difícil escrever. Muito difícil. Porque as palavras já foram todas inventadas, como ligá-las sem mácula é que ainda não. E só por isso é melhor.
É ao meu querido parceiro, a quem eu devo a existência destas cónicas, que durante meses me deram muito trabalho, apego, satisfação, consolo, descoberta e sobretudo muita amizade e estima por um desconhecido, que um dia me fez este agradabilíssimo e inesperado convite. Tem sido um prazer, Carlos. Sem expectativas goradas, pelo contrário, reafirmação na minha crença muito pessoal, de que ainda se pode confiar, esperar e acreditar nos outros.
Hoje escreve-se o fim destas crónicas, porque tudo tem o seu desfecho. Escreveram-se trinta. Outras tantas ficaram por contar, pensamentos por revelar, reflexões por anunciar, opiniões por esclarecer.
Talvez voltem. Noutro formato. Aqui nunca se sabe, porque no blogobairro vive-se dela, da escrita.
E do seu Rochedo, Carlos, o que se escreve?
Para mim ela é uma descoberta ainda fresca, que me veio desordenar o caminho, mas de uma forma sã. É uma experiência de vasculho, amotinações e remexidas, donde tenho saído sempre ilesa. Para uns a escrita é sofredora, dor interior, angústia companheira e mesmo assim, enlace indissolúvel e perpétuo. Não é o meu caso. Sim, já demos também o nó - e espero que vitalício - mas talvez porque ainda ando a buscar saber no berço das palavras, a testar o resultado das minhas tentativas e provas na escrita, dela só tenho adquirido exultação. E festa, porque ao mesmo tempo, como digo ali na coluna da direita, estou mais tempo comigo. E gosto.
Ah, mas é difícil escrever. Muito difícil. Porque as palavras já foram todas inventadas, como ligá-las sem mácula é que ainda não. E só por isso é melhor.
É ao meu querido parceiro, a quem eu devo a existência destas cónicas, que durante meses me deram muito trabalho, apego, satisfação, consolo, descoberta e sobretudo muita amizade e estima por um desconhecido, que um dia me fez este agradabilíssimo e inesperado convite. Tem sido um prazer, Carlos. Sem expectativas goradas, pelo contrário, reafirmação na minha crença muito pessoal, de que ainda se pode confiar, esperar e acreditar nos outros.
Hoje escreve-se o fim destas crónicas, porque tudo tem o seu desfecho. Escreveram-se trinta. Outras tantas ficaram por contar, pensamentos por revelar, reflexões por anunciar, opiniões por esclarecer.
Talvez voltem. Noutro formato. Aqui nunca se sabe, porque no blogobairro vive-se dela, da escrita.
E do seu Rochedo, Carlos, o que se escreve?
sábado, 10 de julho de 2010
já estão perto
E com as férias aí muito próximas, vou-me eu afastando pouco a pouco do computador, dos mails, da net, dos blogs. Cada vez mais o virtual deixa de fazer sentido, nesta época de céu sempre limpo.
Despeço-me nesta sexta, com a habitual Crónica de Graça.
Tanta, mas tanta coisa lá fora para ver e fazer...
sexta-feira, 2 de julho de 2010
crónicas de graça #14
O Descanso
O primeiro sinal que me diz que estou a precisar dele, do dito descanso, é quando fico sem vontade nenhuma de entrar na cozinha e pôr-me ao fogão. Não me apetece fazer nem o almoço, nem o jantar, nem doces, nem nada. Logo eu, que adoro cozinhar. Está o caldo entornado, é o descanso que já tarda.
Depois vêm os outros sintomas: nas minhas muitas voltas diárias, às vezes fico parada a pensar onde é que ia, coloco um pacote de leite vazio dentro do frigorífico, olho para o elevador e por telepatia ordeno-lhe que desça e, por fim, tento abrir a porta de casa com o comando do carro.
Férias. Estou a precisar de férias. Daquelas longas, com três semanas seguidas no mínimo, onde abundam esplanadas com música calma de fundo, espreguiçadeiras, sombras e brisas, sol da manhã, nada de horários, muita leitura e i-pod e não fazer simplesmente nada. Nada de nada. Só olhar os que passam, sem nenhuma coisa em que pensar.
É o sossego, pouca gente, silêncio e acalmia o que se quer. Não à barafunda, aos magotes de veraneantes, filas e excitações solares.
Isto na primeira semana, porque nas seguintes já se me arrebita a vontade dos passeios, de ir saber de outras praias, outras terras, gentes e comeres. Digo eu, que muita lazeira pegada também farta. Essa fica para aqueles fins-de-semana grandes, que se pegam a uma sexta ou a uma segunda, em que só apetece o papo para o ar, arrastar o corpo calão até à beira da piscina, e ficar por ali alapada ao sol e ver a relva a crescer.
Nas férias grandes, basta-me então a primeira semana de preguiça. Era mais a cabeça, do que o corpo, que me pedia paz e quietação. Precisava que eu arquivasse ficheiros antigos, que ordenasse outros e que colocasse na lista de prioridades aqueles mais esquecidos.
Feito isto, vem ele pedir-me actividade. Entenda-se: movimento, pequenas jornadas, expedições, encontros, passeios e cruzadas gastronómicas. Corridas na areia, raquetes de madeira, sair do sol lá pelas oito, puxar-lhe os raios até às nove, entardecer no bar da praia com música ao vivo e caipirar ou sangrar em branco muito fresco, chinelar pelo deck e arrastar saias compridas por cima de biquínis molhados.
É que a cabeça não sabe, mas quando o corpo se anima é ela que descansa.
E com o meu querido parceiro, como vai isso de repouso?
Depois vêm os outros sintomas: nas minhas muitas voltas diárias, às vezes fico parada a pensar onde é que ia, coloco um pacote de leite vazio dentro do frigorífico, olho para o elevador e por telepatia ordeno-lhe que desça e, por fim, tento abrir a porta de casa com o comando do carro.
Férias. Estou a precisar de férias. Daquelas longas, com três semanas seguidas no mínimo, onde abundam esplanadas com música calma de fundo, espreguiçadeiras, sombras e brisas, sol da manhã, nada de horários, muita leitura e i-pod e não fazer simplesmente nada. Nada de nada. Só olhar os que passam, sem nenhuma coisa em que pensar.
É o sossego, pouca gente, silêncio e acalmia o que se quer. Não à barafunda, aos magotes de veraneantes, filas e excitações solares.
Isto na primeira semana, porque nas seguintes já se me arrebita a vontade dos passeios, de ir saber de outras praias, outras terras, gentes e comeres. Digo eu, que muita lazeira pegada também farta. Essa fica para aqueles fins-de-semana grandes, que se pegam a uma sexta ou a uma segunda, em que só apetece o papo para o ar, arrastar o corpo calão até à beira da piscina, e ficar por ali alapada ao sol e ver a relva a crescer.
Nas férias grandes, basta-me então a primeira semana de preguiça. Era mais a cabeça, do que o corpo, que me pedia paz e quietação. Precisava que eu arquivasse ficheiros antigos, que ordenasse outros e que colocasse na lista de prioridades aqueles mais esquecidos.
Feito isto, vem ele pedir-me actividade. Entenda-se: movimento, pequenas jornadas, expedições, encontros, passeios e cruzadas gastronómicas. Corridas na areia, raquetes de madeira, sair do sol lá pelas oito, puxar-lhe os raios até às nove, entardecer no bar da praia com música ao vivo e caipirar ou sangrar em branco muito fresco, chinelar pelo deck e arrastar saias compridas por cima de biquínis molhados.
É que a cabeça não sabe, mas quando o corpo se anima é ela que descansa.
E com o meu querido parceiro, como vai isso de repouso?
quarta-feira, 30 de junho de 2010
segunda-feira, 28 de junho de 2010
quinta-feira, 24 de junho de 2010
[15] bom fim de semana
Há livros que se agradecem.
Por nos mostrarem que o difícil engenho da escrita, pode parecer tão fácil.
Publicada por Patti à(s) 22:34 8 Ares
tags livros-ernestina
quarta-feira, 23 de junho de 2010
metáforas
Livro: folhas, papel, maço, folhoso, encadernação, viagem, sonho, companhia, meditação, descoberta, desafio, encontro, luz, mundo, insónia, silêncio, recordação, gozo, obra, branco, livraria, estante, ideia, mundo, fantasia, comoção, vida, devaneio, colisão, centro, acalmia, perdição, despertar, música, fantasma, brilho, escalar, aberto, inspiração, tempo, saída, fuga, razão, provocar, memória ...
E fica assim:
Livro: Viagem folhosa; encontro de papel; maço de silêncio; vida de insónia; companhia de fuga...
E agora vocês...
segunda-feira, 21 de junho de 2010
folhear
Noutro dia pediram-me para que respondesse sem pensar, assim de um golpe só, qual era o meu maior prazer. Aquele que eu não podia viver sem. E eu, que gostava de ter sido um dia cantora, respondi a música.
Acompanho música com tudo. No paredão, a guiar, a conversar, no despertador a acordar, a comer, no blog, a esplanar, a trabalhar, de fundo durante uma reunião, a cozinhar, nos passeios fotográficos.
E a escrever então, é essencial. Basilar. Sustentáculo.
Mas a ler não.
A ler não há mais nada. Não preciso.Acompanho música com tudo. No paredão, a guiar, a conversar, no despertador a acordar, a comer, no blog, a esplanar, a trabalhar, de fundo durante uma reunião, a cozinhar, nos passeios fotográficos.
E a escrever então, é essencial. Basilar. Sustentáculo.
Mas a ler não.
Sem ler não dá para ser.
Publicada por Patti à(s) 11:36 11 Ares
tags só meu-ler
sexta-feira, 18 de junho de 2010
quarta-feira, 16 de junho de 2010
segunda-feira, 14 de junho de 2010
meu o início, vosso o final #3
Vai já para uma semana que o vizinho lhe perturba as noites, com as suas intermináveis horas ao piano. Nunca o viu, sabe que é músico e que se mudou para a casa amarela há pouco tempo. Foi a primeira coisa que lhe disseram na vila, quando Maria regressou à sua casa de infância.
Durante o dia ninguém o vê. Trazem-lhe da mercearia as encomendas que ele deixa escritas numa lista, presa numa pedra junto ao portão da casa.
Quando se recolhe no banco de pedra, debaixo do manto de glicínias lilases, Maria espreita a casa amarela por entre a vinha, na esperança curiosa de vislumbrar alguma coisa. Ou alguém.
Mas nada. Há um mês que ali se encontra em recuperação e do seu vizinho músico nem um sinal.
Só notas incómodas de um piano nocturno, que lhe rouba horas de sono.
...e agora, leitores do meu blogobairro, continuam vocês a história. Aqui ou no vosso blog.
Durante o dia ninguém o vê. Trazem-lhe da mercearia as encomendas que ele deixa escritas numa lista, presa numa pedra junto ao portão da casa.
Quando se recolhe no banco de pedra, debaixo do manto de glicínias lilases, Maria espreita a casa amarela por entre a vinha, na esperança curiosa de vislumbrar alguma coisa. Ou alguém.
Mas nada. Há um mês que ali se encontra em recuperação e do seu vizinho músico nem um sinal.
Só notas incómodas de um piano nocturno, que lhe rouba horas de sono.
...e agora, leitores do meu blogobairro, continuam vocês a história. Aqui ou no vosso blog.
sexta-feira, 11 de junho de 2010
crónicas de graça #13
Mundial de Futebol
- os dramas de uma mulher -
O pior mesmo, é quando ele arrota de satisfação no fim do jogo da nossa selecção. Isto quando ela ganha, pois se perde é um soltar de palavrões, que nem vos digo nem vos conto. A sonoridade gutural que vem das profundezas do peito do meu Adérito, assemelha-se ao júbilo feito por uma manada de elefantes, quando encontra um charco perdido no meio da savana.- os dramas de uma mulher -
O velho cadeirão de orelhas estremece o casco, as paredes abrem novas rachas no estuque, o gato desaparece durante dois dias, nos meus ouvidos há um eco infinito e se tenho o azar de estar a pintar as unhas dos pés, nasce-me uma obra abstracta que vai desde o dedo grande ao calcanhar.
Eu sou daquelas que rogo a todos os santinhos do desporto, para que não andemos nunca metidos em mundiais e europeus. A minha vida vira um inferno, ainda ninguém sabia se íamos ou não jogar lá nas áfricas, já a minha rica moradia se encontrava enfeitada de cima a baixo de bandeiras verdes e encarnadas; a fonte de pedra colocada no meio do jardim, com um menino a deitar água pelo cântaro, foi o Adérito substituí-la por uma imagem do Cristiano Ronaldo, esculpida numa daquelas poses que o rapaz faz, com a bola equilibrada na cabeça; a colunata com alcachofras que ladeiram o portão, foram mudadas para bustos do senhor Queiroz; no azulejo por cima do alpendre, pintado com a Senhora de Fátima, vai ele e manda desenhar um par de vuvuzelas entrelaçadas - só dessas malditas cornetas zulu, já cá tenho oito - e como se não bastasse, encarregou-me de bordar os nomes dos onze jogadores, numas camisolas de alças que ele comprou à Alcina, a cigana da feira cá da freguesia. É que vocês não estão bem a ver, aqueles homens todos, gordos e peludos, de camisolinha de alças, a chorar, aos abraços e encontrões, pois não?
Anda-me desarvorado, o homem.
-Oh melhér, eu não tenho cá tempo para logísticas, trata tu das comezainas e da beberagem, por favor. Tenho programas muito interessantes, para assistir sobre o mundial na televisão, que servem para um gajo se preparar em condições para o campeonato. Ainda para mais, são todos muito diferentes uns dos outros, com comentadores eruditos, de visões futuristas, intelectuais até! E os jornais que tenho de ler? Notícias espantosas, originais, sem especulações, nem mentiras e boatos. É assim que um gajo se cultiva, oh Brucelina. Nos dias em que joga a nossa selecção, devia ser feriado nacional!
E pronto, a conversa não passa disto: que ler a Bola é ter interesses literários; que se o povo gosta é disto, então é só disto que lhe devemos dar, quais livros, teatro e cinema, qual carapuça; que o futebol devia ser disciplina obrigatória nas escolas; que se deve impingir nos nossos filhos mal nasçam, que quais cursos quais quê, há que estar mas é de olho nos carrões, nos brincos reluzentes e nas loiraças dos rapazes do futebol.
Em dia de jogo, coitadinha de mim, nem quatro horinhas durmo eu seguidas. Há festa da grossa aqui na moradia, pois abancam cá os amigalhaços do Adérito, e quem arca com tudo, é aqui a Brucelina d'Ascenção Peixoto. Essa é que é essa, meus amigos!
No gravador da sala, já lá grita vai para uma semana, o hino nacional, cantado pelo coro aqui da junta; em fila indiana, na arca frigorífica já eu alinhei e aconcheguei, para cima de uma meia dúzia de grades de cerveja; cozi pela madrugada duas tachadas de caracóis, com nacos de toucinho; encomendei um alguidar de tremoço gordo; salguei de véspera dezenas de couratos, febras e costeletas do lombo, para os maganões parceiros do Adérito.
E se nós perdermos? Eu rezo de novo a todos os santinhos, mas desta vez aos das colectividades desportivas, que me acudam. Há lá coisa pior de aturar, do que homens trombudos e descompensados com dissertações futebolísticas, discussões de pedibola e polémicas do balípodo?
Minutos antes, aquele jogador era o melhor da equipa, agora é a pior porcaria que já alguma vez pôs os pés no esférico, o não sei quantos é que devia ter sido seleccionado para guarda-redes, mas agora este, que defendeu dois penalties, é o magnata das redes, o treinador não pesca nada do assunto, mas como ganhou hoje, já é o rei dos relvados, o presidente da federação só lá está porque quer viagens e tacho, mas como ficamos nos primeiros lugares, é um homem trabalhador e honrado, a nossa participação nestes campeonatos dá nome à nação, mas se vimos de lá sem glória, só servimos para gastar o dinheiro dos contribuintes e cooperar para a falência da pátria mãe. Livra, gentinha esta que não sabe o que quer!
Mas o meu Adérito diz que não é nada disso, sou eu que ouço coisas e que não entendo nada de cultura, que não tenho noção do que falo.
O que eu sei, é que até gosto que os rapazes joguem bem e venham de lá satisfeitos, isso sim. Mas chega e basta.
Agora torcer, torcer, com os salários que eles ganham, com os prémios que recebem, com os contratos aos champôs linic e outros que tais, e com a trabalheira que eu aqui vou ter por causa deles, eles que torçam mas é por mim: Brucelina d'Ascenção Peixoto!
E o meu querido parceiro, conhece algum outro género de apreciador?
Eu sou daquelas que rogo a todos os santinhos do desporto, para que não andemos nunca metidos em mundiais e europeus. A minha vida vira um inferno, ainda ninguém sabia se íamos ou não jogar lá nas áfricas, já a minha rica moradia se encontrava enfeitada de cima a baixo de bandeiras verdes e encarnadas; a fonte de pedra colocada no meio do jardim, com um menino a deitar água pelo cântaro, foi o Adérito substituí-la por uma imagem do Cristiano Ronaldo, esculpida numa daquelas poses que o rapaz faz, com a bola equilibrada na cabeça; a colunata com alcachofras que ladeiram o portão, foram mudadas para bustos do senhor Queiroz; no azulejo por cima do alpendre, pintado com a Senhora de Fátima, vai ele e manda desenhar um par de vuvuzelas entrelaçadas - só dessas malditas cornetas zulu, já cá tenho oito - e como se não bastasse, encarregou-me de bordar os nomes dos onze jogadores, numas camisolas de alças que ele comprou à Alcina, a cigana da feira cá da freguesia. É que vocês não estão bem a ver, aqueles homens todos, gordos e peludos, de camisolinha de alças, a chorar, aos abraços e encontrões, pois não?
Anda-me desarvorado, o homem.
-Oh melhér, eu não tenho cá tempo para logísticas, trata tu das comezainas e da beberagem, por favor. Tenho programas muito interessantes, para assistir sobre o mundial na televisão, que servem para um gajo se preparar em condições para o campeonato. Ainda para mais, são todos muito diferentes uns dos outros, com comentadores eruditos, de visões futuristas, intelectuais até! E os jornais que tenho de ler? Notícias espantosas, originais, sem especulações, nem mentiras e boatos. É assim que um gajo se cultiva, oh Brucelina. Nos dias em que joga a nossa selecção, devia ser feriado nacional!
E pronto, a conversa não passa disto: que ler a Bola é ter interesses literários; que se o povo gosta é disto, então é só disto que lhe devemos dar, quais livros, teatro e cinema, qual carapuça; que o futebol devia ser disciplina obrigatória nas escolas; que se deve impingir nos nossos filhos mal nasçam, que quais cursos quais quê, há que estar mas é de olho nos carrões, nos brincos reluzentes e nas loiraças dos rapazes do futebol.
Em dia de jogo, coitadinha de mim, nem quatro horinhas durmo eu seguidas. Há festa da grossa aqui na moradia, pois abancam cá os amigalhaços do Adérito, e quem arca com tudo, é aqui a Brucelina d'Ascenção Peixoto. Essa é que é essa, meus amigos!
No gravador da sala, já lá grita vai para uma semana, o hino nacional, cantado pelo coro aqui da junta; em fila indiana, na arca frigorífica já eu alinhei e aconcheguei, para cima de uma meia dúzia de grades de cerveja; cozi pela madrugada duas tachadas de caracóis, com nacos de toucinho; encomendei um alguidar de tremoço gordo; salguei de véspera dezenas de couratos, febras e costeletas do lombo, para os maganões parceiros do Adérito.
E se nós perdermos? Eu rezo de novo a todos os santinhos, mas desta vez aos das colectividades desportivas, que me acudam. Há lá coisa pior de aturar, do que homens trombudos e descompensados com dissertações futebolísticas, discussões de pedibola e polémicas do balípodo?
Minutos antes, aquele jogador era o melhor da equipa, agora é a pior porcaria que já alguma vez pôs os pés no esférico, o não sei quantos é que devia ter sido seleccionado para guarda-redes, mas agora este, que defendeu dois penalties, é o magnata das redes, o treinador não pesca nada do assunto, mas como ganhou hoje, já é o rei dos relvados, o presidente da federação só lá está porque quer viagens e tacho, mas como ficamos nos primeiros lugares, é um homem trabalhador e honrado, a nossa participação nestes campeonatos dá nome à nação, mas se vimos de lá sem glória, só servimos para gastar o dinheiro dos contribuintes e cooperar para a falência da pátria mãe. Livra, gentinha esta que não sabe o que quer!
Mas o meu Adérito diz que não é nada disso, sou eu que ouço coisas e que não entendo nada de cultura, que não tenho noção do que falo.
O que eu sei, é que até gosto que os rapazes joguem bem e venham de lá satisfeitos, isso sim. Mas chega e basta.
Agora torcer, torcer, com os salários que eles ganham, com os prémios que recebem, com os contratos aos champôs linic e outros que tais, e com a trabalheira que eu aqui vou ter por causa deles, eles que torçam mas é por mim: Brucelina d'Ascenção Peixoto!
E o meu querido parceiro, conhece algum outro género de apreciador?
Publicada por Patti à(s) 00:01 11 Ares
tags mundial de futebol
quarta-feira, 9 de junho de 2010
uma receita
Agora de volta ao forno e aos seus suspiros cor-de-rosa, e enquanto juntava uma pitada de sal às claras frescas, que ia batendo em castelo bem firme, Pimpinella meditava sobre a perspectiva de poder abraçar aquela oportunidade. Ser doceira numa pastelaria arrojada, de renome internacional. E fugir ao seu pardo dia-a-dia.
A sensação de que deveria aceitar aquele convite, tornou-se ainda mais forte, quando juntou o brilho do açúcar às claras e teve de as bater sofregamente.
Até se encheu de calores. Parecia que a receita crescia em seu favor, fermentando esta sua nova vontade.
E o aspecto do creme? Magnífico se tornava a cada gesto. Principalmente, depois de Pimpinella lhe ter juntado a gelatina de morango.
Mas foi no momento em que as claras se tornaram altas e duras, ocasião indicada para lhes verter o sumo de um limão, que uma gota lhe fugiu do fruto e lhe arrepiou um pequeno arranhão que tinha na mão. O ácido fê-la atirar um grito pelo ardor, e ao invés de se refugiar no sofrimento, o intenso queimor acometeu Pimpenella de um daqueles desejos fortes, quase físicos, que não reconhecem barreiras. Só metas.
Por altura de encher o saco de pasteleiro e moldar os suspiros, sobre um tabuleiro forrado a papel vegetal e o meter no forno, já Pimpinella, num instante de irrevogável verdade, ganhara todas as certezas do mundo.
Iria mudar de vida e começar a trabalhar na célebre doçaria.
A sensação de que deveria aceitar aquele convite, tornou-se ainda mais forte, quando juntou o brilho do açúcar às claras e teve de as bater sofregamente.
Até se encheu de calores. Parecia que a receita crescia em seu favor, fermentando esta sua nova vontade.
E o aspecto do creme? Magnífico se tornava a cada gesto. Principalmente, depois de Pimpinella lhe ter juntado a gelatina de morango.
Mas foi no momento em que as claras se tornaram altas e duras, ocasião indicada para lhes verter o sumo de um limão, que uma gota lhe fugiu do fruto e lhe arrepiou um pequeno arranhão que tinha na mão. O ácido fê-la atirar um grito pelo ardor, e ao invés de se refugiar no sofrimento, o intenso queimor acometeu Pimpenella de um daqueles desejos fortes, quase físicos, que não reconhecem barreiras. Só metas.
Por altura de encher o saco de pasteleiro e moldar os suspiros, sobre um tabuleiro forrado a papel vegetal e o meter no forno, já Pimpinella, num instante de irrevogável verdade, ganhara todas as certezas do mundo.
Iria mudar de vida e começar a trabalhar na célebre doçaria.
Não querem lá passar?
segunda-feira, 7 de junho de 2010
segunda-feira, 31 de maio de 2010
sexta-feira, 28 de maio de 2010
crónicas de graça #12
Gostaria de deixar aqui bem claro, que não entendo o convite para a minha participação nesta Crónica de Graça, apesar de muito me honrar, mas cá vai a minha opinião.
Toda a gente aqui do bairro sabe, que sou uma mulher recatada, de poucas confianças e que não gosto de me meter na vida de ninguém. A minha existência não tem segredos: casa, mercearia, padaria, praça, igreja, jardim da Graça, 28 para a baixa e casa outra vez. Claro, que agora ando de namoro pegado com o Xavier do talho, mas é uma coisa muito séria, à moda de outros tempos. Namoro recatado, um compromisso sincero a pensar no futuro, encontros decentes, distantes o quanto baste e conversas como deve ser. Eu não quero abrir a boca, valha-me Santa Luzia, mas não sou como umas e outras que vejo por aí, sempre atracadas ao pescoço dos homens, que não os deixam respirar, vestidas de forma indecente, com roupa desonesta que revelam tudo ao bairro. Só ao bairro não, ao mundo! Que os motoristas daquelas camionetas todas que param aqui no miradouro, cheias de turistas esbranquiçados, bem que ficam de olhinho arregalado à coca das carnes rechonchudas, que saem debaixo daquelas vestimentas indecorosas. E elas gostam, as desavergonhadas, que eu bem as vejo lá da minha varanda, a rodopiarem pelos passeios e a roçarem-se no muros, lânguidas como gelados de caramelo a escorrer pelos cones de baunilha.
E as mães delas? Pior do que as filhas, só vos digo. Eu é que não gosto de falar de ninguém, até porque pelas costas dos outros se vêem as nossas, mas é que o raça das mulheres não me saem do parapeito das varandas todo o santo dia, no leva e traz, leva e traz, leva e traz. Caramba, até paninhos almofadados elas fizeram e colocaram no varandim, para não magoarem os refegos dos braços gordos e peludos, enquanto metem o bedelho na vida do bairro todo. Línguas de trapo, é o que é. Melhor faziam elas, aquelas aguilhões de lacrau, se fossem dar conta da barrela da casa, limpar os centímetros de pó de cima das camilhas, sacudir os naperons, arredar móveis e aspirar o cotão que cresce junto aos rodapés, arranhar a gordura da chaminé, arear os tachos e separar o gorgulho do arroz e do feijão catarino.
E isto, ainda não é nada. Eu é que sou mulher de não fazer alardes, escuto o que elas falam de umas varandas para as outras, enquanto rego as minhas plantas e dou de comer ao canário, mas nunca alvitro nada, nem sequer dou conversa. Isso queriam elas, as aleivosas.
E quando as comadres se resolvem encanitar umas com as outras? É que nem queiram saber. Aquilo é um lavar de roupa suja, um desce escada, sobe escada, um abre a janela, fecha a janela, um entra e sai das casas uma das outras, que eu nem sei como é que aquela gente dá conta de tanta bisbilhotice. Eu cá baralhava-me toda. A mim é que nunca me deu para ser quadrilheirona, mas se eu vos contasse as coisas que tenho ouvisto...
Bom, a Odete da peixaria é uma aldrabona de primeira linha. Na bancada só tem pescada de três dias que diz ter chegado agora da lota, e já o peixe está mais do que falecido e ainda ela apregoa feito varina, oh fregueeeeeesa, venha cá que é fresquinho! O Onofre, o padeiro que andou enamorado da minha pessoa como muito bem sabem, rouba no fermento e no açúcar das delícias folhadas, que eu quando o visitava de madrugada na ideia de trazer o primeiro cacete do dia, bem me apercebi da marosca. A Lurdinhas da mercearia é outra, tem sido sempre tão boa rapariga e até me ensinou estrangeiro e tudo, mas agora descobri que é uma grande lambisgóia. Então não se atraca a tudo o que é homem das entregas das paletes? Quer sejam elas de leite, de cerveja, de água com gás ou de saquetas de chá verde. Vai tudo a eito e depois queixa-se que é muito doente, que lhe sobem os calores, e que anda com os triglicerinos no máximo.
Eu é que estou sempre metida em casa, na minha lida e não me meto com a vida de ninguém, mas ainda assim, o mulherio morre de inveja de mim. Dizem que eu, Amelinha Santos de Jesus, uma santa e virtuosa temente a Deus, que até à missa ainda vou de véu, que jamais na minha vida usei um biquíni e que nunca vi nenhum homem de roupa interior, nem o meu Alfredo que já partiu, sou mas é uma grande interesseirona, que catrapisco todos os homens com estabelecimentos do bairro e - ouçam lá bem - que só ando de namoro pegado com o Xavier talhante, porque quero é saber dos lucros das febras e do entrecosto.
Eu, que até vegetarôna sou!
Ass: Amelinha
E o senhor CBO, diga-me lá o que é que pensa disto tudo. É jornalista não é...?
quinta-feira, 27 de maio de 2010
quando a hora avança II
Noctívago atraía a si todo o tipo de noites: as escuras de segredos calados, as estreladas de juras íntimas, as de lua cheia e lobisomens, as longas de inverno e as frescas de primavera. Dependendo do grau de escuridão, Noctívago vagueava seguro entre a insónia e o sonambulismo, encoberto do risco da luz.
A si vinham sem receio das revelações do clarão, as trevas rasteiras, o piar dos mochos, as almas sem cama e sem sonho, os vaga-lumes, o ciciar dos grilos, os poetas sofredores.
Mas uma noite houve, em que Noctívago esquecendo-se de ler a história para adormecer antes que fosse dia, amanheceu sem que desse por isso.
Sentiu-se perdido, cego. Não conhecia nada do que via à luz. Aterrorizou-se.
Nisto, efervescendo das últimas sombras de noite, rasgava-se do fundo da terra um estado de incandescência fantasma de que a lua já lhe havia falado. Uma tal de estrela amarela que por meio do seu poder luminoso, desvendava sem permissão a segurança da escuridão de Noctívago, expondo à luz do dia os seus becos e segredos mais opacos.
Mas uma noite houve, em que Noctívago esquecendo-se de ler a história para adormecer antes que fosse dia, amanheceu sem que desse por isso.
Sentiu-se perdido, cego. Não conhecia nada do que via à luz. Aterrorizou-se.
Nisto, efervescendo das últimas sombras de noite, rasgava-se do fundo da terra um estado de incandescência fantasma de que a lua já lhe havia falado. Uma tal de estrela amarela que por meio do seu poder luminoso, desvendava sem permissão a segurança da escuridão de Noctívago, expondo à luz do dia os seus becos e segredos mais opacos.
Publicada por Patti à(s) 09:57 8 Ares
tags só meu-entidades
terça-feira, 25 de maio de 2010
junta de freguesia do blogobairro #4
Hoje é o Dia Europeu do Vizinho. E nós, vizinhança virtual, também comemoramos.
E mais, com os poderes que aufiro, estendo esta celebração aos inquilinos que moram no continente do outro lado do oceano.
E mais, com os poderes que aufiro, estendo esta celebração aos inquilinos que moram no continente do outro lado do oceano.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
a senhora ...
... que toma conta das casas-de-banho do paredão, onde eu faço os meus quilómetros matinais, colocou debaixo do chafariz uma taça com água para os cães que por ali se passeiam. Os de trela e os outros, que eu já vi. E alerta os donos para tal.
Pequenas coisas, que tornam as pessoas maiores.
Pequenas coisas, que tornam as pessoas maiores.
Publicada por Patti à(s) 10:14 10 Ares
tags no paredão
sexta-feira, 21 de maio de 2010
vírus* num blog sério e familiar #12
Bom fim-de-semana!
(Não se esqueçam, façam uma pausa no expediente).
(Não se esqueçam, façam uma pausa no expediente).
* quem é que não se lembra disto?
Publicada por Patti à(s) 07:48 10 Ares
tags hora coca-cola diet
quinta-feira, 20 de maio de 2010
corredor
Como todos os que conheço, aquele era um corredor esquecido e desprezado, por quem habitava o velho andar da Sidónio Pais.
Tomado unicamente por um local de passagem, de acesso às outras divisões, era desprovido de qualquer tipo de interesse. A excepção era feita por antigas molduras, que revelavam fotografias de antepassados, exibindo nelas trajes de folhos, largos chapéus, cartolas luzidias, fardas militares, bigodaças farfalhudas e espampanantes penteados, armados em cima de pescoços enforcados em intermináveis fiadas de pérolas brancas ou laços de borboleta.
A pouca atenção dada ao corredor, seguia com a fraca escolha de luz, tornando tudo ainda mais taciturno.
No escuro da noite, ou mesmo na melancolia que é aquele período da tarde que nos empurra à sesta, os antepassados encaixilhados nas paredes, encetavam velhas quezílias familiares. Confrontavam-se entre si e discutiam o património mal dividido, heranças, partilhas, casamentos, adultérios, crimes, segredos e mistérios, apelidos familiares e outras tantas questões pertencentes a um pretérito muito antigo.
O peso das sombras, a presença de espíritos diáfanos, a solidão de um corredor sem vida e talvez também a solidão de quem o percorria todos os dias, enchia de um vazio cinzento, o velho andar da Sidónio Pais.
Tomado unicamente por um local de passagem, de acesso às outras divisões, era desprovido de qualquer tipo de interesse. A excepção era feita por antigas molduras, que revelavam fotografias de antepassados, exibindo nelas trajes de folhos, largos chapéus, cartolas luzidias, fardas militares, bigodaças farfalhudas e espampanantes penteados, armados em cima de pescoços enforcados em intermináveis fiadas de pérolas brancas ou laços de borboleta.
A pouca atenção dada ao corredor, seguia com a fraca escolha de luz, tornando tudo ainda mais taciturno.
No escuro da noite, ou mesmo na melancolia que é aquele período da tarde que nos empurra à sesta, os antepassados encaixilhados nas paredes, encetavam velhas quezílias familiares. Confrontavam-se entre si e discutiam o património mal dividido, heranças, partilhas, casamentos, adultérios, crimes, segredos e mistérios, apelidos familiares e outras tantas questões pertencentes a um pretérito muito antigo.
O peso das sombras, a presença de espíritos diáfanos, a solidão de um corredor sem vida e talvez também a solidão de quem o percorria todos os dias, enchia de um vazio cinzento, o velho andar da Sidónio Pais.
Publicada por Patti à(s) 09:00 10 Ares
tags só meu-divisões
segunda-feira, 17 de maio de 2010
sexta-feira, 14 de maio de 2010
crónicas de graça #11
E quem já partilha esta vizinhança há algum tempo, bem sabe da minha perdição por estes ambientes.
Multidões assim não me incomodam. Não me perturbam os encontrões cheios de sacos de compras, seiras de vime, alcofas de junco, cabazes e cestos de verga. Sofro de imunidade aos pregões gritados, às discussões dos fregueses, ao barafusto das vendas.
Sou de pormenores, e aqui, apaixono-me logo pelo burburinho, o cheiro, a correria, as vozes altas, as folhas que a fruta ainda traz presa, a terra nas batatas, o preto das amoras, os vincos das sacas de serapilheira. Maços de notas que se folheiam em mãos enrugadas, a caixinha dos trocos, o calejo de dedos que apalpam a melhor fruta, os peganhentos frascos do doce de tomate, os ovos caseiros ainda de penas agarradas, extirpadas ao esforço da vítima.
E chamam-nos de freguesa, de menina, e de meu amor diga lá o que deseja.
Em Lagos, onde paro algumas vezes durante o ano, o mercado dos sábados é irresistível. Muito rústico, genuíno, mas onde os estrangeiros adeptos da agricultura biológica, se misturam - e bem - entre os agricultores de outros tempos e lhes dá uma riqueza especial.
E depois é vê-los, aos sabonetes de alecrim da holandesa ruiva e de piercing no umbigo, junto do queijo de figo da avó, coberta com um lenço de flanela de ramagens sombrias; legumes de nome impronunciável, plantados pela família Sherard, a par da alfarroba do monte do tio Malaquias; gaiolas de patinhos amarelos da menina Laura, que bicam saquinhos com chás zen, daquela alemã alta como um poste. Saias hippies, coloridas, compridas e rodadas sobre sandálias de couro, encarando socas de madeira, botas de borracha, saias de fazenda e meias grossas de tons pardos sem brilho.
E o melhor de tudo nos mercados e nas feiras, é que há qualquer coisa de passado abençoado, de memória feliz que não desarma, uma nítida presença de pessoas que já não estão connosco, mas que habitam estes locais.
Parece que andam por ali nas compras, junto a nós, dizendo para termos cuidado, pois a batata ainda não é nova, que o cebolinho quer-se fininho e rijo, as cerejas escuras, as castanhas grandes e lisas, os pintos amarelos, os coelhos mansos, o pão mal cozido, o queijo luzidio embrulhado em papel pardo, e que a fava rica se pesa ao litro.
Apertam os nossos dedos; mãos de avós permanentemente eternos, que nos levam a ver com orgulho em bancadas improvisadas, o desfile de presentes que a terra deu.
Mãos quentes. Sempre quentes.
E por esse mundo fora, meu querido parceiro? Conte-me tudo.
Multidões assim não me incomodam. Não me perturbam os encontrões cheios de sacos de compras, seiras de vime, alcofas de junco, cabazes e cestos de verga. Sofro de imunidade aos pregões gritados, às discussões dos fregueses, ao barafusto das vendas.
Sou de pormenores, e aqui, apaixono-me logo pelo burburinho, o cheiro, a correria, as vozes altas, as folhas que a fruta ainda traz presa, a terra nas batatas, o preto das amoras, os vincos das sacas de serapilheira. Maços de notas que se folheiam em mãos enrugadas, a caixinha dos trocos, o calejo de dedos que apalpam a melhor fruta, os peganhentos frascos do doce de tomate, os ovos caseiros ainda de penas agarradas, extirpadas ao esforço da vítima.
E chamam-nos de freguesa, de menina, e de meu amor diga lá o que deseja.
Em Lagos, onde paro algumas vezes durante o ano, o mercado dos sábados é irresistível. Muito rústico, genuíno, mas onde os estrangeiros adeptos da agricultura biológica, se misturam - e bem - entre os agricultores de outros tempos e lhes dá uma riqueza especial.
E depois é vê-los, aos sabonetes de alecrim da holandesa ruiva e de piercing no umbigo, junto do queijo de figo da avó, coberta com um lenço de flanela de ramagens sombrias; legumes de nome impronunciável, plantados pela família Sherard, a par da alfarroba do monte do tio Malaquias; gaiolas de patinhos amarelos da menina Laura, que bicam saquinhos com chás zen, daquela alemã alta como um poste. Saias hippies, coloridas, compridas e rodadas sobre sandálias de couro, encarando socas de madeira, botas de borracha, saias de fazenda e meias grossas de tons pardos sem brilho.
E o melhor de tudo nos mercados e nas feiras, é que há qualquer coisa de passado abençoado, de memória feliz que não desarma, uma nítida presença de pessoas que já não estão connosco, mas que habitam estes locais.
Parece que andam por ali nas compras, junto a nós, dizendo para termos cuidado, pois a batata ainda não é nova, que o cebolinho quer-se fininho e rijo, as cerejas escuras, as castanhas grandes e lisas, os pintos amarelos, os coelhos mansos, o pão mal cozido, o queijo luzidio embrulhado em papel pardo, e que a fava rica se pesa ao litro.
Apertam os nossos dedos; mãos de avós permanentemente eternos, que nos levam a ver com orgulho em bancadas improvisadas, o desfile de presentes que a terra deu.
Mãos quentes. Sempre quentes.
E por esse mundo fora, meu querido parceiro? Conte-me tudo.
Publicada por Patti à(s) 00:01 20 Ares
tags mercados e feiras
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