domingo, 30 de novembro de 2008

[32] há coisas fantásticas, não há?


Imagens da polícia da República Checa

sábado, 29 de novembro de 2008

[12] bom fim de semana!

Já sabem da última? Parece que em Lisboa, abriu a única livraria portuguesa de poesia.
Tem um nome que achei lindo, "Poesia Incompleta", porque
uma livraria, ainda por cima de poesia será sempre manca, diz o proprietário Mário Guerra, ou Changuito, como gosta de ser chamado, que propõe livros a partir de 2,5€, entre raros e esgotados.
A livraria tem um blog e através dele, fez-se um leilão de um exemplar do esgotadíssimo livro do Herberto Helder, Faca Não Corta o Fogo.

Fica numa casa com quintal e tudo, ali para os lados da Assembleia da República, na Rua Cecílio de Sousa, nº 11 e está aberta de segunda a sábado até às 19.45h.

Bom fim-de-semana!


sexta-feira, 28 de novembro de 2008

aversões de infância II


Amaldiçoei-as mal as vi. Herdadas por uma prima, também ela vítima de uma mãe distraída, vieram-me parar às pernas, quando a minha mãe disse para minha desgraça, que eram 'como deve ser' e bem distantes daqueles jeans ruços, que eu gostava de usar com ténis Sanjo.
Vejo-as hoje, como se estivesse agora mesmo com elas vestidas. Calças de fazenda cinzenta que picava, com um xadrez largo por onde passava uma risca fina amarela. Canário!
Ainda hoje não visto amarelo.
Detesto.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

aversões de infância I


Acordei a ser perseguida por uma carroça desenfreada, cheia de verdinhos e viçosos agriões da minha horta.
Ora, se eu tivesse uma horta, plantaria lá de tudo: beringelas reluzentes, gomas de alcaçuz da minha infância, gordas bolachas de chocolate com recheio de laranja amarga, uma mini-biblioteca falante, um DVD portátil, grilos e joaninhas, caras sardentas, um cobertor de pura lá com ovelha e tudo, bitoques com ovo a cavalo e até um telemóvel, mas agriões é que nunca! Por isso, vi logo que era um sonho.
...
Comia a sopa, sempre com os olhos enfiados no prato cheio dela, até ao cimo.
De cabeça baixa e com medo que o vómito me subisse à garganta, quando o talo do agrião se lembrasse de fazer o caminho inverso.
Era tão terrível, que ainda hoje o sinto a deslizar dentro de mim, quando vejo molhos deles nas bancas da praça.
Mas terminava-a sempre, que em casa dos pais não se dizia, não gosto.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

amanda lee


Depois de muitos anos sem ver o meu melhor amigo, marcámos encontro na nossa esplanada de sempre. Tinha ficado pelo Texas depois da especialização equina e que ia casar brevemente. Veio a Lisboa, para nos convidar a todos.
Casar? Tu? O duro dos duros, quem diria.
O mundo dá mesmo muitas voltas. Tive logo de saber quem tinha sido a mulher valente, que lhe tinha conquistado a alma. Descreveu-ma com a perfeição de um homem apaixonado e com o coração do poeta, que sempre lhe conheci.
E com a minha fantasia disparada como uma lança, deixo-vos aqui a história feliz que para eles anseio, em terras americanas.

Em toda aquela inóspita região do Colorado, só havia uma mulher vaqueira: Amanda Lee.
Cobiçada pelos companheiros, na primeira entrevista de trabalho com o futuro patrão, bebiam-lhe a cor pastosa, que lhe forrava os lábios generosos e quentes e com olhos inflamados de apetite proibido, passavam-lhe mãos invisíveis pelos cabelos castanhos.
Amanda Lee, do alto da sua importância de fêmea provocante, mas de um homem só, não lhes dava qualquer valor e com os dedos ágeis de tanto driblar rédeas, deslizou-os pelas ancas, que convidavam homens de coração ferido a perderem-se nas suas curvas e ordenou ao vestido aromático que descesse imediatamente até ao joelho e fosse ter com as botas de cano alto e tacão grosso, pintado do encarnado da terra seca.
O vestido, adaptado ao seu corpo como uma segunda pele, obedeceu-lhe. Enroscou-se a ela no decote sem pudor, riu-se no fim das costas escorregadias do calor, desenhando-lhe uma prega funda e com má vontade, lá lhe cobriu os joelhos, saboreados por dez pares de olhos húmidos de malícia.
De voz poderosa e de um alcance como nenhuma outra, não havia gado que se tresmalhasse muito tempo e patrão que não a desejasse ter ao seu serviço.

Mas era junto de Miguel, o português e das filhas, que a voz de Amanda Lee tinha o verdadeiro valor.
Nas gargalhadas temperadas, durante refeições gordas de guisado de alce, borrifadas a bourbon, chocolate quente e café negro, nas ancestrais cantigas que embalavam crianças doces e morenas na hora de dormir e lhes afastava os medos de ursos pardos, no som rouco e nos uivos de alcateia, que transpiravam pelas paredes fortes de madeira dura do quarto de casal, em noites enérgicas de lua cheia.

Será que ela é assim?
Não importa, o que me interessa a mim e a vocês, é que estão muito apaixonados.


adenda: história ficcionada

terça-feira, 25 de novembro de 2008

semblantes de luz

foto minha

O Convento, é do mais bonito e emotivo que existe em Lisboa. O amor pela minha cidade é imensurável e mesmo nas paredes grafitadas, nos prédios em semi-ruína, que pedem para cuidarem deles urgentemente e na esburacada calçada portuguesa, eu não renego esta minha adoração. São assim os grandes amores, plenos de defeitos e de males incuráveis.
Apesar do castigo que alguns lhe insistem em dar, a luz não abandonou Lisboa. E é a luz, a grande protagonista daquilo que podemos admirar nas ruínas do Convento do Carmo.

Quando se entra, a disposição natural é ficar com os olhos presos ao céu. São pedaços de azul que entram sem convite, nas janelas abertas de cúpulas que já não existem. Porções de céu, recortadas por cruzarias de ogivas ocas.
No meio das ruínas, lápides, brasões e esculturas várias, perdidos entre colunas de capitéis vegetalistas e janelas estreitas, disfarçados como sombras ténues, atrás de poços, pias baptismais, túmulos, sarcófagos, coroas e pedra bordada, ainda vagueiam por aquele templo os carmelitas silenciosos, a quem D. Nuno doou a obra fundada por si.
Ali, até lhes consigo alcançar a pureza do coração, o esvaziamento do ego e escutar o sussurro das suas orações solitárias.
Mas quando chega D. Nuno, pára tudo. Eles e eu. Que o Condestável não é homem de grandes conversas e exige que ali, tudo seja feito com primor e excelência, que os alicerces são frágeis e estremecem naquele solo arenoso.
Até já ameaçou, se esta porcaria destes alicerces caírem de novo, vos juro eu, que para a próxima os hei-de fazer em bronze!
Reina o sossego que durou até hoje. É o respeito da pedra.
E quando no início, desci a escadaria da entrada e me apareceu aquele 'ogival' direito ao céu, eu que já vinha vindo calada e em silêncio, calei-me ainda mais e agora já sei o porquê.
É das presenças que ainda por lá pairam.

ver as outras fotos aqui

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

um presente

foto minha

Gritou o meu nome várias vezes, mas como não sou muito de andar nas nuvens, nem me dei conta que era a mim, que a voz chamava lá de fora.
Só quando um largo pedaço de luz de fim de tarde, me atingiu os olhos e me puxou pelas mãos para a rua, é que a vi.

Lá estava ela. Linda.
Uma solitária porção de nuvem texturada, composta por milhões de densos vapores, que absorveu toda a luz que restava do pôr-do-sol amigo daquela tarde e que assumia uma cor que eu nunca tinha visto e a que não soube dar nome.
Durante um tempo mágico que não medi, dançou languidamente em frente da minha varanda. O seu corpo, que começou por ser de um possante elefante, alterou-se para uma cadeia de montanhas, depois para um coração imenso de cor de fogo e finalmente desapareceu como o fumo de uma fábrica.
Mas ainda me perguntou, não és tu que amas o Outono? Sou, sou eu porquê?
Porque ele me mandou para ti.

domingo, 23 de novembro de 2008

[31] há coisas fantásticas, não há?


A dona de Nora, trouxe-a para casa de um centro de acolhimento de animais abandonados. Professora de piano, dava aulas particulares em casa e cedo se apercebeu da vocação de uma nova aluna.
Vale a pena verem o vídeo até ao fim, para assistirem a uma pianista que toca a solo, quatro mãos e ainda acompanha as aulas do piano do lado, dos alunos e da sua dona.
Diz que não se dá com os outros três gatos da casa, nem eles com ela. Coisas de génios.

Linda!

sábado, 22 de novembro de 2008

[11] bom fim de semana!


E daqui, da minha cama quente, onde estou aninhada desde ontem, devido à parva da gripe, deixo-lhes este envolvente livro, carregado de sentimentos ocultos dos seus personagens, fazendo ao mesmo tempo, uma reflexão social e política da época.
Comecei a lê-lo no sábado passado, acabei-o dois dias depois e ontem, por volta das onze da noite, recomecei-o outra vez. Isso deve dizer-vos tudo, não?

Bom fim-de-semana que eu vou beber outra chá, temperado com mel de rosmaninho.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

desafio-presente de aniversário


Então é assim, a Ka, que é uma peste, desafiou-me para eu escolher um cantor ou um grupo, ao qual eu tinha de responder, com o nome das suas músicas, a dez perguntas.
E eu resolvi oferecer-lhe este presente de anos. Vá, confessa lá a quantos concertos do senhor, tu já foste aí na Imbicta! Vão lá ao BDK, dar-lhe os parabéns, que é hoje!
Pessoal: tuga que é tuga e que está em véspera de fim-de-semana, quer é animar as hostes e vai daí, escolhi para vossa grande alegria, o cantor português que mais discos vende em Portugal, que enche dois Pavilhões Atlânticos dois dias seguidinhos e mais não sei quantos Coliseus e o Centro de Congressos de Guimarães, que é do big também: Tony Carreira!
Ah pois é! Vão ter de gramar, um cantor que subiu a pulso e que não se encostou a padrinhos, sobreviveu à custa do seu próprio empenho e venceu, dando uma estalada sem mão a muita vaidade que engorda por aí. Ninguém tem de começar a gostar do Tony Carreira, só porque ele é famoso e venceu na vida, mas convenhamos, que já merecia outro tratamento.
Ninguém me disse que eu tinha de apreciar a minha escolha e nem sequer gosto do género, mas reconheço-lhe valor e mérito. Por isso, gostem ou não, toca a pôr as mãozinhas no ar, abanar esses bracinhos, saltar das cadeiras e cantar comigo a música do Ares de hoje. E não se façam de esquisitos, que pelo menos o refrão já toda a gente ouviu!

E ainda têm os links, para irem fazer download das canções, ou julgam que eu não sei que estavam todos mortinhos por se assumirem?

Oh Gi, liga o som, acorda a casa e dança com Mr. Darcy.
E que tal, Pitanguinha, este cheirinho aos magníficos bailaricos da tua Beira?


Aqui vão as perguntas:

1. És homem ou mulher? - Mãe Querida
2. Descreve-te: Eterno Vagabundo
3. O que é que as pessoas acham de ti? Sonhador, Sonhador
4. Como descreves o teu último relacionamento? Mesmo que seja Mentira?
5. Descreve o estado actual da tua relação: Estás sempre em Mim
6. Onde querias estar agora? Sabes Onde eu Estou
7. O que pensas a respeito do amor? Falta de Ti
8. Como é a tua vida? A Vida que eu Escolhi
9. O que pedirias se pudesses ter um desejo? Sonhos de Menino
10. Escreve uma fase sábia: Depois te Ti, mais Nada

Passo o desafio à Si, Carlos, Luísa, Ana Vidal e à Inês.

p.s. e não me façam rir, que eu estou cheiiiinha de dores nos abdominais, de tanto gargalhar, desde que me lembrei de fazer este post.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

espera-maridos - #13

fotos do blog sweet paul

Naquele tempo, casava-se por tradição, educação, porque os pais mandavam e os filhos obedeciam e porque sim. Poucas vezes por amor, que esse chegava mais tarde e era quando vinha.
Ao marido, consagrou-lhe um patamar acima de seu, conforme lhe ensinaram e atribuiu-lhe um cargo de amo, senhor e patrono, que a governava, protegia e até orientava. E assim, cumprindo com todas as regras estabelecidas, tudo haveria de correr bem.

Mas o seu papel de mulher serena, obediente e cumpridora dos incómodos deveres matrimoniais, não foi o bastante para o manter perto de si. E os muitos serões de longas esperas, foram acompanhados pelo seu hobby de solteira, o crochet.
Testemunhas oculares, de muitos anos de dedicação silenciosa a um casamento de solidão, assim foram, quilómetros de correntinhas, pontos baixos, pontos médios e pontos altos, pontos sós e espaços, que inventou com a linha branca de algodão.


Nas suas mãos diligentes, tomaram forma toalhas para dias de festa, colchas de Verão para camas frescas, dobras ricas em lençóis de linho, naperons para tabuleiros de chá, camilhas de franjas grossas e panos e paninhos de todos os modelos, para entreter o tempo que sobejava cada vez mais.
No início, o crochet que nascia da agulha de alumínio que trazia de solteira, era para terminar o enxoval e as muitas peças inacabadas, nos pormenores de uma bainha, ou no cerzir cuidadoso de uma ponta pelo avesso.

A prática era muita, o resultado final perfeito, mas não passava de um entretém de menina prendada, como lhe dissera a mãe. O teu tempo daqui para a frente, é para ser investido na tua casa, nos teus filhos e sobretudo no bem estar do teu marido. E depois é que vens tu. Crochet a partir de agora, é coisa de gente com tempo livre.
Enganou-se a mãe. Tempo livre era o que mais tinha e depois do enxoval para os filhos, continuou sempre com o crochet e só trocou a agulha de alumínio pela de aço, de forma a estar mais de acordo com a sua vida.


Vestida com camisa de dormir bordada por si, protegida por um espera-maridos nos ombros encolhidos, ligava a telefonia e ao som dos 'olhos castanhos' ou do 'não venhas tarde', encetava o seu ritual nocturno, que com o avançar dos anos, deixou de ter hora fixa para terminar.
Num trabalho quase autista, que crescia sozinho e ausente de controlo, surgiam alças e laçadas, costuras unidas e arremates, pontos e carreiras, uns apertados e outros mais frouxos, conforme o estado de espírito. E a tensão, o mais relevante de tudo. A tensão do ponto, controlada pela mão segura no fio, que só tinha um momento de vacilo, quando lhe sentia a chave metida à porta e atirando de qualquer maneira o companheiro de horas tristes para o lado, recebia o marido com o mesmo sorriso compreensivo e condescendente de todas as noites.
Fazia que acreditava na felicidade daquela união, onde verdade seja dita, ele nunca lhe faltara com nada.

Só com tudo.
Confirmava se o pijama dele se encontrava colocado na beira da cama, se a dobra do lençol estava devidamente esticada e se o copo de água mineral, protegido do pó por um dos seus naperons de crochet, estava na mesa-de-cabeceira.
Na noite seguinte, retomaria o trabalho abandonado na salinha de costura. Esse ao menos, esperaria sempre por ela.


Quando ao fim de meio século de casamento, celebrou as bodas de ouro e deu um jantar onde reuniu a família e os amigos, tirou do baú de noiva, muitos dos seus antigos companheiros de uma vida com pouco para contar. Amigos de muitas horas, que depois de criados por si, eram dobrados com perfeição e guardados para quase nunca serem mexidos. Impolutos.

Ninguém reparou neles, ninguém deu importância aos trabalhos, ninguém perguntou donde vinham todos aqueles naperons, panos e toalhas de vários tamanhos, que enfeitavam de repente a casa.
Só Matilde.
Matilde a neta querida, que observou o jeito com que ela passava a mão ossuda, nas franjas da camilha para as alisar, como sacudia cuidadosamente as migalhas da toalha grande, da mesa de jantar, para não puxar nenhum ponto fragilizado pelo tempo, como sorria ao distribuir pelos móveis, bases de copos de linha branca, como ajeitava os cantos dobrados dos naperons, assentes em tabuleiros herdados, de prata antiga.


Foi a avó Maria que fez tudo isto? Nunca me tinha mostrado, nem sabia que existia. É tudo lindo, avó!
Coisas minhas sem importância, Matilde. Como viste, são panos sem grande valor, com pouca utilidade hoje em dia e quase ninguém reparou neles. Nem o teu avô. Pouca valia têm a não ser para mim, porque me guardam segredos, histórias, vergonhas e medos. Uma vida.

No fim do jantar, Matilde ficou e dormiu na casa dos avós e pela primeira vez ouviu histórias de passados distantes, formas e opções de vida muito diferentes da sua e que desconhecia a existência. Compreendeu finalmente certos silêncios, olhares baixos e vozes obedientes e por fim, descobriu arcas de ferro, baús de câmbala, gavetões de cómodas antigas, carregados de mil peças de linha branca, perfumadas e por estrear.
Nessa mesma noite, Matilde aprendeu a fazer crochet com as mesmas agulhas de alumínio, que a avó usava em solteira e ouviu todas as instruções muito atenta: ponto corrente, ponto baixo, meio ponto alto, ponto alto, ponto alto duplo, ponto alto triplo, ondulado, azaléia, ostra, tijolo, pastilha, ziguezague, barra, bico, esmeralda, pico, colunas anjour e ... nunca mais parou.

A partir daí, combinavam lanches cerzidos a linhas e agulhas, reuniões de pontos simples e laçadas, mais pontos rede, pontos segredo e pontos relevo e ao domingo à noite, chás e bolo de claras caseiro, para desanuviar a tensão do ponto.

A avó, já não guardava nenhum trabalho nos cantos dos armários ou em gavetas fundas.
Com Matilde, aprendeu a dar-lhes outro rumo, a mostrá-los e exibi-los, quando a neta, no dia do seu aniversário lhe espalhou pela casa, uma adaptação feita por si, dos velhos e eternos companheiros da avó Maria.


(clicar na foto para aumentar)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

noutra pele


Existem elementos de certas espécies, que mesmo com todo a evolução da natureza, resistem a identificar-se com os seus pares.
Ainda esta manhã, à conversa com uma aspirina efervescente, ela me dizia que esta modernice de caírem dentro de um copo de água e ficarem para lá a borbulhar, lhe parecia pouco digno. O decurso da sua dissipação é lento e ruidoso e aquele saracotear devasso, do ora vem acima, ora vai abaixo, deve induzir a náuseas.
Dos risinhos lúbricos que ouviu das ex-colegas de blister, enquanto flutuavam e se desfaziam dentro da água, pouco tem a revelar-me, a não ser, que o que escutou foi impróprio para uma senhora, ainda para mais uma aspirina, que tem uma tradição de títulos honoríficos a manter.
Também se queixou, da grande ignomínia que é a morte aos soluços que a espera e assegurou-me com firmeza, que sortudo era o destino das suas antepassadas, que faleciam de um só trago.
Confesso que me inspirou simpatia, uma enorme afinidade de sentimentos e fiquei a pensar no assunto, com a aspirina entre os meus dedos. A empatia foi tal, que me coloquei na circunstância por ela vivida e dei razão aos seus princípios e receios.
Num arrebatamento solidário, resolvi desfazer-me dela e das companheiras, rasgando-lhes a cobertura que as protegia e na precipitação de as salvar, fiz o que a minha amiga mais temia, atirei-as para a água da sanita, donde surgiu um geiser imenso e dos mais bonitos que já vi.
Para me libertar do incauto genocídio que acabara de cometer, resolvi imediatamente a culpa do meu acto impensado, com um pensamento positivo, pegando em parte da frase, do início deste meu post.
Existem elementos de certas espécies, que mesmo com toda a evolução da natureza, nunca atingem um orgasmo múltiplo em vida, quanto mais morrer dele. Ao menos proporcionei-lho.
E fechei a tampa da sanita para as proteger de olhares voyeurs.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

encalhada, como dizia a minha avó


É pateta eu sei, mas quando chego à conclusão que vou deixar um livro a meio, fico com aquela sensação de encalhada. Encalhada mesmo, tipo Tolan no Tejo.
Primeiro, começo num processo de preguiça a ler mole, a estender o prazo de lhe pegar de novo, a disfarçar fingindo que não o vejo, metendo os outros pelo meio, porque leio muitos ao mesmo tempo e aquele vai ficando por ali a olhar para mim, com ar de cachorro abandonado.
Às tantas, ouço o autor a atirar-me bocas, ah não entendes é nada disto, a minha escrita não é bagagem para ti, anda aqui um tipo a esfolar anos de vida, em trabalho árduo e depois vêm estas limitadas fazer caretas. Vai mas é ler o Paulo Coelho! Caldo entornado.
Ora, os fãs do Paulo Coelho que me desculpem, mas eu não suporto o Paulo Coelho. Nem as histórias do Paulo Coelho, nem as capas dos livros do Paulo Coelho, tremo com os títulos do Paulo Coelho, abominei os imbróglios blogoesféricos do Paulo Coelho sob falsa identidade e desprezo a forma como ele alimenta a mina de diamantes que encontrou, na ausência de horizontes e afectos, nos milhões de corações vazios de tantos de nós. Pronto, eu tenho um problema com o Paulo Coelho, o que no fundo é um disparate, pois eu nem conheço o Paulo Coelho. Li-lhe o Monte Cinco e aparvalhei de todo.
Bom, depois das gracinhas do autor, deixo o livro perdido pelo banco do carro, utilizo-o como leque e também me serve de base para copos. O outro, claro está, roga-me pragas, chama-me de desleixada, mulher rude e diz que nem uma lista de supermercado mereço ler.
Eu disfarço. Pego nele e levo-o para ali, depois para acolá, enfio-o na cesta da praia, empilho-o na mesa de cabeceira, limpo-lhe o pó, compro-lhe um separador novo, arrumo-o virado para o Monte Cinco do Paulo Coelho, mas às páginas tantas, não dá mais. Abandono o livro e enfio-lhe com um post-it verde fluorescente, para me lembrar de o esquecer.
Mas não gosto de ficar encalhada. Não gosto de deixar livros a meio, irrita-me e se calhar não faz sentido, pois se não como tudo o que me põem no prato, quando a comida não me sabe bem, se deixo a bebida a meio, porque ficou aguada com o gelo, se dou roupa que já não visto, mesmo que pouco usada, se desisto de um filme e mudo de canal e se até deixo de dar importância à existência de certas pessoas, porque é que me sinto encalhada, quando deixo um livro a meio?

Haverá forma de tirar este petroleiro de dentro de mim?

domingo, 16 de novembro de 2008

a ajuda chegou


Desde ontem de manhã, até hoje de noite que o Ares virou cabaré! Com shows azuis-psicadélicos, go-go-girls e efeitos de luzes cor-de rosa porno.
Foi uma pouca vergonha, só vos digo e quem por aqui passou, pode muito bem confirmar o que eu digo.
As taradas das minhas hiperligações, pareciam doidas varridas atrás das imagens do blog, saltavam umas por cima das outras, comiam-me os posts e fotos, engoliram a música do Peter Cincotti e ....

Foi a loucura! Autêntico blog da França da Belle Époque.

Motivo: escrevia os meus posts no Word e copiava-os para aqui. Não se pode. Asneira da grossa, porque trazem consigo códigos HTML, não compatíveis com o blog.
Naba!
Mas o principal causador do deboche, foi o post do Paul Auster. Ah pois é, ainda se acha uma bela bisca e vai de me desinquietar as hiperligações, umas estouvadas que estavam fartas de estar sossegadas na coluna do lado direito.

Agora a sério, isto deu-me conta da cabeça, principalmente por não saber o motivo da 'avaria', e nada do pouco que eu fazia, parecia resultar. É frustrante quando não dominamos o meio onde nos inserimos. O Ares ficou horrível, completamente alterado, não só esteticamente, como a nível das suas funções.
Nada obedecia e eu não conseguia seguir com aquilo da forma como estava. Fiquei fula da vida.
A vizinhança foi impecável, aliás já estava à espera. Deixaram-me comentários de sugestões, troquei mails de ajuda com alguns, deram-me dicas, disseram-me palavras simpáticas, piadas para eu levantar o ânimo, telefonemas, indirectas a culpar a minha erótica tarte de maçã e o PCP no meio da minha fúria, ainda me fez rir a valer. Obrigada a todos pelos comentários.
E eis que vem a Sony dizer, que tem um amigo expert e que ia imediatamente falar-lhe do meu novo espaço nocturno: O Cabaré do Ares.
Foi ele a minha alma salvadora. Sem me conhecer de lado nenhum, prontificou-se imediatamente a resolver o problema e vai de trocarmos mails até às tantas, para resolver o cor-de rosa porno do Ares.
Passei o domingo todo a 'desinfectar', post by post desde Janeiro, até hoje! Só eu e a minha paciência infinita.
E finalmente, ontem perto das 18h, lá se conseguiu identificar o Bicho Mau e mandar o cabaré instalar-se noutro blog mais adequado a espalhafatos.
Obrigada little dragon blue! Estou em dívida e cobra-me quando precisares.
Fiquei triste. Hoje não fiz post, quase não visitei, nem comentei ninguém, tenho perto de 700 posts no Google Reader para ler e mais uma vez tomei consciência que este blog é importante para mim. Não só no escrever, no ler, no comentar, nas visitas que recebo todos os dias, nos amigos virtuais, nos links de quem gostamos, mas também pelo seu aspecto estético.
Parece disparate, mas foi como se a minha imagem estivesse em causa. Parvoíce?
Se calhar não é, pois o template do nosso blog é o nosso cartão de visita, é o hall de entrada do nosso apartamento, é o foyer do hotel, onde recebemos os amigos e as visitas e tentamos pôr todos à vontade.
E eu gosto do Ares, como está. Discreto, só com puxadas de cor nas imagens que posto e nas que escolho para a lateral direita.
Por isso vizinhança, parece que a folia acabou, podem entrar em descanso e ler-me com calma. A famosa tarte de maçã, que tanto lhes despertou os sentidos, é que já acabou, mas ainda há umas migalhas aqui, para quem não a provou na sexta-feira.
Sirvam-se que vou comentar-vos.

sábado, 15 de novembro de 2008

ajuda precisa-se


O Ares acordou fluorescente nos links/hiperligações:
na coluna do lado direito;
no fim de cada post, nas tags;
no horário de edição do post;
nos comentários;

No Explorer vê-se em azul psicadélico e no Firefox em cor-de-rosa porno e vice-versa, isto é, uma verdadeira confusão.
Já fui ao tipo de letra e cores e lá está tudo correcto.

Também vêem essas cores, ou sou só eu?

ALGUÉM ME AJUDA?

É aquela gaita dos códigos HTML, não é? Mas eu nem lhes mexi, pois não entendo anda daquilo...sniff, sniff, sniff.

Onde é que eu altero o código HTML das hiperligações?

Podem enviar as dicas, para o mail, ali ao lado.


[15] ´tou no ir...de fim de semana

Ora bem, aqui vai o programinha cultural para o vosso fim-de-semana, por isso nada de se enfiarem em centros comercias. Só vale ir passear, esplanar e namorar, ok?


Até ao fim deste mês podem desfolhar e comprar a bons preços, livros de todos os campos temáticos, dentro da ideia de "Desconto máximo/Preço mínimo", na Feira do Livro do Mercado da Ribeira, no Cais do Sodré.


No domingo, dia 16, o escritor de Nova Jersey, Paul Auster, estará presente num encontro marcado na FNAC do Cascais-Shopping às 15h00, moderado pelo crítico de cinema, Rui Tendinha. Irá falar, com toda a certeza do seu novo romance, "Homem na Escuridão", que tem data de lançamento, para o dia 20 de Novembro. Portanto quem for fã do autor, da "Trilogia de Nova Iorque", aproveite. Dizem que ainda está inteiraço!


No Museu Arpad Szenes/Vieira da Silva, a partir deste domingo podem ver a exposição "Au fil du temps", um percurso fotobiográfico de Vieira da Silva. Um conjunto de documentação inédita, que permite acompanhar o percurso de vida e a evolução da obra de Maria Helena Vieira da Silva.
E depois ao fim da tarde, já sabem, Chá de Ceilão com a bela da minha pecadora tarte.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

para vocês, tarte de maçã com chá de Ceilão


foto de danyboy


Foi no dia em que as maçãs reinetas avisaram a mãe-árvore, que tinha chegado a altura de se despedirem, que eu juntei um quilo e meio delas, caídas na sombra do meu pomar.

Peguei na velha colher de prata da minha avó e recortei com ela um generoso naco de manteiga fofa, que foi deslizar na frigideira de ferro preto e pegar-se num namoro apaixonado com o açúcar branco, três vezes em maior quantidade que ela, que nem um pouco se ralou com valores ou medidas.

Descascadas e limpas de pudores centrais, cortei as minhas maçãs em quartos de lua, como me pediram. Coisas de paixonetas ao luar, entre elas e os pêssegos carecas.

Saltaram-me da faca afiada, gomos curtos como lâminas finas para irem segurar vela dentro da frigideira preta, onde acontecia o namoro dos outros dois, que continuava pegajoso e efervesceste como se querem os enlaces a sério.

Acabo de fazer no meu tachinho de cobre, um caramelo fininho que deito para dentro da futura cama da tarte, que dá pelo nome de Sra. D. Forma de Teflon. E ajeito por cima as minhas fatias de maçã, já coradas ao lume, pela paixão calórica da manteiga com o açúcar, dispostas com jeito e encadeadas como pétalas de flor.

A desavergonhada e melosa manteiga, enjoada do velho e escurecido açúcar, já se encontra de novo dentro da minha colher de sopa e diz-me agora, que quer meter conversa com o Porto, mesmo nas barbas do açúcar. Faço-lhe a vontade e misturo-a com um cálice do senhor Croft, lá para dentro da mesma frigideira, onde ainda há poucos minutos, a dengosa se tinha enrolado com o outro. Aleivosa.

Os três que se entendam, pois relações promíscuas não são comigo! Que se enlacem, que se agarrem, que se envolvam como bem entenderem. Eu quero é um líquido aromático e perfeito, para dar de beber às minhas maçãs, que aguardam sequinhas, encaixadas dentro da Sra. D. Teflon. E ainda atiço mais o coito, com um belo pau de canela.

Suspiram fundo as maçãs, no momento em que lhes dou o banho do pecado, nascido na frigideira de ferro preto.

Até eu estou cheia de calores com tal luxúria e rapidamente refresco o pensamento num bom pedaço de massa quebrada, que pousada por cima das maçãs, lhes acalma a lascívia, provocada pela pouca-vergonha do inebriante molho ménage à trois de há pouco.

Segue tudo feliz e animado para dentro de um forno bem quente e colocam-se as ideias em ordem, durante uns quarenta minutos. Sra. D. Teflon atira-me um grito, avisando-me que está pronta para sair e eu sem pressa, retiro-a do calor e deixo-a a arrefecer um pouco.

Desenformo-a, viro-a ao contrário e cumprimento de novo as maçãs do meu pomar, agora mais envelhecidas, mas muito mais brilhantes.

Regresso a 1498 e peço ao tio Vasco que não se esqueça da bela canela, que eu lhe pedi para me trazer das suas aventuras ao Ceilão, pois preciso sem falta de polvilhar e temperar a minha obra.

Magnífica, esta especiaria morena. O que seria de nós sem ela.

Mais tarde e acomodada cada fatia num prato, onde mora já uma nuvem gorda de nata meiga, que se esfrega no pedaço de tarte, lanchamos à lareira com um chá preto do Índico, trazido até nós pelo Vasco herói.


quinta-feira, 13 de novembro de 2008

compor - # 12



O Livro apaixonara-se por ela, desde que vira Clara a desenhar as vogais na primária, com a professora Gabriela.

Criava a bolinha do ‘a’ muito perfeita e redondinha e esticava-lhe as perninhas, uma para cada lado, com um imenso cuidado, para não aleijar a primeira letra.

Ao ‘e’, imaginava-o na sua cabeça de seis anos, como um ponto de crochet e depois como se tivesse uma agulha, igual à da avó Maria, apanhava-o numa ponta, dava-lhe a volta certa e aí estava ele, o ‘e’.

O ‘i’, lembrava-lhe o plie, que tinha aprendido na classe de ballet. Era a sua letra preferida, ouvia o toque do piano na ponta do lápis, pegava no ‘i’, ajudava-o ao plie e acrescentava-lhe uma pinta, como se fosse o pompom do penteado, preso com uma fina rede.

O Livro assistia a tudo de longe e com paciência ficava quieto no seu canto, a imaginar o dia em que ela o fosse escrever. E Clara seguia sem saber do talento.

O ‘o’ punha-a a sonhar. Aquela perninha que saia da bola redonda em direcção ao céu, puxava-lhe pela imaginação e pensava logo que o ‘o’ não andava por ali sozinho com as outras vogais. Estava certa, que aquela perninha voltada para cima ansiava por mais letras. Perguntou à professora se havia outras para juntar aquelas. Espera e verás, primeiro tens de aprender a fazer estas muito bem e depois logo brincas com todas.

O ‘u’, lembrava-lhe o cadeirão de orelhas do avô Mário, de assento fundo e com dois braços grandes, onde ele se apoiava para ler o jornal e ela se enterrava naquele colo, onde ouvia histórias sem fim.

O caderno de linhas de Clara era um brinco de asseio, onde quase nenhuma borracha se tinha alguma vez esfregado. As vogais vinham todas atrás umas das outras, perfeitas como se as tivesse pintado toda a sua vida. Quando chegaram as outras letras, foi uma alegria enorme e inventava uma razão de ser para a existência de cada uma delas.

O ‘s’, era a cauda de um papagaio de papel ao vento, na praia no Inverno, o ‘p’, amigo do soldadinho de chumbo, da história do avô, o ‘q’, um gato de costas, amuado com o rabo descaído, o ‘f’, o pente do namorado da mulher-a-dias, o ‘g’, um anzol igualzinho ao que o pai usava no barco, o ‘m’, as montanhas das férias na neve, o ‘v’, o fundo do vale da casa dos avós e o ‘z’, os desenhos geométricos que a mãe fazia nascer na prancheta.

O Livro deleitava-se de prazer. Continuava a ansiar pelo dia em que Clara o iria descobrir, abri-lo e saber que tinha de o preencher. Mas teve ainda de esperar pelas cópias, ditados, redacções, testes de língua portuguesa, o assimilar de normas e regras da língua, para encadear todas aquelas letras.

E depois o ler. Clara tinha ainda de ler muito, antes de ir ter com ele.

Precisava de crescer primeiro, com todos os outros livros.

Com os contos de Perrault, de Andersen, de La Fontaine e dos Grimm, saber das histórias da Sophia, de sonhar com a Colecção Azul, viver as aventuras da Enyd e conhecer os Cinco, os Sete e o Gordo do mistério, imitar as peripécias das gémeas em Santa Clara e as partidas da Diana e das outras raparigas nas Quatro Torres.

Conhecer o Zé Colmeia, o Gasparzinho, a força da Bolota, os milhões e a bondade do Riquinho e a Brotoeja das bolinhas. Criticar o Patinhas, adorar o mau feitio do Donald e invejar o talento da Vovó Donalda. Trocar o ‘l’ como o Cebolinha e lavar o Cascão bem lavado. Acreditar que existem super heróis como o Fantasma, o Mandrake, o Quarteto Fantástico. e Thor. Rir com o Tom e o Huck, chorar com o Pai Tomás e com o Zezé e os seus queridos amigos, o Portuga e o meigo pé de laranja-lima.

Partir no sonho e ser levada pela imaginação, com o Júlio na volta ao mundo, conhecer as pupilas e a morgadinha, saber dos amores infelizes de Teresa e Simão, de Carlos e Eduarda, de Pedro e Inês, namorar com Garrett, Florbela e o Luís. Multiplicar-se com o Fernando.

Apaixonar-se por Heathcliff!

Investigar com Poirot, Maigret, Perry Mason e Nero Wolf e depois perder-se à vontade e ter Grandes Esperanças.

Lançar-se aos livros e fazer escolhas, seleccionar autores, preferir formas de escrita, envolver-se no ritmo, na entoação, na trama, na viagem, na criação e no talento de muitos.

Tanto para fazer, até chegar o dia em que conhece um Livro em branco, um Livro que nem sequer linhas tem, que ninguém ainda escreveu e que chegará até si na altura certa.

Que sempre a esperou.

O Livro que surge numa altura, em que Clara cheia de saudades das pernas delicadas do ‘a’, das voltas do ‘e’, do plie do ‘i’, da altivez do ‘o’ e do cadeirão do ‘u’, os irá voltar a desenhar, como o mesmo amor de antes.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

ermos

foto minha

Gosto de conhecer, de me relacionar, de me por à conversa, de discussões saudáveis. E ouvir. Gosto de gente.

Mas o meu grupo etário preferido são os velhos, já aqui o disse mais do que uma vez. E uso a palavra velho, porque gosto do que ela encerra.

Quando estou com eles, observo muito, ouço mais e fico atenta a tudo. Aos gestos, às palavras, às expressões, aos movimentos lentos, às mãos, ao sorriso brando, ao fechar dos olhos sempre que descansam acordados.

Este foi um monólogo, que a D. Rosarinho teve sentada ao meu lado, enquanto esperava pela sua consulta, na mesma sala da clínica onde eu também aguardava.


A minha casinha era no Algueirão, sabe? Não há nada como a nossa casinha. Eu tinha para lá muita criação, dois cães e nove gatos muito amigos, mas estava sozinha e quando fiquei doente, tive de deixar tudo.

Sinto falta das minhas vizinhas, que me ajudavam a estender a roupa no quintal e a fazer a cama todos os dias. Tenho saudades da visita do carteiro e do senhor Abílio, que me trazia a botija do gás todos os meses e um dia até me arranjou a fechadura do portão.

Olhe e agora, estou para aqui perdida, longe das minhas coisinhas. Sei que sou muito bem tratada lá no lar, mas não tenho ninguém.

Não há nada como a nossa casinha.

Venha Rosarinho, é a sua vez, disse a empregada do lar que a acompanhava à consulta e ajudando-a a levantar, deu-lhe um beijinho na testa.

Beijinho que valeu ouro para mim.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

responsabilidades de adolescente


Que maçada Beatriz, logo hoje tínhamos de marcar a tua consulta para colocares o aparelho, mesmo na véspera do teste de físico-química. E o dentista disse que deve ser p’rái uma hora e meia de boca aberta.

Bom, vamos então, que enquanto tu estás na consulta eu vou ao supermercado e à farmácia e assim vimos logo para casa, para não perderes mais tempo.

Só vos digo que ficou giríssima, de brackets novos e com cor roxa. Modas! E ela adorou.

Vá, vamos lá para casa, que tens de acabar de estudar com calma.

Sem stress mãe, estive a rever mentalmente a matéria do teste todinha, refastelada na cadeira e já está tudo sabido.

Ai Dona Lurdes, a senhora não merece estudantes responsáveis e aplicados como esta!

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

cozinha vudu


Tralará, tralará, tralará, lá ia eu mais animada neste domingo, pois a minha cara já não se assemelhava tanto a um Basset Hound, quando tiro a galinha da embalagem para fazer um almoço simples-simples, como aquele do franguinho ‘à maricas’ que a Ka, tanto se chocou com o nome de baptismo.

Quando me atiro ao bicho, não é que das profundezas de uma entranha, que não faço a mais pequena ideia qual foi, me sai de lá um pescoço enorme, mole e frouxo, com a cabeça do falecido agarrada, de olhos arregalados de espanto a olhar para mim, bico aberto prestes a fazer có-có-ró-có-có e crista encarnadinha da silva?

Voou imediatamente das minhas mãos. Não porque também viesse com asas, mas porque do susto o atirei ao ar. E juro que a bicha se mexeu!

Mas quem é que cozinha cabeças de galinha com olhos abertos ou fechados - é indiferente - bicos amarelos, quase com grãos de milho na ponta e cristas empinadas?

Cristas? Oh valha-me Deus, quem é que come cristas?

Eu sei que a nossa gastronomia tem comidas suspeitas, tais como línguas, orelhas, pézinhos e mãozinhas, caras, unhas, túbaros, tripas, pescoços e mais não sei o quê.

Mas cristas, nunca vi!

E desculpe lá, oh senhor que embala os frangos no supermercado, o que é que eu fazia com a cabeça da ave, para ali pendurada? Canjinha de crista com olhos? Bicos de fricassé com molho de crista? Ou olhos salteados, com panadinhos de pescoços?

Com o chilique, mais os ais e os uis, acordei o prédio. Talvez o bairro. Provavelmente o concelho.

‘Ca nojo.