segunda-feira, 31 de outubro de 2011

folders


Penso que já se nasce assim. Com a cabeça dividida por sectores. Digo eu. Não sei.
A minha é. Ordenada. Com cores, etiquetas, formatos e texturas. Alguns com post-it para não esquecer. Clips presos, notas de rodapé, sublinhados a encarnado, rasuras violentas, papelinhos agrafados no canto.
Parece um arquivo com muitos ficheiros, daqueles metálicos que tinham umas pastinhas penduradas, que rangiam a cada safanão.
Agora preciso de arranjar um sector "miscelânea".
Atirar lá para dentro, à laia de não te rales, tudo o que já não me apetece, o que não vale a pena, aquilo que não penso perder sequer tempo.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

segunda pessoa do singular


A minha avó passajava.
Da capoeira - pensava eu - trazia o maior e mais claro ovo, o mais liso e bonito das galinhas ruivas e esquecia-se dos dias, em tardes de chuva envidraçada ou de sol severo, na salinha da costura, a dispor como novas as meias do avô.
- Oh 'vó, como é que tu nunca partes o ovo?
- As avós não se tratam por tu - e sorria.
A minha avó pregava.
Fixava o botão no tecido e deslizava a linha na ponta da língua, enfiando-a na agulha com jeito e à primeira. O nó firme era dado numa única extremidade, e a outra ficava mais curta e solta. Não se pregavam botões à preguiçosa; com duas linhas unidas!
- Oh 'vó como é que fazes para a linha não fugir?
- As avós não se tratam por tu - e sorria.
A minha avó crocheava.
Pegas de caleidoscópio com cores das romaria de verão, que ela fazia nascer naquele instante. Magistrais pedaços de croché em formas perfeitas de losangos, hexágonos e circunferências, de fazer inveja a qualquer catedrático da disciplina.
Pegas perfeitas e rígidas, que não me deixam queimar nunca e que guardo, ali no canto secreto da cómoda que tem bicho.
- Oh 'vó, que nome dás a essas cores todas?
- As avós não se tratam por tu - e sorria.
Na salinha da costura, onde a chuva estalava nas portadas e o sol, invejoso das cores e do brilho daquelas linhas, a agredia queimando-lhe as costas já curvadas, a minha avó passajava, pregava e crocheava ... e sorria.
E eu tratava-a por tu.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

e depois eu


Há uns séculos, quando este blog fez um ano, escrevi ali do lado direito, que "às vezes só me faltava eu".
Das muitas vezes que deparei comigo, assim frente a frente, do outro lado do passeio, num cara com espelho, foi quando me iniciei, aqui, sem querer, a escrever.
Aquilo, de que nós somos muitos ao mesmo tempo, e que vamos renovando, alterando e mudando estes eus todos, sabendo de outros, descartando tantos mais; é tudo verdade.
Mas acontecem-nos no caminho, eus mais atinados do que outros. Os eus em que estamos só nós...e eles.
Já alcancei, entretanto, mais um ou outro.
Mas um dos meus eus mais acertados, é este.
Tentar escrever. Só eu.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

em estado de...


...regresso.