A minha avó passajava.
Da capoeira - pensava eu - trazia o maior e mais claro ovo, o mais liso e bonito das galinhas ruivas e esquecia-se dos dias, em tardes de chuva envidraçada ou de sol severo, na salinha da costura, a dispor como novas as meias do avô.
- Oh 'vó, como é que tu nunca partes o ovo?
- As avós não se tratam por tu - e sorria.
A minha avó pregava.
Fixava o botão no tecido e deslizava a linha na ponta da língua, enfiando-a na agulha com jeito e à primeira. O nó firme era dado numa única extremidade, e a outra ficava mais curta e solta. Não se pregavam botões à preguiçosa; com duas linhas unidas!
- Oh 'vó como é que fazes para a linha não fugir?
- As avós não se tratam por tu - e sorria.
A minha avó crocheava.
Pegas de caleidoscópio com cores das romaria de verão, que ela fazia nascer naquele instante. Magistrais pedaços de croché em formas perfeitas de losangos, hexágonos e circunferências, de fazer inveja a qualquer catedrático da disciplina.
Pegas perfeitas e rígidas, que não me deixam queimar nunca e que guardo, ali no canto secreto da cómoda que tem bicho.
- Oh 'vó, que nome dás a essas cores todas?
- As avós não se tratam por tu - e sorria.
Na salinha da costura, onde a chuva estalava nas portadas e o sol, invejoso das cores e do brilho daquelas linhas, a agredia queimando-lhe as costas já curvadas, a minha avó passajava, pregava e crocheava ... e sorria.
E eu tratava-a por tu.