No almoço de domingo, a duas mesas da minha, sentava-se um casal de 45-46 anos, não mais. Conversa...pouca ou nenhuma. Telemóvel...muito, bastante até. Dele, que falou com o colega da bola, com outro amigo, sobre um tal de "gajo fdp" e ainda com outro chamado "meu ganda sacana". E alto, bem alto.
Passados vinte minutos chega um filho adolescente, acabadinho de sair da cama. Os olhos de uma mãe rejeitada por um telemóvel nokia e um prato de queijo de Niza, brilharam quando ele se deu ao trabalho de grunhir uma espécie de cumprimento, sem olhar para ela, que estava mesmo em frente, à distância de um beijo que não foi dado. Ofereceu imediatamente ao filhinho um pedacinho de pão com a manteiga já espalhada, deu-lhe a água dela e disse-lhe, a sopinha é canjinha.
O mostrengo fez um esgar com a boca e ela rejubilou mais uma vez com a comunicação estabelecida. O pai, esse estava outra vez ao telemóvel a falar com o "ganda sacana" e nem reparou que tinha um filho a almoçar com ele.
Depois aparece o outro, a besta-mor, acabadinho de vir, sinceramente não consegui imaginar donde seria
No entanto, durante o almoço deu para reparar que era mais falador que o irmão, principalmente nos sons nasais e guturais que emitiu e ainda pelo, deixa-me em paz caraças, quando a mãe orgulhosa da prole, lhe disse baixinho e a medo, tens de fazer o pedido filho, que o empregado está à espera.
Oh querido, não estejas assim, só queríamos que viessem para nos fazerem um bocadinho de companhia, disse ela triste à laia de satisfação, mendigando por uma caridadezinha.
Companhia, companhia? Porra e limpou o nariz com a manga, juntando-lhe mais um estridente som nasal.
O mais novo bazou. Já tinha acabado de comer a canjinha e ainda conseguiu levar o cartão multibanco da mãe, apesar dos protestos dela e do silêncio conivente do pai, que estava mais entretido a enfardar a cabidela.
Estes dois monstros já foram bebés, andaram ao colo, receberam beijinhos, mimos, festas e fizeram gracinhas parvas. Usaram fraldas, passearam de mão dada, curaram dói-dóis, deram xi-corações e disseram papá e mamã.
Qual foi o momento exacto, o instante breve, o segundo, em que a vida desta família lhes terá fugido? Viram-na passar, repararam no aviso, deu sinal da sua presença?
Aposto que sim, por muito subtil que seja o toque, há sempre a intuição, pequena que seja, que descodifica algo que se tornou diferente do habitual.
E eu, que tenho esta angústia do tempo e do finito, fico a pensar como será possível haver quem opte levianamente por não ver, não viver, não ser.
Desliguei os olhos dali, como faço sempre com o que me faz mal e quando na minha mesa me perguntaram, tens estado a olhar para quem, eu ainda concentrada na cena respondi, ninguém!