sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

quem é amiga, quem é? #3


O site brasileiro Domínio Público, é uma biblioteca digital de software livre, isto é, tem disponível gratuitamente na internet e de uma forma legal, livros para download
, colocados à disposição de todos os utilizadores a nível mundial.
O Alessandro, no seu blog Livros e Afins, fez uma escolha dos 1.997 livros mais 'baixados' e vocês podem ir buscá-los aqui e imprimir.
São livros e livros que nunca mais terminam, cujos autores permitiram que chegassem a toda a gente, ou de autores que morreram há mais de 70 anos.
É facílimo. Vão .
Bom Carnaval e até Março.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

desafio


Tomei a decisão de não aceitar mais desafios ou correntes, mas tenho alguns em atraso e este é um deles. A simpática de dentro da fora, a quem se juntou a querida Luísa, pediram-me que do livro que eu tivesse à mão, transcrevesse a 6º frase da página 161.
Sempre tive o hábito de ler vários ao mesmo tempo, sem que histórias e personagens se metessem na vida uns dos outros e entre esses estão sempre os livros que gosto de reler. E então foi num desses que peguei, já pela terceira vez na minha vida e que faz parte da minha lista top 10: O Retrato de Dorian Gray.
E diz assim a 6ª linha (e já agora a 7ª e a 8ª) da página exigida: "Mas que importava? Que tinha Dorian Gray a ver com a morte de Sibyl Vane? Não havia nada a temer. Dorian Gray não a tinha assassinado".

À boa maneira de Wilde (onde ele próprio também se inclui), dos melhores a retratar a vaidade, a futilidade, a hipocrisia e o culto da falsa aparência, que o Homem tanto pratica no dia a dia, este livro terá sempre a capacidade de resistir ao tempo.
Podia ter sido escrito hoje.
Dorian Gray, será uma cópia de tantas pessoas que pensamos conhecer, mas que depois revelam ou deixam a descoberto os mais inusitados e até desagradáveis aspectos do seu interior, persistindo contudo em encapotá-los.
Este livro continua a ser extraordinário, porque a cada releitura de uma nova página, descubro sempre novas analogias, paralelos e imagens à vida e às pessoas de todos os dias.
Ainda bem que não sou nada de deslumbramentos ou de criar grandes expectativas salvo claro está, um bom prato de comida e os olhos dos animais.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

bestseller


Um brinco de pérola antigo, sem par; um alfinete-de-ama que já não prende fraldas de pano; uma fivela baça de um cinto que nunca serviu de castigo; um frasco de cristal com terra negra; o vinil quebrado daquela música pop; um molho de carta enamoradas, ainda perfumadas; uma chave ferrugenta de um coração fugitivo; um cadeado que trancava desgostos; um gancho que sustentava paixões; um botão sem casa própria; um pedaço de âncora com pouco fundo; um anel de compromisso que nunca foi assinado; um par de botões de punho por estrear; uma moeda de vinte centavos; um livro de poemas sublinhado; uma fita de cetim branca; duas fotografias sépia de uma casa colonial; uma roca de prata com cabo de marfim; um desbotado passaporte para São Tomé e um caracol louro bebé, guardado num medalhão.

Pequenos objectos sem valor dentro daquela caixa de charão, foi o que recebeu como herança e sem esperar, um homem simples que andava em busca de si.
Folheou peça a peça como se fossem páginas cheias de história, identificou cada nota musical que soava dos objectos e avistou no fundo de cada um, vidas guardadas pelo tempo.
Diz quem sabe das coisas, que é assim que nascem os grandes livros.
Aparentemente do nada.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

percepções I

Cada vez mais, penso que me vou conhecendo melhor, quando dou de frente com pedaços de mim pendurados e semeados pelo caminho. Olvidados.
Afinal não era pisar sem rumo. Pontas soltas, que apenas aguardavam em silêncio pelo momento da laçada certa.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

abstinências


Neste domingo, presenteado finalmente com um sol déspota, a menina do bar da praia colocou na minha frente, lá pelas três da tarde, uma taça redonda onde uma alma artista escondida na cozinha, desenhou com rara sensibilidade aquela nutritiva aguarela texturada de sabores.
A emoldurar a tela, finas meias luas de fibrosa manga laranja, minúsculas sementes, quase lágrimas que escorriam do tomate cherry e uma chuva miúda de uva engelhada, chamada de passa doce.

No centro da pintura, desmaiava levemente ébrio do banho de mel de rosmaninho, um generoso pedaço de cândido requeijão, aninhando no seu colo espevitadas nozes douradas, que preocupadas com a eminência de me secarem o prazer da refeição, aconselharam-me com urgência que estivesse devida e prudentemente amparada pela sempre saudosa caipirinha de verão.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

no paraíso


Briolanja Maria era mulher-a-dias, em casa de patroa fina com bastante requisito e trabalhava desde muito nova, para ajudar a levar o pão à boca da família pobre de seis irmãos.
Desembaraçada, lavava o chão à antiga, de joelhos; esfregava tectos trabalhados; areava pratas com história; raspava gordura entranhada das juntas dos azulejos; sacudia tapetes de tamanhos eternos; estendia quilómetros de varais, com roupa cheirosa e deixava para o final da tarde, aquilo que mais gostava de fazer: engomar.
E enquanto investia horas a fio em vincos impolutos, dobras simétricas, pregas desenhadas a preceito e colarinhos honrados, Briolanja Maria, sonhava com o romântico enredo da novela das nove.
Na sua cabeça vazia de novidades, mas plena de rotinas, idealizava o seu próprio argumento dando a si mesma o papel de rapariga protagonista, radical e temerária, numa história de arrojadas aventuras, cheia de desafios intrépidos na natureza.
Imaginava o galã Carlão José, moçoilo vigoroso e condiscípulo de Neptuno, a pegar-lhe ao colo com um só braço e a atirá-la para o meio das ondas, onde lhe ensinava as manobras básicas do surf, drops, cutbacks, duck-dives, off the lips e reentries.

Rebolavam abraçados na areia molhada, comiam peixe cru em folha de palma, sob um sol escaldante, Carlão trepava ágil ao coqueiro da praia e no fim do dia, colocava-lhe uma flor de hibisco no cabelo e segredava-lhe apaixonado, eu tchi amo bêleza!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

do belo


O valor do que se escreve, não está na escolha das palavras, mas sim naquilo que se vê.
E os olhos com que vemos a beleza das coisas, não nos diz respeito a nós, só a elas.
Assim, sem mais explicações.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

comércio tradicional


Olá Sr. João, bom dia, cumprimento-o eu todas as manhãs.
Bom dia menina, ora viva! Trata-me assim, há mais de trinta anos; menina.
Sempre foi velho, mesmo quando não o era.
Senta-se corcunda naquela eterna cadeira de taberna, que ruge guinchos estridentes no chão de pedra mal lavado e encaracola-se sobre a secretária antiga de carvalho gasto, dividida no tampo por uma racha profunda, já negra do tempo.
Diz-me que é a única peça de época; D. José, orgulha-se ele.
Lê fazendo caretas, de óculos empoleirados na ponta do nariz, a secção de obituário do jornal diário.
As velharias, a sucata e os cacos partidos que expõe na loja, são os mesmos de sempre, dispostos sem jeito ou método; amontoados uns sobre os outros, sem qualquer cuidado. Carregados de pó antigo.
Sabe menina, quando eu coloco a quinquilharia toda ao molho, é para espevitar a curiosidade da clientela. Pensam imediatamente que sou um velho tonto e que devo ter para aqui, debaixo deste lixo todo, alguma relíquia perdida sem saber.
E olhe, que acabam sempre por levar qualquer porcariazita, na ilusão que fizeram uma grande compra.
E eu, nem a boca abro.

O pó, soube também eu nessa manhã, faz parte da sua estratégia de marketing de vendas.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

hoje não escrevinho nada

Escrevinhem vocês.


"A humanidade leva-se demasiado a sério. É esse o problema original do mundo. Se o homem das cavernas soubesse rir, a História teria sido muito diferente".

Lord Henry, in O Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

quem é amiga, quem é? #2

Descarreguem a neura, o stress, o chilique, o esgotamento, a síncope, o desânimo, o desvanecimento, a neurose e a apatia que se abate sobre vós, quando o Inverno se instala.
Para os mais controlados, piquem bolha a bolha. Aqueles que têm a mente mais desarranjada do clima, seleccionem Manic Mode e deslizem o rato.

Vá vizinhança, tudo a postos? É só clicar na imagem e bom fim-de-semana.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

há quem esteja só de passagem


Caminhou toda a existência de cabeça baixa, habituado a obedecer e servir sem reticências, nunca deu por nada, por coisa nenhuma, sequer deu por si.
Não soube que a vida é um momento breve, a felicidade um instante e a luz do dia um veloz clarão.
Quando o chamaram pelo nome que não sabia ter, nem ligou. Foi preciso insistir, para que acordasse os olhos das pálpebras e olhasse para quem lhe gritava.
Era a vida, que reparando finalmente nele, o vinha chamar para a cumprir.
Morreu de imediato, logo ali, em cinco ou seis segundos.
Chamava-se Efémero.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

vetusto


Órfão triste, de faqueiro de prata antigo, ficara de repente sozinho, depois da última colher de sobremesa se perder e no entanto, conseguia destacar-se ainda no seu posto, pela luz que só os objectos nobres possuem.
Sempre de cabeça erguida, vivia das lembranças dos reais jantares de cerimónia, em que era exibido com orgulho, limpo com cuidado e guardado sobre um estojo de couro perfumado e assento fofo, depois de dignamente alisado o lustro.
Um pouco torto no dente do meio, riscado do tempo nas costas e amolgado das pancadas da vida no cabo amarelecido, não se abatia porém com a velhice e exibia com grande soberba e jactância, a marca contrastante que o diferenciava de todos os outros metais.

(música surripiada, um dia destes na Luísa)