Briolanja Maria era mulher-a-dias, em casa de patroa fina com bastante requisito e trabalhava desde muito nova, para ajudar a levar o pão à boca da família pobre de seis irmãos.
Desembaraçada, lavava o chão à antiga, de joelhos; esfregava tectos trabalhados; areava pratas com história; raspava gordura entranhada das juntas dos azulejos; sacudia tapetes de tamanhos eternos; estendia quilómetros de varais, com roupa cheirosa e deixava para o final da tarde, aquilo que mais gostava de fazer: engomar.
E enquanto investia horas a fio em vincos impolutos, dobras simétricas, pregas desenhadas a preceito e colarinhos honrados, Briolanja Maria, sonhava com o romântico enredo da novela das nove.
Na sua cabeça vazia de novidades, mas plena de rotinas, idealizava o seu próprio argumento dando a si mesma o papel de rapariga protagonista, radical e temerária, numa história de arrojadas aventuras, cheia de desafios intrépidos na natureza.
Imaginava o galã Carlão José, moçoilo vigoroso e condiscípulo de Neptuno, a pegar-lhe ao colo com um só braço e a atirá-la para o meio das ondas, onde lhe ensinava as manobras básicas do surf, drops, cutbacks, duck-dives, off the lips e reentries.
Rebolavam abraçados na areia molhada, comiam peixe cru em folha de palma, sob um sol escaldante, Carlão trepava ágil ao coqueiro da praia e no fim do dia, colocava-lhe uma flor de hibisco no cabelo e segredava-lhe apaixonado, eu tchi amo bêleza!