Foi no dia em que as maçãs reinetas avisaram a mãe-árvore, que tinha chegado a altura de se despedirem, que eu juntei um quilo e meio delas, caídas na sombra do meu pomar.
Peguei na velha colher de prata da minha avó e recortei com ela um generoso naco de manteiga fofa, que foi deslizar na frigideira de ferro preto e pegar-se num namoro apaixonado com o açúcar branco, três vezes em maior quantidade que ela, que nem um pouco se ralou com valores ou medidas.
Descascadas e limpas de pudores centrais, cortei as minhas maçãs em quartos de lua, como me pediram. Coisas de paixonetas ao luar, entre elas e os pêssegos carecas.
Saltaram-me da faca afiada, gomos curtos como lâminas finas para irem segurar vela dentro da frigideira preta, onde acontecia o namoro dos outros dois, que continuava pegajoso e efervesceste como se querem os enlaces a sério.
Acabo de fazer no meu tachinho de cobre, um caramelo fininho que deito para dentro da futura cama da tarte, que dá pelo nome de Sra. D. Forma de Teflon. E ajeito por cima as minhas fatias de maçã, já coradas ao lume, pela paixão calórica da manteiga com o açúcar, dispostas com jeito e encadeadas como pétalas de flor.
A desavergonhada e melosa manteiga, enjoada do velho e escurecido açúcar, já se encontra de novo dentro da minha colher de sopa e diz-me agora, que quer meter conversa com o Porto, mesmo nas barbas do açúcar. Faço-lhe a vontade e misturo-a com um cálice do senhor Croft, lá para dentro da mesma frigideira, onde ainda há poucos minutos, a dengosa se tinha enrolado com o outro. Aleivosa.
Os três que se entendam, pois relações promíscuas não são comigo! Que se enlacem, que se agarrem, que se envolvam como bem entenderem. Eu quero é um líquido aromático e perfeito, para dar de beber às minhas maçãs, que aguardam sequinhas, encaixadas dentro da Sra. D. Teflon. E ainda atiço mais o coito, com um belo pau de canela.
Suspiram fundo as maçãs, no momento em que lhes dou o banho do pecado, nascido na frigideira de ferro preto.
Até eu estou cheia de calores com tal luxúria e rapidamente refresco o pensamento num bom pedaço de massa quebrada, que pousada por cima das maçãs, lhes acalma a lascívia, provocada pela pouca-vergonha do inebriante molho ménage à trois de há pouco.
Segue tudo feliz e animado para dentro de um forno bem quente e colocam-se as ideias em ordem, durante uns quarenta minutos. Sra. D. Teflon atira-me um grito, avisando-me que está pronta para sair e eu sem pressa, retiro-a do calor e deixo-a a arrefecer um pouco.
Desenformo-a, viro-a ao contrário e cumprimento de novo as maçãs do meu pomar, agora mais envelhecidas, mas muito mais brilhantes.
Regresso a 1498 e peço ao tio Vasco que não se esqueça da bela canela, que eu lhe pedi para me trazer das suas aventuras ao Ceilão, pois preciso sem falta de polvilhar e temperar a minha obra.
Magnífica, esta especiaria morena. O que seria de nós sem ela.
Mais tarde e acomodada cada fatia num prato, onde mora já uma nuvem gorda de nata meiga, que se esfrega no pedaço de tarte, lanchamos à lareira com um chá preto do Índico, trazido até nós pelo Vasco herói.
35 comentários:
Vizinhança:
Resumindo - 1,5kg de maçãs reinetas, 2 colheres de sopa de manteiga, 3 colheres de sopa de açúcar branco, 1 cálice de vinho do Porto. Canela para polvilhar no final. Servir com natas em chantilly. Ok?
E dizes tu que não tens jeito para escrever sobre o amor.. :)
fica aqui a prova em contrario :)
Já tomei nota da receita. O chá dispenso, há por aí quem precise mais, que eu já tomei muito em pequenino, mas agradeço na mesma ao Vasco. A ti, pergunto-te porque nos atormentas com semelhantes pecados?
Patti, hum adoro maçãs reinetas!
Sempre as comi dizem que fazem bm ao coração. Adoro-as ácidas e verdinhas cruas e assadinhas como as que comi ontem, no forno com um buraquinho no meio e cheias de açucar e regadas com vinho do Porto!
São boaaaaaaasssssss!
Jito,
Sony
Hoje não te li, só vi a receita:-)
Venho á pressa.
jito :-)
Até eu, que disto, só gosto mesmo é do chá, preto, como convém, fiquei com vontade de experimentar a tua tarte.
Ainda te vêm pôr trancas à porta, por causa deste texto; lembras-te daquele post sobre a censura do blogger? Estão aqui os ingredientes todos.
Que delícia de palavras!
Abriu até o apetite para tortinhas, chás e amor :)
Bjs Patti e ótimo fim de semana!
No quintal em casa dos meus havia uma macieira de maçãs reinetas, adorava aquele sabor diferente das outras maçãs.Eu não dispenso o meu chá todos os dias.
Sem palavras, que essas, à tua vista, não se chegam a mim.
Mas arrisco escrever, antes que elas me fujam de vez, que ares de Como Água Para Chocolate - mas mais sexy!, que Afrodite, que... delícia de texto, em todos os sentidos! O teu blog até tem cheiro, hoje.
Parabéns. Gosto sempre de te ler, mas hoje chegaste a um novo nível.
Bj.
Não sendo dotado para a secção de doçaria das artes culinárias, resta-me dizer que adoro maçãs reinetas... mas é em jejum. Um ritual que pratico, diariamente, há mais de uma década.
E quanto ao chá, nesta época do ano sou consumidor compulsivo, mas acompanhado de uns biscoitinhos variados.
A propósito... vai um chá mate? Acabei agora mesmo de o preparar e é genuíno. De Salta, oferta da minha amiga Marcella quando cá esteve em Setembro.
Bom fim de semana
É sempre um prazer vir aqui tanto pelo conteúdo como pelo aspecto. Os meus parabéns pela deliciosa apresentação. Gostei igualmente da música.
Eu não acredito....
Nunca tal me tinha acontecido...
Abro um blog, leio um texto que me deixa em transe e quando volto a mim vejo que ao écran lhe falta um grandessíssimo pedaço, no topo, com estranhas marcas, que mais parecem de dentes, e do interior dos circuitos integrados, agora vergonhosamente expostos, escorre um líquido transparente, castanho escuro e quente, com aroma a especiarias....
Que mistério, este!!
A chegar a hora do almoço. A fome a apertar e esta tarte tatin aqui...ai que maldade!
PrimeiramenteS, este post é uma afronta à quem está de dieta. Foste sádica nos pormenores.
SegundamenteS, eu não sei como são as maçãs reinetas. Em compensação não deves conhecer as de esmolfe, que são lá das Beiras. (ah, vingança!)hehe
Terceira e UltimamenteS, vou ali beber o meu Lipton Gold, que não foi o Vasco quem trouxe, mas eu comprei no Continente e também atravessei o Atlântico com ele. E a minha canela só serve de rima ao Ceilão. É da Margão! Ó sorte!
E já agora, como é que te dá esta inspiração "eroticulinária" à meia noite? A tua cozinha deve ter sido interditada pela ASAE, de certeza!
Vê lá tu, o quê fazes quando te sentas aí a escrever!
beijos, Patti e vai seguir mail.
A foto da tarte totalmente deliciosa, mas a descriçao da receita mais deliciosa ainda....
Doida, dás cabe de mim pá! E onde raio vou eu arranjar maças sei lá das quantas por aqui, reinetas? aqui há maças acidas, maças verdes, maças vermelhas grandes, maças amarelinhas, ahahahaha quero lá saber, eu quero é comer uma fatia dessa tarte! Bolas, vou é atacar um pacote de bolachas que aqui tenho ao lado... bolas!
E vou-me sem te dar um beijo pq me fizeste fome!!!
Eu nem gosto de tarte de maçã mas esta tua descrição deixou-me com água na boca...
Jokas
Hum...! Sobrou uma fatia para mim? Adoro! E aquela que leva uma camada de leite condensado e gemas? ai, ai...
(aproveito para te dizer que me lembrei de acrescentar uma nota no último post, o do acidente; é que me baseei numa história protagonizada pelo meu pai, ainda miúdo).
Beijos.
Não é que seja mais esperta que os outros, mas não pude deixar de reparar como uma mesma coisa pode ser vista de maneiras tão diferentes.
Se atentarmos no teu comentário, ficamo-nos por uma simples receita de uma tarte de maçã.E aí dizemos:
- Ah, Patti, obrigada. Adoro tartes de mação. Vou experimentar.
Se nos referirmos ao post, a mim, esta tua sequência que já começou bem lá atrás, quando puséste o teu caderno a falar, ( sim, este teu jeito de pôr os objectos com que lidas, a falar), faz-me lembrar a história do Pinóquio, quando na calada da noite todos os brinquedos se animavam.
Ou melhor ainda: porque não O Quebra-Nozes?
Sim, mais O Quebra-Nozes. Afinal, num 5'o clock tea umas nozes vão sempre bem.
Patti, que texto delicioso!
Adoro tarte Tatin. E este triângulo amoroso, ao rubro, deixou-me com vontade de... pecar. Tudo aqui tem cheiro, tacto e paladar. Com um bocadinho de imaginação, não é só o pecado da gula que me vem à mente, claro... mas por que não juntá-los? :-)
Não deixarei de fazer esta receita no fim-de-semana, Patti… com um homem ao meu lado, já agora… ;-D
Um bom fim-de-semana para si e para todos.
De dentro:
Já viste? Saiu-me. :)
Salvo:
É para engordarem todos no Inverno, por causa do frio.
Sony:
Então lê mais tarde e depois confecciona a receita. Com as reinetas, claro.
Gi:
Tu não me digas isso! Post mais inocente, este meu.
Fátima:
Delícia é a tarte. Tens de provar.
Nina:
Olhe que na Alemanha faz muito frio e é uma receita óptima para esse tempo daí. Bjs e também para si.
Pedro:
E agora já não tem desculpa para beber o chá sozinho.
Mad:
Obrigada pelas palavras, Mad, mas Laura Esquível é que é outro patamar.
Olha, um livro que adorei onde os cheiros e os paladares entram de uma forma encantadora, no mundo dos humanos e na sua história é o ‘Jardim Encantado’ da Sarah Addison Allen.
Carlos:
Deixe-se lá de desculpas doceiras e toca a seguir a receita, para beber com o seu chá latino.
Teresa:
Obrigada e também gosto de passar lá pelos seus livros, até já tirei nota de alguns. Volte sempre.
Si:
Em transe? Eu bem que me cheirava a canela pelos filamentos do teclado. Acha bem, trincar-me o sistema operativo?
Cerejinha:
Não te esqueças de colocar uma cereja no topo. : )
Pitanga:
Dieta, sua enxuta?
Reinetas são aquelas mais ou menos ovais, verde matizado, meio amargas, que se comem também assadas.
Há noite é que dá jeito, Pitanga!
Mélia:
Bem-vinda ao Ares. Sirva-se de uma fatia.
02:
Olha mistura todas e vais ver que dá uma receita supimpa!
Rita:
Então prova e vais ver que passas a gostar.
Filoxera:
Sobrou, pois, vou já buscá-la e depois já lá passo. E tu não me engordes com esses ingredientes…
Blue Velvet:
É muito o meu registo, sim senhora Velvet. Gosto de colocar as ‘coisas’ a falar, porque transmitem o que nós sentimos e pensamos delas. Tem muito a ver comigo, dar vida ao que me rodeia, porque para mim essa vida existe mesmo, pela importância que têm na minha vida.
E lindo o Quebra-Nozes.
Ana:
Obrigada e junte os pecados todos se faz favor, que estamos em véspera de fim-de-semana.
Luísa:
É isso mesmo, nãos e esqueça do ingrediente principal, para partilhar a tarde, obviamente. : )
Quero mais posts... textos... receitas destas que me fazem crescer água na boca. Uma delícia.
Beijos e um bom-fim-semana Patti.
Queroda Patti,
é a verdadeira reinserção social dessa condenada por ser fruto proibido!
Não gosto de doces, mas a tarte de maçã, como a de limão (além dos gelados) são a excepção, por o ácido cortar o açúcar.
Ah! E obrigado por passar a Manteiga cá no Porto!
Beijinhos
Que maravilha, tarte tatin acompanhada de chá! Eu acabo de me sentar aqui ma minha secretária, chegadinha da escola, depois de uma semana de aulas, pronta para um belo de um fim de semana sem testes para corrigir (e depois de um dia folgado, que não tive alunos, os malandros fizeram greve, até tivemos TVI à porta e tudo) e dou de caras com uma coisa destas! Acho que amanhã vou fazer bolachinhas...
É encantadora a forma como a Patti empresta a fala a estes ingredientes.
Aparentemente coisas sem histórias para contar.
Patti, só consegui ler agora :-(
Não sei o que se passa com a abertura do teu blog no meu computador...
Bem, mas a tarte está maravilhosa. Desde a fotografia que me pôs logo a salivar até ao texto que me deixou a sentir o cheiro das maçãs e da tarte a cozer no forno. Hum...acho que vou ter que fazer uma tarte para o serão do fim de semana.
Beijocas!!!
caramelizei só ao ler a receita, caramba!
:)
Já pensaste em escrever axim um livro de receitas!? UAU!
a receita assim tornou-se ainda mais sugestiva... tenho de experimentar isto qq dia:)
Patti, fiquei maravilhada com essa receita, com essa imagem, com esse sabor, com os cheiros, com as cores, com essa palavras mais doces que os doces de batatas doces... puro amor. Pena não saber o que são maçãs reinetas e de o vinho do porto ser caríssimo por aqui, pelas bandas do Brasil. Mas tenho de saber como é...vou providenciar. Beijo.
Mais um belíssimo texto de fazer crescer água na boca!!
ai Patti,
acabei à pouquinho de jantar (anormalmente cedo, hoje!) e agora isto... estou para aqui a salivar...
fantástica e erotizada descrição!
belíssimo texto de não menos boa sobremesa. parabéns! :)
Paulofski:
Vê lá não engordes.
PCP:
Já sabe que eu sou uma defensora de Eva. Qt à manteiga, entenda-se com ela, mas cuidado que ela não é de confiança.
Fada:
Ainda bem que repousaste do teu trabalho, na minha tarte.
Cristina:
Tudo afinal tem uma história.
Vera:
Tu vê lá essa tarte, mas lha que eu não me responsabilizo com os estragos que ela possa fazer.
Cândida:
Bem vinda ao Ares. Caramelizar até é giro, ainda n tinha pensado nisso.
Susana:
Mas não leves para a faculdade, senão ninguém te larga.
Ada:
Obrigada e maçãs reinetas são uma espécie de maçã, meio acre que se utiliza muito aqui para culinária. Experimente ver no Google.
Lena:
Tu não atires é a minha tarte à D.Lurdes.
Mariam:
Obrigada e tem cuidado para n te parar a digestão. :D
Presente :)
Olha só te digo que ainda bem que estou a trabalhar senão ia directamente à cozinha fazer uma igual :)
Fabuloso este post! Muito bom mesmo :)
beijoss
Ka:
Ah! 'Tava a ver que não comias um bocadinho :D
Enviar um comentário