A Maria dos Anjos foi nossa empregada durante muitos anos. Chegou até nós com dezasseis ou dezassete anos, vinda da 'terra' para Lisboa. Da terra dela, que eu nunca soube qual era.
Agora que já consegues ler melhor, Maria dos Anjos, vamos à papelaria comprar uma revista e escolhes o que quiseres para ti. A sério, menina?
Claro que é a sério, Maria dos Anjos.
Eu trouxe a minha revista do Mandrake, a minha irmã a Burda, o meu pai o maço de tabaco Porto e o jornal e a Maria dos Anjos, apaixonou-se pela prateleira onde estavam dispostos e impecavelmente alinhados, os pequenos livros de romances de amor a cordel, da Corín Tellado.
Depois desse dia, Maria dos Anjos gastava o que lhe sobrava do ordenado, do qual enviava uma parte para a mãe que vivia ainda na 'terra', em Corín Tellado Já sabíamos que tinha terminado de ler o último dos seus livrinhos, quando vagueava pela casa de olhar perdido, sorriso disfarçado e se esquecia de nos pregar raspanetes e fazer queixas à nossa mãezinha.
Escrevia cartas de amor ao noivo, de fazer inveja a qualquer heroína dos seus romances melados, dizia-nos a minha irmã depois de fazer a revisão, a pedido da Maria dos Anjos.
Ah conta lá, conta lá o que ela escreve ao Alfredo. Nem pensem!
E nunca nos contou.
Numa das nossas visitas a Badajoz, o meu pai viu que estava no cinema um filme da Corín Tellado, "Tengo que Abandonarte". Comprou dois bilhetes, um para a Maria dos Anjos e outro para a minha mãe, que lá fez o sacrifício de lhe servir como tradutora. A minha irmã bem que pediu para ir também, mas o filme era para maiores de dezoito.
Quando duas horas depoise, a Maria dos Anjos entrou nas Galerias Preciados, vinha lavada em lágrimas, de braço dado com a minha mãe, que a muito custo punha um semblante bastante sério, ouvindo-a a repetir sem parar, 'aisenhoravalhameDeusquecoisamaisboniaoamordaquelesdois'.
Uns anos mais tarde, partiu de novo para a 'terra' para se casar com o Alfredo. Oferecemos-lhe uma caixa cheia de Corín Tellado e ainda hoje tenho dúvidas, se em Santa Apolónia ela chorou mais com pena de nos deixar ou da emoção, quando viu o presente das patroinhas.
A escritora espanhola Corín Tellado morreu no sábado. Escreveu mais de quatro mil livros e vendeu mais de quatrocentos milhões de exemplares. Em Espanha, só Cervantes terá sido mais lido do que ela.
E eu lembrei-me de imediato da nossa querida Maria dos Anjos. Que será feito dela?
Dizia muitas vezes 'valhameDeusmeninatejaquietinhasenãodigoàmãezinha'; assim, tudo pegado e todos ríamos com ela.
Era pouco mais velha que a minha irmã, que a ensinou a ler e a aperfeiçoar a letra tremida e irregular. Adorou!Agora que já consegues ler melhor, Maria dos Anjos, vamos à papelaria comprar uma revista e escolhes o que quiseres para ti. A sério, menina?
Claro que é a sério, Maria dos Anjos.
Eu trouxe a minha revista do Mandrake, a minha irmã a Burda, o meu pai o maço de tabaco Porto e o jornal e a Maria dos Anjos, apaixonou-se pela prateleira onde estavam dispostos e impecavelmente alinhados, os pequenos livros de romances de amor a cordel, da Corín Tellado.
Depois desse dia, Maria dos Anjos gastava o que lhe sobrava do ordenado, do qual enviava uma parte para a mãe que vivia ainda na 'terra', em Corín Tellado Já sabíamos que tinha terminado de ler o último dos seus livrinhos, quando vagueava pela casa de olhar perdido, sorriso disfarçado e se esquecia de nos pregar raspanetes e fazer queixas à nossa mãezinha.
Escrevia cartas de amor ao noivo, de fazer inveja a qualquer heroína dos seus romances melados, dizia-nos a minha irmã depois de fazer a revisão, a pedido da Maria dos Anjos.
Ah conta lá, conta lá o que ela escreve ao Alfredo. Nem pensem!
E nunca nos contou.
Numa das nossas visitas a Badajoz, o meu pai viu que estava no cinema um filme da Corín Tellado, "Tengo que Abandonarte". Comprou dois bilhetes, um para a Maria dos Anjos e outro para a minha mãe, que lá fez o sacrifício de lhe servir como tradutora. A minha irmã bem que pediu para ir também, mas o filme era para maiores de dezoito.
Quando duas horas depoise, a Maria dos Anjos entrou nas Galerias Preciados, vinha lavada em lágrimas, de braço dado com a minha mãe, que a muito custo punha um semblante bastante sério, ouvindo-a a repetir sem parar, 'aisenhoravalhameDeusquecoisamaisboniaoamordaquelesdois'.
Uns anos mais tarde, partiu de novo para a 'terra' para se casar com o Alfredo. Oferecemos-lhe uma caixa cheia de Corín Tellado e ainda hoje tenho dúvidas, se em Santa Apolónia ela chorou mais com pena de nos deixar ou da emoção, quando viu o presente das patroinhas.
A escritora espanhola Corín Tellado morreu no sábado. Escreveu mais de quatro mil livros e vendeu mais de quatrocentos milhões de exemplares. Em Espanha, só Cervantes terá sido mais lido do que ela.
E eu lembrei-me de imediato da nossa querida Maria dos Anjos. Que será feito dela?
28 comentários:
A vida faz-se também de memórias. Mas há pequenos tesouros que apenas são de quem consegue guardar algumas memórias e, um dia, dar-lhes vida... assim.
há memórias que nunca nos largam, não é?
Não conhecia a autora mas devia ser o tipo de leitura dos "livros de bolso" que se vendem nas bancas de jornal como: Julia, Bianca, Sabrina. É uma leitura fácil e ainda hoje derretem alguns corações.
Maria dos Anjos deve tê-los guardado no baú do enxoval e ia lá cada vez que precisava sonhar e sair da realidade.
bom dia Patti
Sabe de uma coisa? Somos privilegiados por ter em nossas vidas pessoas como a "Maria dos Anjos".
Cuidam de nós com amor, respeito e ainda nos dão a alegria de lhes ajudar a descobrir o mundo.
Provavelmente, terá percebido que a vida - e o amor- é muito diferente dos romances, mas espero que tenha sido feliz, encarnando uma das personagesn de Corin Tellado ( se o marido tiver estado pelos ajustes, claro...).
Eu também li muitos livrinhos da senhora ... eram de subir ao telhado, credo!
As fotonovelas, lia-as na casa da minha melhor amiga, que a minha mãe não deixava entrar nada que fosse aos quadradinhos; nem o sol!
E a música a dar com a Corin Tellado!
Também tive uma empregada assim. Chamava-se Armanda e era de Alfândega da Fé.
Apaixonou-se por um magala e um dia lá foi de volta à santa terrinha para casar.
Nunca mais soube dela mas deve ter sido feliz, já que na cabeça dela tudo estava preparado para o ser.
Memórias que ficam e fazem também parte da nossa história.
Bjs
Olha, só agora liguei o som e vi que o Julio veio fazer companhia a Maria dos Anjos e a Corín.
A minha favorita dele é Abraça-me.
"Abraça-me
como se fosse agora
a primeira vez"
Olá!
É bom sonhar...e na altura a Maria não tinha as telenovelas...
As Marias hoje sonham com vidas melhores acompanhando as mil e uma telenovelas que os nossos amigos brasileiros nos mandam ;=(
ehehehe
Beijocas
Patti, só li, em miúda, um Corín Tellado. E achei uma ousadia, com as suas descrições de uns beijos sôfregos, que comiam as caras todas. Tinha aquele romantismo intensíssimo da conquista que fica a dois passos da materialização entre lençóis, mas não materializa, para não ferir os «puritanismos» da época. Não sei se o estilo evoluiu com os tempos, onde chegou. O livro que li em miúda, li-o muito bem. ;-)
No meu tempo de colégio interno diziam-me que essas leituras eram pecado... Nunca consegui ler uma história da Corin Tellado... Não sei se por motivos morais se estéticos rsrsr
:)))
Coitada da Maria dos Anjos, tarde deu conta que o Alfredo não era o personagem que tinha imaginado.
Que excelente homenagem fizeste à Maria dos Anjos.
Lembro-me bem destes romances, a sminahs tias tb se riam e ficavam com um olahr daqueles... mais romantico só a radionovela "simplesmente maria".
um bj.
Tenho uma irmã que leu, na adolescência, os sucedâneos desses lidos pela Maria dos Anjos, mas, e tal como diz o Carlos, não demorou muito a aperceber-se que " cá fora " as coisas são muito diferentes...
Era eu pequenita ainda e já as minhas irmãs mais velhas tinham esses famosos 'romances' como lhes chamavam, para lêr e quem sabe sonhar como a tua Maria, eu que era 'muito ' curiosa de vez enquando lá ia espreitar, sem que ninguém visse é claro :)
Não são mto diferentes alguns livros romances que andam por ai...
o importante foi aprender a ler...
Beijinhos
São estas ligações da vida que nos fazem gente.Aproveita e vai saber dela.
boa semana.
Adorei lêr. Eu também li quando era pequena. Desta feita não era em casa da GI. Como ela diz, estes eram lidos em minha casa. Isso é que a gente se derretia. Tinhamos 10, 11 e 12 anitos. As que nós líamos eram as Marias dos anjos lá de casa que adquiriam. Ou então outras Marias dos anjos que lhes emprestavam...enfim...
Corín Tellado faz parte do passado de todos os que têm mais de 50 anos. Mas a tua história está cheia de vida e de ternura e de muita, muita nostalgia...
Lembro-me muito bem dos livros dela, apesar de nunca ter lido nenhum. O mais giro é que já era adulta quando descobri que ela não era um ele... para mim Corin só podia ser nome de homem, não sei lá porquê!
Eram os maiores dramas (ou não) de amor de cordel! também havia disso lá por casa!Eu tive uma Lourdes e um dia também foi para a terra... recordações!
Homenagens devidas! Muito bonitas!
Pela Páscoa, fiz uma assim :) dando voz à memória! E sabe tão bem!
Eu, que nem sou muito dado a memórias, fico sempre sem palavras cada vez que aqui venho, raios! Hoje resolvi não ma calar (mas se calhar devia!). :)
A Maria dos Anjos do tempo em que o amor chegava por correio ou em fotografias escritas.
Recordo que em casa dos meus avós, a minha tia tinha várias revistas de romance e fotonovelas. Na minha curiosidade folheavas embora não fosse bem o meu género de literatura! Se calhar também li Corin Tellado!
E eu que achei que te tinhas lembrado desta história por causa de ter sido introduzido o tema fotonovelas no "Foi assim que aconteceu". Essas li-as muito; Corin Tellado não me lembro (e eu que sempre achei que era um homem!).
Beijos pa ti Patti
Mike:
E fez muito bem, só falta confessar que tb leu uns Corín Tellado!(gargalhada)
Livra!... (risos)
Acho que nos anos 60 e 70 do século passado, era moda ler CORIN TELHADO.
Mas uma coisa temos tresente, com os seus escritos terá, certamente, proporcionado muitos momentos de alegria a quem a leu.
APS
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