Precisava de se isolar. Deixou-se ficar para trás, naquela desordenada cozinha cheia de suja louça, encavalitada num exercício de equilíbrio pouco seguro. As luzes já estavam fracas, pastosas e arrastadas, como aqueles sonhos que não terminam, mas conseguiu distinguir num canto escuro, a solidão de uma única laranja ainda por descascar, esquecida à sangria de champanhe.
Retirou do suporte uma faca afiada, daquelas de lâmina luzidia e reflectora, que fazem suster a respiração se empunhadas com destreza. Pôs-se a observá-la com cuidado, subindo-lhe à ponta dos dedos uma tensão nervosa, rogando-lhe que a usasse.
Lapidou a fruta tímida e descolorada, primeiro de forma subtil e delicada, mas à medida que a acústica do silêncio fazia ouvir os silvos do facalhão na bancada de aço inoxidável, fazendo clara concorrência com as estridentes buzinas dos carros, lá fora no vendaval da noite, ele entusiasmou-se e em três golpadas certeiras, desfez carrascamente o aflito fruto em pedaços, provocando-lhe um desmaiar fatal de sumo escorregadio.
A inexperiência fê-lo falhar o último golpe. E no chão de mármore branco impoluto, misturaram-se numa dança lenta, a espessidão encarnada do sangue fresco da sua mão, com a seiva doce da vítima.
Retirou do suporte uma faca afiada, daquelas de lâmina luzidia e reflectora, que fazem suster a respiração se empunhadas com destreza. Pôs-se a observá-la com cuidado, subindo-lhe à ponta dos dedos uma tensão nervosa, rogando-lhe que a usasse.
Lapidou a fruta tímida e descolorada, primeiro de forma subtil e delicada, mas à medida que a acústica do silêncio fazia ouvir os silvos do facalhão na bancada de aço inoxidável, fazendo clara concorrência com as estridentes buzinas dos carros, lá fora no vendaval da noite, ele entusiasmou-se e em três golpadas certeiras, desfez carrascamente o aflito fruto em pedaços, provocando-lhe um desmaiar fatal de sumo escorregadio.
A inexperiência fê-lo falhar o último golpe. E no chão de mármore branco impoluto, misturaram-se numa dança lenta, a espessidão encarnada do sangue fresco da sua mão, com a seiva doce da vítima.
22 comentários:
Estou a começar a ficar preocupada. Não seria o caso de retirar dessa cozinha todas as facas e citrinos?
Um dia destes não irá ele confundir-te com uma suculenta laranja?
Óporamordedeus alguém chame o IMEM!
Olha, o susto foi tanto que errei nos Serviços. É o INEM, pá!
Patti
Nunca imaginei que o simples cortar o dedo ao descascar uma prosaica laranja pudesse resultar num texto desses... Maravilhoso...
beijos e bom dia para você.
Deve ser assim que nasceu o sumo de toranja.
Credo mulher que tu andas tão de faca na liga. ;)
Começo a ficar muito preocupado com este crime. Espero que se fique pelos citrinos e não vitimize tambêm os pêssegos
Ui... (fugindo)
(lembrei-me de um post do meu amigo garfanho e arrepiei-me, de novo...)
Boa semana, com laranjas mais doces... :-D
E a música de fundo? tem de ser algo mais... Pássaros:)
Preocupa-me aquele súbito entusiasmo dele, Patti. Diz que o «golpear», «retalhar» e «fazer em pedaços» é um gosto que se adquire... ;-D
vai em crescendo o sentimento que provocas nestas letras mais duras dos que as a que me habituaste, por aqui.
Impossível ficar indiferente.
Espremidinho, esprimidinho, exercitarás ainda outros cenários de uma voluptuosidade perturbadora dos desejos, hummm!
E tudo muito devagar para tornar maior o medo.
Olá Patti...
belo mto sempre o que escreves..
e senti...
amanhã volto...
parabéns
!nfinito beijinho
O que essa laranja vibrou nas mãos dele. Por curiosidade (mórbida), de cor era o verniz das unhas dos pés da laranja?
Mike:
Escarlate a a tirar para o azulado (mórbido também). :)
:) que sádico prazer!
uau! eu tava lembrando que preciso me forçar a comer mais frutas, já que não sou grande fã delas... mas assim, aahh perdi o apetite Patti :)
Ora aí está um excelente começo de um romance policial a escorrergar para o surrealismo. Vamos lá ao 2º capítulo:))
Ora então já cá cheguei.
A esta hora tardia, mas foi o que se pôde arranjar.
A ver se ponho ordem nisto:
Sr. Carlos Barbosa de Oliveira, o Sr. faça o favor de fazer o relatório pericial do crime.
Sra. Dna. Luísa, a seu cargo ficam as fotografias, e não esqueça que deve tirar mais do que uma de cada prova, ao lado do respectivo nr. e bitola de referência.
Sra. Dna. Pitanga, já que chamou o INEM, vai ter que constar do rol das testemunhas.
À Sra. Dna. Gi vai caber a tarefa de analisar todas as fotos tiradas pela Dna. Luísa.
Dna. Velvet, como é evidente, instruo-a como advogada de defesa.
E a principal suspeita, é claro que é a Dna. Fugi, apanhada em flagrante a pirar-se da cena do crime.
Está tudo, não está??
Ok.
Sra. PresidentA, à porta do seu blog vai ser colocada a tarja amarela que diz 'Crime Scene do Not Cross', por isso, considere o seu blog encerrado até ao final das averiguações.
Até logo!
Ai presidentA que este seu eleitor anda numa roda viva que nem para a s reuniões de condominio , diárias, já consegue ter tempo. O vila forte reclama e os vizinhos também ,mas isto da crise que felizmente não é para todos.
Prevejo uma saga "crime disse ela" cheia de vitamina c, para salvaguardar a vizinhança de uma qualquer gripe que apareça.
bjs
Si:
Oh assistentA, mas quem é que lhe deu liberdade, para se chegar à frente, assim dessa maneira?
Mas quais tarjas amarelas, quais quê!
Vá mas é lá para o seu cantinho escuro da Junta de Freguesia do Blogobairro, carimbar o que tem em atraso!
Tchanã!
Clap, clap, clap.
:-)
Enviar um comentário