quinta-feira, 7 de abril de 2011

trivialidades


Chegou arrastando a cauda do vestido novo, que ficou entalado na porta de ferro. Não se incomodou, pelo contrário, agradava-lhe fazer-se notar.
O excesso do rico brocado, também não lhe deu muito jeito ao sentar-se na minúscula cadeira da esplanada, mas Anne Mathilde não era jovem de chiliques e lá se acomodou entre sedas, rendas, laçadas e leques de pluma de avestruz.
Enquanto bebericava um chá gelado, esticava o pescoço para alongar a postura. Cruzava uma perna, abanando a ponta do sapato para exibir a fivela larga e observava com elevado prazer, o efeito provocado nas demais à sua volta.
Criticava para dentro do seu ar inofensivo e angelical, as cores que as outras não sabiam combinar, o enxovalhado dos seus algodões, o despropósito na junção que faziam entre organzas e rendas, e a tentativa frustrada de imitação da moda na corte.
Elas faziam-lhe o mesmo. Invejavam a elegância do porte de Anne Mathilde, gabavam-lhe o bom gosto no vestir, admiravam a forma segura com que agarrava o copo do refresco de chá e algumas até se atreviam a mordiscar as bolachinhas de sésamo,  do mesmo jeito bico-de-passarinho com que ela o fazia.
Anne Mathilde, a bastarda de Napoleão, era um modelo a seguir naqueles dias.

12 comentários:

Justine disse...

Aqui está um modelo de como se "agarra" irresistivelmente a atenção do leitor:))))
Abraço

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Um lindo quadro arrancado do tempo...
Linda, voluntariosa, invejada mulher, sempre presente em seja qual for a época, sempre despertando atenções...
Beijos, Patti.

Rosa dos Ventos disse...

Eu vi logo que aqui entrava algo de muito chic, vraiment français! :-)

Bisous

Laura Ferreira disse...

Lindo, de tão simples.

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Patti,
a desconformidade entre o declarado e o sentido parece-me tornar mais grave o caso das demais, já que A.-M. nos é dada como reservando duplamente o paroxismo do corte, para o seu íntimo no sentido de maledicência, para o bafejado fisico na acepção de modelo de costura.
Por que será que a hipocrisia é menos cotada que o desprezo?

Beijinho

Sérgio Moreira disse...

Esse tipo de vestidos até me fascina bastante ;)

Blondewithaphd disse...

E a "banda visual" que acompanha o quadro não poderia condizer melhor...

Pitanga Doce disse...

Sabes que pude "visualizar" toda a cena? Talvez a música tenha ajudado, ou texto ou a própria Anne.

Luísa A. disse...

Patti, confesse: anda a escrever um romance. ;-)

f@ disse...

Olá Patti,
saudades...
beijinhos

Luma Rosa disse...

Anne Mathilde, maquiavélica!! (rs*) Bom fim de semana!! Beijus,

mariam [Maria Martins] disse...

Patti,

.. é mesmo um gosto enorme, ler o que tão bem escreves :)

Fechei a caixa de comentários do http://mariasentidos.blogspot.com/ (um dia destes reabro), mas continuo a visitar o 'blogobairro' e embora ande parca no comentar, não me esqueci de Ti nem dos outros(as)amigos(as).

um abraço e o meu sorriso de sempre :)
mariam