Entram sempre sem olhar para ninguém. Senta-se um e depois o outro. Um olha para a televisão e outro não olha para nada. E depois trocam. Lêem a ementa com calma e em silêncio, escolhem o de sempre e um olha para a televisão e outro não olha para nada. E depois trocam.
Ela abre o patê, barra-lhe uma tosta estaladiça e coloca-lhe no prato, come uma azeitona sem caroço e pede uma água fresca. Serve-se do queijo fresco, que só tempera com pimenta e na última fatia junta sal e oferece-lho. Ele aceita e continua a olhar para a televisão e ela não olha para nada e depois trocam. Chega a espetada de tamboril, colocada ao lado dele que a serve primeiro. Pimento e cebola não, não gosta e ele já sabe. Estende-lhe o prato e ela estica a mão, enquanto olha para a televisão e ele não olha para nada. E depois trocam. Um café e um brandy e uma mousse de maracujá, que ela não come até ao fim, pois duas colheres são para ele, que já sentado de lado na cadeira com o balão entre os dedos, olha para a televisão e ela não olha para nada. E depois trocam.
Surge a conta e finalmente daquele casal sai um som, alcançando o pico mais alto do seu dia, o clímax, vamos?
Ela levanta-se e nem responde a olhar para a televisão e ele não olha para nada. Afinal em casa também têm televisão e depois lá trocam.
28 comentários:
Esses dois estavam decididamente trocados.
Ou não Salvo Conduto!
Infelizmente há quem viva assim durante muito tempo...
Bem Patti!
É sem dúvida aquilo que mais me impressiona num casal/casamento: o silêncio.
Mil vezes as discussões e as pazes, as diferenças de opinião, os clubes de football diferentes, a falta de sexo.
Mas quando o silêncio se instala, já não resta mais nada.
Provavelmente uma união de interesses, ou seja, um consórcio.
patti,
até tou trocada com tanto trocadilho, Deus me livre e guarde!
:-)
Sony
Bom só posso dizer : que conversa interessante :(
Ainda bem que as minhas são mais 'enfadonhas', graças a deus :)
Consórcios que duram uma vida, se calhar porque trocam, não é?
No antepenúltimo parágrafo também
é trocam, não é?
esta é uma falta de diálogo que infelizmente impera
Os diálogos que não existem dizem tudo de uma relação assim. Mantêm-se aparências, conveniências e, sobretudo, independências, em que cada um vive a sua vida, à sua maneira, apenas com o pequeno pormenor de (às vezes!!) dormirem na mesma cama.
E o que mais me entristece é que uma grande parte dos casais jovens vivem assim, tal e qual.
concordo com a Bluevelevet
São vidas cheias de nada que se esgotam em silêncios repetidos e divagações distraídas.
São mentiras repetidas ao longo de uma vida, porque sempre faltou a coragem para romper o silêncio. Muitos sentem-se felizes assim. Talvez animados pelo momento em que trocam os papéis. É esse o sal das suas vidas!
As pessoas nem sequer têm a noção que por vezes o silêncio é das coisas mais corrosivas que há. Cria-se uma parede de betão que a certa altura fica intransponível...
Beijos
Reparo nisso sempre que vou almoçar...nao existe dialogo entre as pessoas! mas o melhor mesmo foi o final do texto...
Muito provavelmente quando um não pode almoçar com o outro, um dirá:não gosto nada de almoçar sózinho(a).
Tudo já foi dito e muito mais.
Mesmo entre silêncios pode haver comunicação, em gestos, sinais e atitudes. O conhecimento mútuo, consórcio, leva a que se tenham comportamentos automáticos, sem uma única palavra dita. Mas estes não trocam um simples olhar e assim está tudo dito!
Patti,
Estes ainda trocam!....
Tretices solitárias para ti.
Coisas dos outros...
Estes nem no restaurante, perante os olhares disfarçam...Não têm como!
Impera o silencio, em todo o lugar que estiverem...Há quem julgue que assim se vive o casamento perfeito, sem contradições, sem mau-viver! Sem nada, que os una, a não ser o tempo de consórcio, ou os filhos, ou o dinheiro.
E se formos pensar, já é tanta coisa, com um valor superior (julgam eles) ao amor.
Gosto de alimentar os meus sentimentos (mesmo numa mesa de restaurante)
Infelizmente acontece todos os dias independentemente do local...observo tantos, assim :-S
E a facilidade com que comunicam, com tudo e todos, fora de casa?
De facto este é um dos panoramos mais vistos nos "casais modernos"!
Querida Patti
o texto, como costuma, é excelente. No que devia ser eternamente renovação, transformando-se amiúde em mero hábito, há dois momentos ilustrativos que gostava de recordadar.
Um, exraído do poema de António Gedeão «Calçada de Carriche», todo ele sobre o vazio repetente do dia-a-dia de uma operária, mas que cada vez mais se estende a outros meios, o do homem que, chegando a casa,
"serve-se dela,
não dá por nada".
e outro, do Marido de uma grande estrela portuguesa, Mulher desejada por tantos e idolatrada ainda por mais, que, entrevistado pelo Júlio Isidro, há bastantes anos, deixou a assistência predisposta a estimá-lo sem voz ou pinga de boa vontade, quando, interrogado sobre o afecto que dedicava à Cara-Metade (ele também há cada pergunta...) se saiu com esta grosseria:
"ao fim duns anos junto de um homem, mulher vira parede".
Por estas e por outras, concordando com o que Bluevelvet terá querido dizer, introduziria uma nuance, a de que o pior nem está nos casais sem sexo, mas naqueles em que este é só rotina.
Beijinhos
Este casal deve viver aterrorizado com o dia em que a televisão se calar e não houver nada para olhar a não ser o outro.
A tristeza da maior solidão de todas.
Pois...há silêncios e silêncios.
Conheço alguns...
Bolas Patti, que deprimente!
Vou imaginar que nesse dia estava a dar um Sporting / Benfica (e isto é uma justificação plausível)e que depois do digestivo saíram e foram dançar um com o outro a noite toda.
Beijocas
Sorrio.
Fotografia feita de palavras. A pb.
A lembrar-me muito um texto dos meus "Homens, Mulheres e Outras Coisas do Coração", ainda na fase Flor da Palavra.
Como sempre, imaculada no registo.
Um beijo
Deixei cá um comentário, mas falei tão baixinho que ele até sumiu.
Junta-se o texto à música, e não se diz mais nada,então.
boa noite Patti
é verdade...
se o dialogo entre o próprio casal é assim, como será então com o mundo, Patti...
É isto, Patti, sem tirar, nem pôr. São situações que sempre achei de uma triste e monótona acomodação. E no entanto, nesta sua descrição, faz-nos sentir, para além da caricatura, uma espécie de intimidade e de respeito mútuo que regenera a cena. Não há bem, nem mal a dizer… Para além do muito bem que há a dizer do «post». ;-)
E o silêncio instala-se de tal maneira, torna-se tão familiar, que deixa de ser precisa a televisão ou seja o que for... É necesária uma grande coragem para o quebrar, mas quando se consegue essa coragem, a vida é de uma felicidade imensa!
Desperdiçam-se vidas assim...
Beijos.
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