Texto inspirado em: "Não venhas tarde!"
Dizes me tu com carinho,
Sem nunca fazer alardeDo que me pedes, baixinho
"Não venhas tarde!",
E eu peço a Deus que no fim
Teu coração ainda guarde
Um pouco de amor por mim.
Tu sabes bem
Que eu vou p'ra outra mulher,
Que ela me prende também,
Que eu só faço o que ela quer,
Tu estás sentindo
Que te minto e sou cobarde,
Mas sabes dizer, sorrindo,
"Meu amor, não venhas tarde!"
Que eu vou p'ra outra mulher,
Que ela me prende também,
Que eu só faço o que ela quer,
Tu estás sentindo
Que te minto e sou cobarde,
Mas sabes dizer, sorrindo,
"Meu amor, não venhas tarde!"
E blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá.
Quando era miúda, este fado do Carlos Ramos ouvia-se muito na rádio - ou melhor, na telefonia.
Sempre gostei de fado, é a música da minha terra, mas a este detestava-o - e sigo a detestar.
Primeiro e antes de compreender alguma parte da letra, era a voz do homem que me incomodava: arrastada, falsa melosa, quase suplicante.
A minha mãe olhava para o meu pai e riam-se.
Depois, na idade da compreensão passei a antipatizar com o protagonista da história: mas ele tem uma amante? e é casado? e vai ter com outra na cara da legítima? e ainda diz que ela sofre de ciúmes?
A minha mãe olhava para o meu pai e riam-se.
E finalmente, a raiva a esta letra personificou-se na traída: mas a parva ainda lhe diz para ele não vir tarde? e com carinho? sem fazer alarde? sem azedume? e ainda se vai despedir à janela? oh mãe, mas como é que a mulher atura um marido daqueles?
A minha mãe olhava para o meu pai e riam-se.
Mas, coitada da desgraçada. Só alguns anos mais tarde entendi que era uma situação comum à época. De educação. De formação. De lei, até. Mulheres em casa com os filhos. Cumpridoras e pacatas. Eles na rua e onde bem lhes apetecesse. Cumpridores também. Mas já não tão pacatos.
Depois, a minha mãe, que felizmente sempre foi muito acima do seu tempo, contou-me que só em 1966, é que a mulher casada teve autorização do marido, para exercer uma profissão liberal ou na função pública. A palavra autorização, é fantástica, não é? Mas alto lá, ele ainda tinha o privilégio de poder denunciar o contrato de trabalho da mulher.
Nesse mesmo ano, a mulher casada alcançou também o direito de ser detentora de património próprio e de poder movimentar contas bancárias. Uma sortuda, já podia ter mealheiro e tudo!
Só em 1969 é permitido à mulher, viajar sem autorização do marido. Influências da ida à lua, só pode!
Até 1975, era multado aquele marido que assassinasse a sua mulher por razões de adultério. Ela ia presa. E upa, upa!
Em 1976, o marido perde o direito de violar a correspondência da mulher. As despesas da capelista, da mercearia e a conta mensal do talho...
Só em 1978, o marido perde o título de "chefe de família".
E eu de boca aberta com o nonsense da coisa.
A minha mãe olhava para o meu pai e riam-se.
Assim, não é de estranhar que este detestável fado, tenha sido à época, cantado e recantado vezes sem fim.
Oh Gi, mulher laboriosa com as letras, tu reescreve-me aí estes execráveis versos e desencanita-me o fado, menina!
18 comentários:
Essa do chefe de família é que me está "intalado". Foi-se tudo, os dedos e os aneis. Minha Nossa Senhora d'Agrela, agora ninguém tem mão nelas.
Pois eu já venho da vizinha, reconfortadíssima, a esta hora tardia, pela sopinha de letras que estava de estalo.
Só o tempero de rolo da massa é que sugeri que fosse alterado por algo mais moderno e arrojado, mas que deixará certamente aquele travo de je ne sais quoi tão, digamos..., explosivo no paladar....!
É que agora a história é outra. Ela dá um copinho de leite ao gajo e sai a rebolar num vestidinho curto e ele gosta cada vez mais da mulher.
E ainda canta "você não vale nada mas eu gosto de você". hehe
Vingança ainda que tardia! hehe
E esqueceste-te que para levar os filhos para o estrangeiro só com autorização do Excelêncio. Ah pois!
Mas se agora já não temos tudo o que descreves, quantas e quantas mulheres há que se pudessem continuariam a dizer:" Não venhas tarde".
As legítimas e as outras.
Uma tristesse é o que é.
A propósito que bom aspecto que tem a tua sopa de letras. Comeste o bolinho à sobremesa? Iac, iac, iac
Cantado, recantado e encantado marialvas e, desconfio até, que muitas mulheres adeptas do "quem sente é filha de boa gente". Que enfado de frado, credo!
E ai de quem não comer a sopinha toda senão a PresidentA conta como foi! Eu com o fado tenho uma relação estranha, ouço mas não se me entranha. Hoje ainda se ouvem por aí canções alternativas populares, pimba, assim com uns dizeres... como hei-de dizer, suigéneres!
E estas maravilhosas mulheres de hoje, donas de seus destinos, nem de longe poderiam supor que a vida de suas ascendentes fossem tão tristes... E, mesmo supondo, não entenderiam como era possível que elas baixassem as cabeças e aceitassem passivamente a tudo isso...
Ainda bem que nem todas baixaram suas cabeças, porque de seu grito de liberdade, de sua luta para conquistas merecidas, chegamos a esta "quase" igualdade de direitos e obrigações, a estas mulheres corajosas e lindas de hoje.
beijos
Ah, querida Patti, que sensação ter encontrado aqui em baixo o meu retrato, um calorzinho tão bom que não lhe descrevo... E então em dias mais sensíveis como hoje, e cala-te boca! Fogo, Patti, fui mesmo apanhada! Um abraço apertado desta sua amiga irreversível, Rita Ferro
O fado, já se sabe que é uma "coisa" cá da Terra...., mas esse triste"fado" da traída esperar tranquila pelo traidor, também seria coisa só de cá????
Aqui há tempos andei no Britânico e tinha uma colega brasileira muito divertida e ela por tudo e por nada dizia:
QUEM NÃO TEM DINHEIRO NÃO TEM VÍCIOS, MULHER É UM VÍCIO....
e era assim que ela terminava todas as historietas que nos contava sobre os namorados :)
As brasileiras não aturam fadistas!!!
xx
E ela vai desencantinar, aposto...
Beijos.
Bem cá estou eu ...tarde e a más horas para dar os parabéns á menina.
Já vi que aproveitou bem o dia, ainda bem!
Quanto ao fado também eu o conheço(somos da mesma colheita)mas eu gostava de o cantarolar, só não me lembro de ter tido dúvidas do relato da coisa(precoce??)sempre achei que apesar de tudo ele também sofria por amor..."eu tenho dois amores, e em nada são iguais"
Coisas da vida, concordo quando dizem que ainda há algumas mulheres que não se importam, eu sei que é assim...para mim não servia, mas tá bem...fui, já escrevi demais, lol
Já percebi que por si não havia fado, cuja essência é a dor, normalmente de corno e há imensos "fados de homem" que falam disso.
Lembro também que neste mesmo fado o fadista não põe de parte a hipótese de chegar cedo um dia e ela ter fugido com o padeiro (que normalmente entram cedo)
lembraria a BlueVelvet que se um pai quiser levar filho ao estrangeiro também precisa da autorização da dona gaja mãe, se for avô precisa dos dois.
Rita:
E já ali está quase desde o início do Ares; vai para dois anos.
Beijinhos, minha querida! :)
Curioso! Este era um dos fados que eu mais cantarolava( ainda hoje , devo confessar...) E sabe porquê?
Porque o que me marca naquele fado é o final:
"Sem alegria,
Eu confesso, tenho medo,
Que tu me digas um dia,
"meu amor, não venhas cedo!”
Por ironia,
Pois nunca sei onde vais,
Que eu chegue cedo algum dia,
E seja tarde demais!"
Isso leva-me a um ainterpretação diferente da maioria dos comentadores e, se calhar dava um bom dueto para uma CG.
PS: Já tente redimir-me, por e-mail, pela minha falha em relação ao seu anversário. Foram dias dificeis estes, em Copenhaga.
Eu nasci em 67 e na capital.Lá não percebia as imposições feitas pela universo masculino.Depois de 17 anos, ao mudar para o interior é que pude perceber que as mulheres precisavam ainda de muitas autorizações...e já estávamos nos anos 80.Demorou, mas melhorou muito!!!
Hoje percebo uma maioria social e economicamente ativa feminina na cidade.
E qto aos fados, não tenho costume de ouví-los e mal os conheço, mas entendo o que diz. Acho que sinto o mesmo por algumas músicas sertanejas.
Patti, a mudança foi realmente muita, de tal modo que agora muitos há que imploram p q nao venhamos tarde... entretanto adoro uma sopinha de letras.
:)
isso era no tempo em que um bom chefe de familia tinha de ser do BEnfas....olha eu que sou da BRIOSA...já viste o rótulo que deveria ter nessa altura?
Luís Maia:
Não leu bem. Eu disse e frisei que adoro fado.
Histórias de padeiros, não conheço.
O termo que utiliza de gaja-mãe, também me parece, no mínimo, inadequado.
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