terça-feira, 13 de maio de 2014
quarto com vista sobre...
O senhor do segundo esquerdo tem uma caspa belicosa, daquela que dá luta acérrima, salpicando gordurosa os ombros do blazer azul. Se resulta para o Ronaldo, resultará para ele, afinal lá no escritório também lhe depositam o salário no BES.
A mulher de cabelo liso e saudável, fácil de desembaraçar, não usa creme. Nem nada. Como tem pouco brilho, tenta agora as gotas que lhe falou a cabeleireira do shopping. A ver vamos. Se não resultar, também não se rala. Está mais preocupada com os valores desacertados que lhe apareceram no último hemograma.
No segundo direito é tudo a meias. Opta-se pela marca branca. Divide-se o champô, o gel e a gilete, até a esponja amarela. São já alguns anos de Lidl, que lhes ensinaram a poupar; quanto maior o frasco, maior o aforro.
A filha é que não vai nisso; coisas de velhos. O canto esquerdo é dela: champô de morango, creme de leite de aveia para alisar o eriçado dos caracóis e gel de corpo com purpurinas. Agora que vem o verão, tempo de shorts, tops, pops e mini saias, é vê-la desfilar brilhosa e de poros exalantes, entre os corredores dos pavilhões da secundária.
A viúva é do primeiro esquerdo e traz das excursões as amostras desapaixonadas, contendo líquidos apáticos, isentos de um cheiro que as distinga das restantes. Como as viagens que faz. Sempre é melhor do que ficar em casa a sacudir os naperons do sofá, diz no café.
Quando foi a Paris é que as trouxe bonitas. Frasquinhos gordos com rótulos vintage - dissera a companheira de quarto - aromatizados com cheiros da infância, de quando brincava lá na terra, nos campos floridos da casa grande.
Ainda hoje os guarda. Intactos. Abre as mini rolhas de cortiça e inspira de tempos a tempos, para não se esquecer não sabe bem do quê.
When people run in circles, it's a very, very mad world, canta frouxa no duche a inquilina do primeiro direito. Arraigada a um namoro arruinado lá nos 80's de que nunca sarou, tem à vista do olhar o último frasco baço do Eau Jeune de limão e o Tokalon cor-de rosa.
Distraída há muito num novo século, compra indiferente no supermercado os pantene, os nívea e os élseve desta vida. Nem dos cupões se serve.
Amaria antes conseguir cantar o You shoot me down, but I won't fall, I am titanium.
Mas não consegue.
Não tenho tempo de saber o que se passa no rés-do-chão. Fica para a próxima, saber o que mora no parapeito das janelinhas dessas casa-de banho.
Desta grande sala panorâmica, chamam o meu pai para a consulta e eu sigo-o, anestesiando atrás dele o seu Aramis de sempre.
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
single lady
Uma das minhas meninas, está doente e não fala.
Não se queixa, não reclama, não diz onde lhe dói.
É da família, tanto como qualquer outra pessoa, porque uma adopção é um acto de amor e o amor tem de ser para a vida.
Os exames foram feitos, as despistagens também, a cirurgia foi ontem e o "bicho" seguiu para biopsia.
Está triste e de olhos infelizes, com ar de cão abandonado e sozinho que nunca perdeu.
Mas que nunca mais vai ser.
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
diáfano
Amanheceu a chuva com firmeza.
Vem fazer a lavagem das escamas deixadas pelo tempo seco.
E justifica o seu surgir repentino, com a vontade de asseio dos espíritos ressequidos pelo fastio de outros fenómenos caloríficos.
A mim agrada-me esta lavaria, desde que não se demore e entardeça por aqui muitos dias.
sábado, 21 de setembro de 2013
luminância
São 6.45 e a lua ainda lá está, branca de fazer inveja às nuvens.
Há muito que o calor nasceu; vejo-lhe a cor no telhado das casa do outro lado do monte. Vai estar quente hoje. Despedidas do verão
Mesmo assim, insiste a lua em ficar pelo céu. Teimosias de um planeta secundário que foi cheia ontem e que não tolera o protagonismo a outras estrelas.
Por aqui, vamos até à praia. Para não esquecermos a areia nos pés e o burburinho da espuma, deixado pela última onda tranquila da estação.
domingo, 15 de setembro de 2013
precedência
O que eu gosto deste início dos soprares de setembro.
Diz que é o outono, que ainda lá vem longe, a contar-nos os seus primeiros segredos.
domingo, 10 de março de 2013
sábado, 24 de novembro de 2012
do que fica
O meu avô dizia que nunca ia morrer porque fazia falta a muita gente. E fez.
Faz.
Continua a olhar por mim, a contar-me histórias antigas antes de jantar, comprar-me bolachas de baunilha e rebuçados santo onofre, a dar-me notas de mil escudos ao domingo, passeios nas vinhas, roubar filhos às figueiras bravas e a ter olhos azuis e cabelo de papel branco.
Os nossos mortos nunca morrem.
Mas deixam estes túmulos dentro de nós.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
diz que...
... o Gabriel Garcia Marques não mais voltará a escrever. Perdeu a memória.
É triste. Muito mesmo.
Sem memória não somos.
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
you've got the look
Do erro em que descambamos quando classificamos com distinta convicção, o interior de alguém que não conhecemos, nunca vimos senão aquela vez, nem sequer trocamos duas palavras, dissemos olá ou apertámos a mão.
E depois é ver, que no excêntrico dos outros se descobre o excepcional de que carece a nossa banalidade.
terça-feira, 24 de abril de 2012
será que é desta que conheço Almada?
(foto minha)
Eu nem sequer sabia o que era a outra banda. Só a praia da Riviera na Caparica e o Algarve, depois de fazermos muitas estradas para lá chegar, quando ouvi o António pela primeira vez.
Diziam na rádio, que ele era de lá; da outra margem. Eu, uma miúda, queria lá saber de onde ele era.
Ainda hoje, nunca subi ao Cristo rei.
Ainda hoje, nunca subi ao Cristo rei.
Mas aquela voz; como quem escrevia em voz alta, de quem soletrava com convicção o evangelho para uma multidão de ateus. O arrastado completo das sílabas finais. A respiração pausada entre frases.
Os erres perfeitos.
Aqueles erres...
E agora, e agora estes cavalos de corrida em acústico.
quarta-feira, 11 de abril de 2012
das leituras
Fui logo levada para a casa do meus avós, onde ela existia dentro de garrafinhas gordas de vidro baço. No verão bebíamos dezenas. E capilés.
Lanches de papo-secos barrados com manteiga e açúcar, talhadas de marmelada, pesadas cafeteiras de café preto, biscoitos de limão fritos em azeite quente, cavacas e ferraduras de erva doce, colares de pinhões, pevides e figos maduros trepados às árvores.
E avós.
segunda-feira, 9 de abril de 2012
a ana carolina...
...que é maravilhosa, diz nesta música, que o amor a partiu em tantas pelo chão.
E eu, que só tenho tido tempo para viver e que não pego num lápis para escrever, vai para uma eternidade que me envergonha, embora tenha páginas e páginas - como sempre - registadas nesta minha cabeça, fico a pensar como é que se escrevem frases tão simples e ao mesmo tempo tão difíceis.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
azarujinha-cascais-azarujinha
Nas manhãs durante a semana é muito bom. Mesmo. Somos os do costume. Os que seguem pelo paredão concentrados no ritmo, inspirando aromas de algas e mares. Desfruta-se dos raios de sol que nos secam a pele, escuta-se a música do ipod - cantigas secretas que ninguém imagina que seleccionamos - soletramos baixinho e com o pensamento, escrevem-se frases longas; ininterruptas, sem pontuação.
Fazem-se genuínas promessas de vida e resolvemos ser felizes e sorrir sempre até ao fim dos dias.
É na consciência de curtos instantes de felicidade tola, que tomamos conhecimento que tudo isto é demasiado célere.
terça-feira, 22 de novembro de 2011
so sorry
(foto minha: camden town-regente canal)
Ontem ouvi na rádio que Londres tinha sido coberta por fortes nevões. Mais de 200 voos cancelados. O caos nos aeroportos. Mais um ano passou - tão rápido - e tudo se repete.
Sorri. Discretamente. Não fosse algum passageiro, sem humor britânico, fulminar-me.
Mais uma vez e sempre, foi Londres no ano passado o meu destino. Mas pela primeira vez em muitas, no Natal. Sonho antigo. Coisas minhas.
Também eu fui vítima dos nevões, dos voos cancelados, dos nervos do check in, das filas no exterior do aeroporto.
Queria lá saber. Que nevasse! Que descesse a temperatura a negativos. Que o Holland Park já não fosse verde. Que acordasse às sete e flocos de espuma me batessem nas portadas. Que os ponteiros do Big Ben escorressem branco. Que desfilassem pelas ruas apinhadas, cachecóis gigantescos, gorros carnudos e botifarras de pêlo com gente lá dentro. Que o chocolate quente me aquecesse as luvas. Que enregelasse a ouvir os coros de Natal. Que houvesse sempre Chelsea e Kings Road. E Camden Town. Que almoçasse às quatro da tarde e já fosse noite. Que calcasse 4 pares de meias. Que fosse Inverno.
Que fosse eu.
Que fosse Londres.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
ele há coisas piores
Uma amiga morreu na praia, disse-me ela noutro dia. Fiquei com pena.
Depois pensei. E tenho andado a pensar. A moer a cabeça com isto da morte dos outros. Que com a minha não quero intimidades. E na praia. Que até nem gosto por aí além.
Ao contrário de outras expressões, inteiras de sensatez, não penso que esta tenha muita virtude.
O que terá assim de tão mau, morrer-se na praia? Não houve tempo para engelhar os pés na areia descalça? A água salgada não chegou a ferrar a pele? Faltou alcançar o barco?
Mas então e a praia?
Afinal ganhou-se a praia.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
folders
Penso que já se nasce assim. Com a cabeça dividida por sectores. Digo eu. Não sei.
A minha é. Ordenada. Com cores, etiquetas, formatos e texturas. Alguns com post-it para não esquecer. Clips presos, notas de rodapé, sublinhados a encarnado, rasuras violentas, papelinhos agrafados no canto.
Parece um arquivo com muitos ficheiros, daqueles metálicos que tinham umas pastinhas penduradas, que rangiam a cada safanão.
Agora preciso de arranjar um sector "miscelânea".
Atirar lá para dentro, à laia de não te rales, tudo o que já não me apetece, o que não vale a pena, aquilo que não penso perder sequer tempo.
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
segunda pessoa do singular
A minha avó passajava.
Da capoeira - pensava eu - trazia o maior e mais claro ovo, o mais liso e bonito das galinhas ruivas e esquecia-se dos dias, em tardes de chuva envidraçada ou de sol severo, na salinha da costura, a dispor como novas as meias do avô.
- Oh 'vó, como é que tu nunca partes o ovo?
- As avós não se tratam por tu - e sorria.
A minha avó pregava.
Fixava o botão no tecido e deslizava a linha na ponta da língua, enfiando-a na agulha com jeito e à primeira. O nó firme era dado numa única extremidade, e a outra ficava mais curta e solta. Não se pregavam botões à preguiçosa; com duas linhas unidas!
- Oh 'vó como é que fazes para a linha não fugir?
- As avós não se tratam por tu - e sorria.
A minha avó crocheava.
Pegas de caleidoscópio com cores das romaria de verão, que ela fazia nascer naquele instante. Magistrais pedaços de croché em formas perfeitas de losangos, hexágonos e circunferências, de fazer inveja a qualquer catedrático da disciplina.
Pegas perfeitas e rígidas, que não me deixam queimar nunca e que guardo, ali no canto secreto da cómoda que tem bicho.
- Oh 'vó, que nome dás a essas cores todas?
- As avós não se tratam por tu - e sorria.
Na salinha da costura, onde a chuva estalava nas portadas e o sol, invejoso das cores e do brilho daquelas linhas, a agredia queimando-lhe as costas já curvadas, a minha avó passajava, pregava e crocheava ... e sorria.
E eu tratava-a por tu.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
e depois eu
Há uns séculos, quando este blog fez um ano, escrevi ali do lado direito, que "às vezes só me faltava eu".
Das muitas vezes que deparei comigo, assim frente a frente, do outro lado do passeio, num cara com espelho, foi quando me iniciei, aqui, sem querer, a escrever.
Aquilo, de que nós somos muitos ao mesmo tempo, e que vamos renovando, alterando e mudando estes eus todos, sabendo de outros, descartando tantos mais; é tudo verdade.
Mas acontecem-nos no caminho, eus mais atinados do que outros. Os eus em que estamos só nós...e eles.
Mas acontecem-nos no caminho, eus mais atinados do que outros. Os eus em que estamos só nós...e eles.
Já alcancei, entretanto, mais um ou outro.
Mas um dos meus eus mais acertados, é este.
Tentar escrever. Só eu.
Mas um dos meus eus mais acertados, é este.
Tentar escrever. Só eu.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
quinta-feira, 7 de abril de 2011
trivialidades
Chegou arrastando a cauda do vestido novo, que ficou entalado na porta de ferro. Não se incomodou, pelo contrário, agradava-lhe fazer-se notar.
O excesso do rico brocado, também não lhe deu muito jeito ao sentar-se na minúscula cadeira da esplanada, mas Anne Mathilde não era jovem de chiliques e lá se acomodou entre sedas, rendas, laçadas e leques de pluma de avestruz.
Enquanto bebericava um chá gelado, esticava o pescoço para alongar a postura. Cruzava uma perna, abanando a ponta do sapato para exibir a fivela larga e observava com elevado prazer, o efeito provocado nas demais à sua volta.
Criticava para dentro do seu ar inofensivo e angelical, as cores que as outras não sabiam combinar, o enxovalhado dos seus algodões, o despropósito na junção que faziam entre organzas e rendas, e a tentativa frustrada de imitação da moda na corte.
Elas faziam-lhe o mesmo. Invejavam a elegância do porte de Anne Mathilde, gabavam-lhe o bom gosto no vestir, admiravam a forma segura com que agarrava o copo do refresco de chá e algumas até se atreviam a mordiscar as bolachinhas de sésamo, do mesmo jeito bico-de-passarinho com que ela o fazia.
Anne Mathilde, a bastarda de Napoleão, era um modelo a seguir naqueles dias.
quinta-feira, 31 de março de 2011
domingo, 27 de março de 2011
encerramos todos os dias no domicílio
Sentia-se já saturada das caixas e da profissão. Anos de aperto, de cheiro a cartão, de açúcar e bolos, da espera, da posição contorcida.
Esqueci-me de ir ao supermercado. De pagar a água. Da última prestação da máquina da roupa. E do leite em pó do bebé.
Aquelas caixas-presente eram cada vez mais fedorentas. E acanhadas. Muito permeáveis. Absorviam o ar saturado, que de fora lhe chegava espesso da cerveja, emborcada em goles desmedidos.
O cartão deixava passar o cheiro dos charutos beras, mais as viris prosas gargalhantes, que se viviam do lado de lá daquela caixa.
Esqueci-me de ir ao supermercado. De pagar a água. Da última prestação da máquina da roupa. E do leite em pó do bebé.
Depois dos 30, trazia a respiração mais difícil, transpirava como um rio, nasciam-lhe bigodes de suor, o biquíni agregava-se ao seu pregueado corpo ensopado, desatinado por se desapertar. As lantejolas, baças e velhas, soltavam-se, indo-se confundir na repugnante cobertura do bolo que a encobria.
Finalmente o alívio da música. As primeiras notas de uma rapsódia antiga, avisavam-na que iria rebentar pela caixa afora.
Finalmente o alívio da música. As primeiras notas de uma rapsódia antiga, avisavam-na que iria rebentar pela caixa afora.
Esqueci-me de ir ao supermercado. De pagar a água. Da última prestação da máquina da roupa. E do leite em pó do bebé.
Com um sorriso sedutor imposto pela profissão, deveria procurar um rosto de solteiro atemorizado e dançar para ele. Vagarosamente. Aliciá-lo, provocá-lo, fazê-lo soltar o dinheiro e prendê-lo nas tiras do biquíni.
Não sentia os músculos, não sentia o creme do bolo a desmoronar-se debaixo de si, não se sentia resvalar.
Não se sentiu capitular.
Esqueci-me de ir ao supermercado. De pagar a água. Da última prestação da máquina da roupa. E do leite em pó do bebé.
Com um sorriso sedutor imposto pela profissão, deveria procurar um rosto de solteiro atemorizado e dançar para ele. Vagarosamente. Aliciá-lo, provocá-lo, fazê-lo soltar o dinheiro e prendê-lo nas tiras do biquíni.
Não sentia os músculos, não sentia o creme do bolo a desmoronar-se debaixo de si, não se sentia resvalar.
Não se sentiu capitular.
Esqueci-me de ir ao supermercado. De pagar a água. Da última prestação da máquina da roupa. E do leite em pó do bebé.
quarta-feira, 23 de março de 2011
outras vezes não
Às vezes utilizo um sistema de desocupar as palavras. É físico. Entro nelas.
Interiorizo-lhes o sentido, retiro-lhes o recheio e depois escrevo-as como eram antes de serem escritas. Só emoções. E som.
Às vezes utilizo um sistema de desocupar as palavras. Pego em água e sujo-a, dando-lhe opacidade, ou junto-lhe sal para a pôr no mar, ou ainda lhe ofereço uma gota de cheiro e chamo-lhe perfume.
Ou a esvazio de vez, e torna-se seca.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
pena
Era uma vez um cão lindo, como lindos são todos os cães, que foi Amarrado ao nosso portão.
Doente, fraco, muito magro e triste.
Maltratado.
Abandonado.
Cuidou-se dele, tratou-se, curou-se e amou-se.
Até que um dia, alguém de fora, reparou nele e não mais largou os seus olhos dos dele.
E visitou-se diariamente durante meses.
E levou-o.
O nosso querido Pena, o cão lindo, foi adoptado.
Foi viver para uma casa grande ao pé do mar, com uma praia só para ele, no meio de uma família só sua.
Sê muito feliz querido Pena, tanto como nos fizeste a nós felizes, por te termos conhecido.
E assim, era uma vez um cão lindo, como lindos são todos os cães, que foi Desamarrado do nosso portão.
Para sempre.
Publicada por Patti à(s) 20:49 10 Ares
tags voluntariado
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
ponto de saturação
Surgi da cultura intensiva do pântano, onde me alagaram, inteiro, a existência. Ensoparam-me a vida, a alma e o corpo, com prantos de água que em constantes movimentos circula em mim.
Não quero mais ser grão que alimenta o mundo. Esgotei a minha antiguidade em sucessivas inundações, transplantes, colheitas, ceifas, medas e debulhas.
Fujo agora dos braços do homem, que me labora o corpo frágil sem descanso. Me colhe, trata e coloca na boca. Arroz-branco, arroz-doce, arroz-salteado, arroz-inchado.
Corro pelos campos amadurecidos, numa inquietação de me ausentar. Salvar a vida, salvar a crosta, salvar a pele.
Cansa-me a água.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
2011
Não é muito meu costume, falar aqui de aspectos pessoais. Mas as minhas ausências têm sido frequentes e o motivo é dos melhores.
A vontade é antiga: o voluntariado. E a disponibilidade só surgiu há uns tempos.
Estou de pedra e cal em dois projectos que me preenchem: os cuidados paliativos e os animais abandonados e maltratados.
Difícil? Será com certeza. Mas a vida nunca me fez sentido vivida como indivíduo isolado, mas sim na direcção dos outros e com os outros.
Os ganhos são imensos; não se conseguem contabilizar, e as perdas ... essas compensamos com olhares de gratidão. Porque os olhos são todos iguais. Os do homem e do cão.
E no fim, quem agradece somos nós.
Publicada por Patti à(s) 11:58 12 Ares
tags voluntariado
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
feliz natal
Querida vizinhança, a vossa PresidentA anda em falta, eu sei. Mas os afazeres têm sido mais do que muitos, e nem dá tempo para um postezinho mixuruca; é verdade :((((((((
Vamos ver se o ano que aí vem, me ajuda e me dá horas extra de tempo livre.
Feliz Natal e um Bom Ano, para o meu Blogobairro Querido.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
tormenta
Era a décima-quinta vez naquele ano, que Tormenta passava pelo cio. Da praia eu conseguia-a perceber. O mar ficava mais transparente, a espuma barulhava baixinho e as ondas já não rebentavam com força na areia; desmaiavam com lascívia suavemente.
Egoísta, seu marido senhor Adamastor, não queria filhos. Nestes dias escondia-se de Tormenta nas esquinas do Cabo, avistando as naus que lá vinham, carregadas de ardentes machos lusitanos. Possuído pelo ciúme as afundava, revirando o Cabo em sofrimento e morte.
Dias e dias seguidos sem lhe aparecer.
Tormenta tivera sempre muita esperança. Punha-se ainda mais bela. Penteava as ondas do cabelo, retirando-lhe os ouriços, ajeitava as algas e conchas do corpo, fazendo uma escolha nas lascadas e partidas e pedia-me que lhe trouxesse no meu bico, folhas e flores da terra. Queria enfeitar-se para o marido, senhor Adamastor.
Preferia uma menina, uma Tormentinha, para lhe ensinar a bordar sulcos profundos nas escarpas, enfiar colares de búzios e escamas de peixe, e rebentar o corpo de encontro às rochas com a força do mar, elevando-o tão alto que pudesse ver a terra do outro lado do Cabo.
Seu marido tardava. Tormenta vendo aproximar-se mais um final do seu cio, pedia-me que voasse até ele e o fosse espreitar.
Lá andava Adamastor, cruel e assassino, engolindo nos seus braços-onda, as naus que chegavam àquela dobra do Cabo, repletas de esperança.
Também a esperança de Tormenta, morria nestes dias.
Era triste vê-la chorar. O mar a perder o azul, as ondas começando no rugir, a espuma passando de branco a cinzento.
E mais uma vez, regressava sem Esperança ao Cabo a velha Tormenta.
sábado, 6 de novembro de 2010
ora aqui estamos nós
E no dia 12 de Novembro, 10 mil livros em todo o país, juntamente com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias.
Reservem já.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
policial da enforcada
O curador deu a última volta aos papéis da sua secretária, apagou a luz do candeeiro de mesa e quando esticou a mão ao bengaleiro, para retirar a sua gravata, não a encontrou. Achou estranho. Lembrava-se perfeitamente, depois da última reunião do dia, com aquele mecenas belga, de a ter desapertado e pendurado ali.
Rodopiou sobre si, numa tentativa de encontrar uma ponta de encarnado, mas nada. Resolveu então abrir a porta e sair da sua sala. Achou ridículo, mas ia perguntar à sua secretária Laurinha, se a tinha visto. Não gostava nada de confianças com o pessoal, ainda por cima, de perguntar por roupa perdida, mas... adorava aquela gravata.
No mesmo instante em que ia abrir a boca, percebeu logo que a secretária não só tinha visto a gravata, como também a havia experimentado.
Pendurada no lustre de cristal baccarat, do hall, 45 quilos de Laurinha, esgazeada de todo, de olhos revirados e língua azul, tombava a cabeça para o lado esquerdo, babando a sua gravata encarnada de seda.
Que maçada! - pensou. Dificilmente aquelas manchas iriam sair.
Recompôs-se e ainda aparvalhado com a cena, que se apresentava perante os seus olhos, o curador só se lembrou de dizer:
Laurinha! Mas que disparate é esse? Desça já daí!
terça-feira, 19 de outubro de 2010
outubro
Chega o dia do internamento. A mala está no canto do quarto, desde o dia do diagnóstico.
Quieta, ali. A encher-se de pó e de angústias. A mesma mala que tinha levado para sítios felizes e destinos expectantes. Nada como este agora, que apesar de possuir tudo de destino, pouco terá de felicidade. E ainda menos de expectação.
Glória pousa a mala na cama, sempre por fazer nestes meses, e tenta imaginar no que levar para um sítio donde não se sabe se se regressa.
Camisa de dormir? Talvez ... mas aberta à frente, ou nos lados? Discreta como o ambiente do quarto? Alegre para o contestar? Não sabe. Nunca fez isto antes.
E soutien? E porquê um soutien? Aliás, ri-se, ridícula, da sua gaveta repleta deles: pretos, cor de pele, brancos, com florinhas, riscas e corações, bolinhas e lacinhos. Não leva nenhum. Decidirá o que fazer com eles quando voltar. Se acontecer.
O telemóvel, não quer. Um livro para ler, não consegue. Papel e lápis, não precisa. Não aspira a deixar memórias.
E finalmente decide. Não leva mala nenhuma. Tantos meses ali no canto, para nada.
Mas nunca dispensará o frasco do champô. Tem uma adoração antiga com o seu cabelo comprido. Louro, como poucos. Glória quer tratar dele até ao fim, até ao último instante, até àquela data que sublinhou a encarnado na sua agenda. Onde publicou uma palavra longa que se recusa proferir.
E num ímpeto de sobrevivência, suprime da agenda aquela porção de futuro, determinada numa consulta de rotina, e anota-lhe por cima, a grosso: comprar mais champô!
Outubro - Mês de Prevenção do Cancro de Mama
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
alerta
Se numa sala de espera de um consultório, na fila do supermercado, na cadeira do cabeleireiro, ou numa ida ao cinema, escutarem conversas entre pessoas com mais 30 anos do que vocês, do tipo:
. ontem estive até tarde, à espera que me fizesses chegar as galinhas;
. já te dei os pregos, mas não me enviaste a madeira;
. então e a palha para os cavalos?
. as tuas couves estão a dar-se bem?
. comprei uma série de patos;
. podíamos partilhar os porcos.
Não, não pensem que é o êxodo rural, que a agricultura veio para ficar, que a criação de gado compensa, ou que a reforma agrária está de volta.
Não, nada disso.
Antes fosse.
É mesmo a vossa mãe - sim, a vossa própria mãe - que joga ao Farmville com as amigas...
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
vizinhos
23.30h. Lá está ela. Pontual atrás das cortinas de renda branca, camuflada pelos bordados laboriosos de pássaros, borboletas e botões de rosa. A olhar para o segundo banco do jardim.
Aqui no bairro, chamamos-lhe o banco do pudor e fica meio escondido pelos arbustos, encapuçando pares de namorados mais afoitos.
Daqui da porta da tasca, não consigo ver ninguém, mas ela, lá do seu terceiro direito, tudo observa sempre ao detalhe.
Primeiro sossegada e atenta, de olhinhos velhacos, aglutinando os preliminares. Depois vai afastando a cortina levemente, entusiasmada com o avanço da lascívia e com o andar da peganhice, escancara as portadas da janela e pronto, lá vem a gritaria moralista, alertando a vizinhança de que ela, apesar de encalhada, é uma mulher séria.
- Sua desavergonhada! - atira para os pombinhos lá no banco - Então não querem lá ver a sirigaita toda atracada ao moço! Isso é coisa que se faça em público, minha galdéria? Isto no meu tempo...
E os pássaros já adormecidos nas árvores, fogem da gritaria assustados. Os gatos escondem-se debaixo dos carros. As luzes das janelas acendem-se, revelando sombras curiosas.
E eu... eu trato de imediato de trancar a porta da tasca, que já se faz tarde. E antes que ela me venha de lá com lições de intimidade, e depois me salte para cima, raspo-me daqui. Que isto hoje é noite de lua cheia.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
nas subidas
Um saco, dois sacos, três sacos, quatro sacos de supermercado. Um palete de leite, o cão pela trela, as chaves de casa pendurada nos dedos fatigados e as cartas do correio presas na boca.
Prédio antigo, escadas estreitas de mármore gasto pelas centenas de pés que já os pisaram. Sobem-se estes degraus escuros, indefinidos, um, dois, três, quatro sem uma sobra de brilho, desejando chegar depressa ao 3º andar, o último, onde a luz da pequena clarabóia, também esgotada, existe para iluminar esta hora da vida dos privilegiados, que conseguem ainda subir até ao cimo.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
terça-feira, 28 de setembro de 2010
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
coincidências
O telefone tocou, mesmo quando ia a entrar para o duche. Podia ser importante. Vestiu o roupão e atendeu.
Era engano. Ali não morava nenhum João.
Ainda não tinha metido o pé na banheira e de novo o telefone. Entrava no duche? Não entrava? Atendia? Não atendia?
Era pelas segundas oportunidades e voltou a atender. Outra vez alguém à procura do João. Disse que não. Que não havia ninguém com o nome de João ali em casa. Tinha muita pena, mas não existia nenhum João na sua vida. Vivia sozinha.
Suspirou irritada e já com a mão a segurar a torneira, escutou outra vez o telefone. Que raiva! Sentiu-se perder a paciência e em vez de o deixar tocar e despachar-se com o banho, correu para o telefone e gritou um estou zangado.
Do outro lado a voz respondeu-lhe, olá sou eu, o João. Disseram-me que daí, não havia nenhum João na tua vida. Precisava de saber, se gostavas que passasse a haver.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
the biggest loser
Gosto bastante de ver aquele reality show dos senhores gordos. Aquilo é mesmo a doer: sérios exames médicos, treinadores ultra-exigentes, dieta rigorosa, acompanhamento psicológico, exercício físico exaustivo.
Ah, e depois também há lá aquele treinador; o Bob!
Os concorrentes sofrem as estopinhas, constantemente em cima da passadeira a correr que nem uns desalmados, step acima e step abaixo, abdominais de 180cº, pesos que mais parecem rodas de camião, exercícios de elásticos, enormes bolas de stress. E bufam, e choram, e gritam, e reclamam, e desistem, e recomeçam, e dizem palavrões, e desmaiam...
Os concorrentes sofrem as estopinhas, constantemente em cima da passadeira a correr que nem uns desalmados, step acima e step abaixo, abdominais de 180cº, pesos que mais parecem rodas de camião, exercícios de elásticos, enormes bolas de stress. E bufam, e choram, e gritam, e reclamam, e desistem, e recomeçam, e dizem palavrões, e desmaiam...
Ah, e depois também há lá aquele treinador; o Bob!
Aquilo é um programa à americana, eu sei. Está feito para que não despeguemos o olho do ecrã, carregadinho de truques, competição, pequenas traições e manipulações, jogos de bastidores e afins. Mas na verdade é que aquela malta emagrece, mas emagrece a valer. E não são só alguns gramas, são quilos e quilos de banha que se perdem a cada semana. Até fico parva com tanta caloria.
Ah, e depois também há lá aquele treinador; o Bob!
Não é só show televisivo, e isso é o que eu gosto mais de ver no Biggest Loser. Não é só blá-blá de boca, ali vemos os resultados de dia para dia. São-nos mostrados in loco os erros que cometemos todos os dias na alimentação, e como isso pode ser muito facilmente contornado. Revela o que a inércia e o sedentarismo fazem à nossa saúde física e psicológica, e principalmente, prova que a força de vontade leva-nos aonde quisermos. É um programa motivador.
Ah, e depois também há lá aquele treinador; o Bob!
Mesmo depois de expulsos, os concorrentes continuam a perder peso em casa, pois ainda está em jogo um prémio de não sei quantos mil dólares para aquele que, já não estando a disputar a final, continue a ser incentivado e siga com a vida saudável aprendida durante o programa. E contagiam a mulher, o marido, os filhos, os irmãos, os avós, os tios, os primos e a vizinhança toda.
É só saúde.
É só saúde.
Ah, e depois também há lá aquele treinador; o Bob!
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
regresso às aulas
A porta escancarava-se instantes antes dela chegar.
Como que prevendo a apoteose da sua entrada, ganhava novas frestas no seu porte secular e choravam as dobradiças aflitas. As nossas secretárias e cadeiras de madeira nobre, morriam agora, metamorfoseadas em pedra fria e tumular.
Rostos celestes, solidificavam de expectativa mórbida, perante a imagem de olhos baços, testa de longitude planetária e sorriso de lâmina de barbear, que pertenciam à freira mais temida do colégio: Sister Agnes.
- Good morning girls. How are you today?
E antes que respirássemos e os vincos da farda a estrear, se nos vincassem no corpo franzino...
-Bad, I supposed!
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
segunda-feira, 19 de julho de 2010
'tou no ir ... de férias III
Oficialmente.
Um excelente descanso para todos e até...talvez Setembro.
Publicada por Patti à(s) 13:45 16 Ares
tags só meu-férias
sexta-feira, 16 de julho de 2010
crónicas de graça #15
A Escrita
Não nos conhecíamos. Não tínhamos sido apresentados. Não havia amigos em comum. Afinidades. Parecenças. Uma coisa nos uniu: a escrita.
Grande parte de nós não se conhece pessoalmente, não se viu nem por fotografia, nunca se ouviu, trocou um simples mail ou conversou num chat. E as probabilidades disso acontecer, são na maioria dos casos muito reduzidas. Só temos isto, encontrarmo-nos todos os dias aqui pelo prazer da escrita. Para onde ela nos lança, o que nos causa, o que nos concede, como nos enlaça, e estende, e prolonga, e vicia.
Podemos chamar a isto uma relação? Julgo que sim. Ou melhor, tenho a certeza que sim. Relação, ligação, amizade, convivência, envolvimento, compromisso, união, vínculo. O que quiserem.
Esta crónica já tinha o seu título definido há algum tempo, entre mim e ele. Mas talvez porque os blogs andam mais calmos, senão inactivos - muitos deles desaparecidos - o clima dá preguiça, o cansaço também urge, e o facebook é rival de peso, surgiriam temas mais meditativos como este: a razão porque se escreve. De uns tempo para cá, tenho lido muitos posts sobre escrita, a acto de escrever, as dificuldades que ela traz, o gozo que dá, como nos revolve, o pavor da página em branco, o sumiço da inspiração, a dependência diária de escrever pelo menos duas linhas, o tormento, a revelação.
Para mim ela é uma descoberta ainda fresca, que me veio desordenar o caminho, mas de uma forma sã. É uma experiência de vasculho, amotinações e remexidas, donde tenho saído sempre ilesa. Para uns a escrita é sofredora, dor interior, angústia companheira e mesmo assim, enlace indissolúvel e perpétuo. Não é o meu caso. Sim, já demos também o nó - e espero que vitalício - mas talvez porque ainda ando a buscar saber no berço das palavras, a testar o resultado das minhas tentativas e provas na escrita, dela só tenho adquirido exultação. E festa, porque ao mesmo tempo, como digo ali na coluna da direita, estou mais tempo comigo. E gosto.
Ah, mas é difícil escrever. Muito difícil. Porque as palavras já foram todas inventadas, como ligá-las sem mácula é que ainda não. E só por isso é melhor.
É ao meu querido parceiro, a quem eu devo a existência destas cónicas, que durante meses me deram muito trabalho, apego, satisfação, consolo, descoberta e sobretudo muita amizade e estima por um desconhecido, que um dia me fez este agradabilíssimo e inesperado convite. Tem sido um prazer, Carlos. Sem expectativas goradas, pelo contrário, reafirmação na minha crença muito pessoal, de que ainda se pode confiar, esperar e acreditar nos outros.
Hoje escreve-se o fim destas crónicas, porque tudo tem o seu desfecho. Escreveram-se trinta. Outras tantas ficaram por contar, pensamentos por revelar, reflexões por anunciar, opiniões por esclarecer.
Talvez voltem. Noutro formato. Aqui nunca se sabe, porque no blogobairro vive-se dela, da escrita.
E do seu Rochedo, Carlos, o que se escreve?
Para mim ela é uma descoberta ainda fresca, que me veio desordenar o caminho, mas de uma forma sã. É uma experiência de vasculho, amotinações e remexidas, donde tenho saído sempre ilesa. Para uns a escrita é sofredora, dor interior, angústia companheira e mesmo assim, enlace indissolúvel e perpétuo. Não é o meu caso. Sim, já demos também o nó - e espero que vitalício - mas talvez porque ainda ando a buscar saber no berço das palavras, a testar o resultado das minhas tentativas e provas na escrita, dela só tenho adquirido exultação. E festa, porque ao mesmo tempo, como digo ali na coluna da direita, estou mais tempo comigo. E gosto.
Ah, mas é difícil escrever. Muito difícil. Porque as palavras já foram todas inventadas, como ligá-las sem mácula é que ainda não. E só por isso é melhor.
É ao meu querido parceiro, a quem eu devo a existência destas cónicas, que durante meses me deram muito trabalho, apego, satisfação, consolo, descoberta e sobretudo muita amizade e estima por um desconhecido, que um dia me fez este agradabilíssimo e inesperado convite. Tem sido um prazer, Carlos. Sem expectativas goradas, pelo contrário, reafirmação na minha crença muito pessoal, de que ainda se pode confiar, esperar e acreditar nos outros.
Hoje escreve-se o fim destas crónicas, porque tudo tem o seu desfecho. Escreveram-se trinta. Outras tantas ficaram por contar, pensamentos por revelar, reflexões por anunciar, opiniões por esclarecer.
Talvez voltem. Noutro formato. Aqui nunca se sabe, porque no blogobairro vive-se dela, da escrita.
E do seu Rochedo, Carlos, o que se escreve?
sábado, 10 de julho de 2010
já estão perto
E com as férias aí muito próximas, vou-me eu afastando pouco a pouco do computador, dos mails, da net, dos blogs. Cada vez mais o virtual deixa de fazer sentido, nesta época de céu sempre limpo.
Despeço-me nesta sexta, com a habitual Crónica de Graça.
Tanta, mas tanta coisa lá fora para ver e fazer...
sexta-feira, 2 de julho de 2010
crónicas de graça #14
O Descanso
O primeiro sinal que me diz que estou a precisar dele, do dito descanso, é quando fico sem vontade nenhuma de entrar na cozinha e pôr-me ao fogão. Não me apetece fazer nem o almoço, nem o jantar, nem doces, nem nada. Logo eu, que adoro cozinhar. Está o caldo entornado, é o descanso que já tarda.
Depois vêm os outros sintomas: nas minhas muitas voltas diárias, às vezes fico parada a pensar onde é que ia, coloco um pacote de leite vazio dentro do frigorífico, olho para o elevador e por telepatia ordeno-lhe que desça e, por fim, tento abrir a porta de casa com o comando do carro.
Férias. Estou a precisar de férias. Daquelas longas, com três semanas seguidas no mínimo, onde abundam esplanadas com música calma de fundo, espreguiçadeiras, sombras e brisas, sol da manhã, nada de horários, muita leitura e i-pod e não fazer simplesmente nada. Nada de nada. Só olhar os que passam, sem nenhuma coisa em que pensar.
É o sossego, pouca gente, silêncio e acalmia o que se quer. Não à barafunda, aos magotes de veraneantes, filas e excitações solares.
Isto na primeira semana, porque nas seguintes já se me arrebita a vontade dos passeios, de ir saber de outras praias, outras terras, gentes e comeres. Digo eu, que muita lazeira pegada também farta. Essa fica para aqueles fins-de-semana grandes, que se pegam a uma sexta ou a uma segunda, em que só apetece o papo para o ar, arrastar o corpo calão até à beira da piscina, e ficar por ali alapada ao sol e ver a relva a crescer.
Nas férias grandes, basta-me então a primeira semana de preguiça. Era mais a cabeça, do que o corpo, que me pedia paz e quietação. Precisava que eu arquivasse ficheiros antigos, que ordenasse outros e que colocasse na lista de prioridades aqueles mais esquecidos.
Feito isto, vem ele pedir-me actividade. Entenda-se: movimento, pequenas jornadas, expedições, encontros, passeios e cruzadas gastronómicas. Corridas na areia, raquetes de madeira, sair do sol lá pelas oito, puxar-lhe os raios até às nove, entardecer no bar da praia com música ao vivo e caipirar ou sangrar em branco muito fresco, chinelar pelo deck e arrastar saias compridas por cima de biquínis molhados.
É que a cabeça não sabe, mas quando o corpo se anima é ela que descansa.
E com o meu querido parceiro, como vai isso de repouso?
Depois vêm os outros sintomas: nas minhas muitas voltas diárias, às vezes fico parada a pensar onde é que ia, coloco um pacote de leite vazio dentro do frigorífico, olho para o elevador e por telepatia ordeno-lhe que desça e, por fim, tento abrir a porta de casa com o comando do carro.
Férias. Estou a precisar de férias. Daquelas longas, com três semanas seguidas no mínimo, onde abundam esplanadas com música calma de fundo, espreguiçadeiras, sombras e brisas, sol da manhã, nada de horários, muita leitura e i-pod e não fazer simplesmente nada. Nada de nada. Só olhar os que passam, sem nenhuma coisa em que pensar.
É o sossego, pouca gente, silêncio e acalmia o que se quer. Não à barafunda, aos magotes de veraneantes, filas e excitações solares.
Isto na primeira semana, porque nas seguintes já se me arrebita a vontade dos passeios, de ir saber de outras praias, outras terras, gentes e comeres. Digo eu, que muita lazeira pegada também farta. Essa fica para aqueles fins-de-semana grandes, que se pegam a uma sexta ou a uma segunda, em que só apetece o papo para o ar, arrastar o corpo calão até à beira da piscina, e ficar por ali alapada ao sol e ver a relva a crescer.
Nas férias grandes, basta-me então a primeira semana de preguiça. Era mais a cabeça, do que o corpo, que me pedia paz e quietação. Precisava que eu arquivasse ficheiros antigos, que ordenasse outros e que colocasse na lista de prioridades aqueles mais esquecidos.
Feito isto, vem ele pedir-me actividade. Entenda-se: movimento, pequenas jornadas, expedições, encontros, passeios e cruzadas gastronómicas. Corridas na areia, raquetes de madeira, sair do sol lá pelas oito, puxar-lhe os raios até às nove, entardecer no bar da praia com música ao vivo e caipirar ou sangrar em branco muito fresco, chinelar pelo deck e arrastar saias compridas por cima de biquínis molhados.
É que a cabeça não sabe, mas quando o corpo se anima é ela que descansa.
E com o meu querido parceiro, como vai isso de repouso?
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