O Livro
Por onde se começa a falar sobre um tema que idolatramos? Como é que faço eu isto sem parecer pretensiosa, pensei, quando foi 'O Livro', a Crónica de Graça acordada para esta sexta-feira?
A leitura está hoje acima de qualquer outro prazer que eu tenha. Alcançou esse estatuto de soberania com o correr dos anos. Combatendo adversários tão difíceis como passeios, jantares, festas, praia, um cigarro, cinema, esplanar, música, fotografar, simplesmente não fazer nenhum, dormir e nos dois últimos anos, a escrita. Aliás, esta última, foi unicamente uma consequência pura e simples, das exigência e curiosidade com que eu cada vez mais me embalo nas minhas leituras.
Se houve coisa que sempre existiu em nossa casa, foram livros, música e fotografias. Tudo em muito. Depois dos livros de quadradinhos e dos de contos de fadas, não me lembro com grande certeza, qual tenha sido o título do meu primeiro livro a sério. Sei que tudo começou pelos Enid Blyton da minha irmã; páginas e páginas amareladas, preenchidas a letra miúda e apertadinha, igual à que saia da máquina de escrever do meu pai, quando eu brincava às professoras.
Foi este senhor e tudo aquilo que ele concebeu - sim, conceber é o verbo perfeito para tudo o que ele escreveu - o grande responsável para que eu aos oito/nove anos, tenha começado a ler sem parar e começasse a achar, que a leitura seria muito mais do que somente a história. Reparava eu, que por detrás das letras, havia segredos que o escritor tentava passar-nos, isto é, que podíamos aprender a ler através de uma lente, como se filtrando o trivial, buscássemos para além dele.
Depois vieram todos os outros autores, disfarçados de personagens nos seus livros de capa encadernada, lombada grossa, pintada a letras douradas. No tempo em que ainda se tomavam pequenas notas a lápis, se dobrava a ponta para marcar a página e se ofereciam livros com dedicatória sentida.
E quando descobrimos aqueles livros, que parecem ter sido escritos em voz alta? A sonoridade das palavras usadas, a crueza de umas, o lirismo de outras. Que personagens vivas são aquelas, sentadas no mesmo sofá que nós, acompanhando-nos à leitura? Uma extensão da nossa própria experiência, vivendo uma semelhante interpretação da vida, com quem nos identificamos, reproduzindo-nos tantas e tantas vezes.
Já li em muito ambientes, e ainda leio se não tiver outra hipótese, mas actualmente é o silêncio que procuro. A total atenção enquanto folheio o meu livro. Alcançar o porquê da escolha daquela palavra e não de outra, atentar à pontuação - ou à sua ausência - aprender com os diálogos, sempre difíceis de serem naturais, observar a narração dos factos, deliciar-me com o pormenor da descrição, que cada vez mais aprecio, viver as passagens do quotidiano das personagens, que as tornam reais e absolutamente próximas de nós, os leitores, usufruir do impacto emocional que o escritor traz ao papel e descortinar o enredo, obviamente. Mas este, nem sempre já é o mais importante; por vezes tornar-se-á secundário até. Tudo depende do mestre que desenha o livro.
Leio para me melhorar a mim própria, me preencher; se calhar, me habilitar na vida. Não sigo modismos, tenho favoritos e cada vez, vasculho mais nos antigos, de todas as nações e épocas. E aprendo tanto. Tudo. Só lucros.
Quando temos a sorte de ler um grande livro, um livro marcante, toda a nossa consciência se altera. Mudamos. Há algo que não permanece com antes. Parece-vos pieguice, exagero, sentimentalismo? Então é porque ainda não encontraram o tal livro.
Escolham um livro, como se escolhessem uma paisagem onde pretendam desfrutar um mês inteiro de prazer.
Ou eu muito me engano, ou com o meu querido parceiro, também será mais ou menos assim.
A leitura está hoje acima de qualquer outro prazer que eu tenha. Alcançou esse estatuto de soberania com o correr dos anos. Combatendo adversários tão difíceis como passeios, jantares, festas, praia, um cigarro, cinema, esplanar, música, fotografar, simplesmente não fazer nenhum, dormir e nos dois últimos anos, a escrita. Aliás, esta última, foi unicamente uma consequência pura e simples, das exigência e curiosidade com que eu cada vez mais me embalo nas minhas leituras.
Se houve coisa que sempre existiu em nossa casa, foram livros, música e fotografias. Tudo em muito. Depois dos livros de quadradinhos e dos de contos de fadas, não me lembro com grande certeza, qual tenha sido o título do meu primeiro livro a sério. Sei que tudo começou pelos Enid Blyton da minha irmã; páginas e páginas amareladas, preenchidas a letra miúda e apertadinha, igual à que saia da máquina de escrever do meu pai, quando eu brincava às professoras.
Foi este senhor e tudo aquilo que ele concebeu - sim, conceber é o verbo perfeito para tudo o que ele escreveu - o grande responsável para que eu aos oito/nove anos, tenha começado a ler sem parar e começasse a achar, que a leitura seria muito mais do que somente a história. Reparava eu, que por detrás das letras, havia segredos que o escritor tentava passar-nos, isto é, que podíamos aprender a ler através de uma lente, como se filtrando o trivial, buscássemos para além dele.
Depois vieram todos os outros autores, disfarçados de personagens nos seus livros de capa encadernada, lombada grossa, pintada a letras douradas. No tempo em que ainda se tomavam pequenas notas a lápis, se dobrava a ponta para marcar a página e se ofereciam livros com dedicatória sentida.
E quando descobrimos aqueles livros, que parecem ter sido escritos em voz alta? A sonoridade das palavras usadas, a crueza de umas, o lirismo de outras. Que personagens vivas são aquelas, sentadas no mesmo sofá que nós, acompanhando-nos à leitura? Uma extensão da nossa própria experiência, vivendo uma semelhante interpretação da vida, com quem nos identificamos, reproduzindo-nos tantas e tantas vezes.
Já li em muito ambientes, e ainda leio se não tiver outra hipótese, mas actualmente é o silêncio que procuro. A total atenção enquanto folheio o meu livro. Alcançar o porquê da escolha daquela palavra e não de outra, atentar à pontuação - ou à sua ausência - aprender com os diálogos, sempre difíceis de serem naturais, observar a narração dos factos, deliciar-me com o pormenor da descrição, que cada vez mais aprecio, viver as passagens do quotidiano das personagens, que as tornam reais e absolutamente próximas de nós, os leitores, usufruir do impacto emocional que o escritor traz ao papel e descortinar o enredo, obviamente. Mas este, nem sempre já é o mais importante; por vezes tornar-se-á secundário até. Tudo depende do mestre que desenha o livro.
Leio para me melhorar a mim própria, me preencher; se calhar, me habilitar na vida. Não sigo modismos, tenho favoritos e cada vez, vasculho mais nos antigos, de todas as nações e épocas. E aprendo tanto. Tudo. Só lucros.
Quando temos a sorte de ler um grande livro, um livro marcante, toda a nossa consciência se altera. Mudamos. Há algo que não permanece com antes. Parece-vos pieguice, exagero, sentimentalismo? Então é porque ainda não encontraram o tal livro.
Escolham um livro, como se escolhessem uma paisagem onde pretendam desfrutar um mês inteiro de prazer.
Ou eu muito me engano, ou com o meu querido parceiro, também será mais ou menos assim.
18 comentários:
Li esta tua crónica, Patti, com uma lágrimazinha no olho: a casa dos meus pais também estava cheia de livros; cá em casa só tenho chatices por ter tantos livros, estando sempre a prometer não comprar mais nenhum, mas às vezes não resisto! Bem, não é a verdade toda: eu posso comprar livros, o que tenho é que os dar depois de os ler como faz o resto da família.
"O meu pé de laranja lima" foi o único livro, que li do José Mauro de Vasconcellos... e chorei como uma Madalena.
Agora vou dar um pulo até ao Rochedo!
Achei brutal a coincidência...minha paixão por livros começou com José Mauro de Vasconcelos e mais ou menos na mesma idade que vc...
O Veleiro de Cristal não foi o primeiro livro que li dele, mas definitivamente foi o que me marcou e que ampliou e muito meus horizontes.Foi também o primeiro livro que "devorei", durante umas férias de Julho.E eu não fiz outra coisa até terminar o livro.E me lembro também que foi a primeira vez que chorei ao ler um livro e eu tinha de 9 para 10 anos...
Obrigada pela doce lembrança :o)
Eu tenho também esse mesmo fascinio por livros desde menininha. O primeiro livro que li e me marcou foi "O mundo em que vivi" de Ilse Losa, fantástico. Desde aí nunca mais parei. Tenho gostos variados, autores novos que vou descobrindo. Gosto de sentir um livro na minha mão, de mergulhar naquelas palavras, abster-me a realidade que me rodeia. Procuro o prazer que cada palavra me proporciona. É uma espécie de amizade, completamo-nos... gostei muito do teu post... bjs
Eu adoro ler, sempre adorei. Também comecei com os quadradinhos e a Anita depois veio a Enid e os livros da Patrícia, o primeiro livro adulto que li foi o Papillon e adorei, desde aí nunca mais parei. Já perdi a conta de quantos livros me passaram pelas mãos e adoro a minha estante repleta deles. Detesto ler livros emprestados gosto de os guardar comigo depois de lidos...
Jokas
É pela leitura, Patti, que vejo quanto nos é necessário o contacto diário com a arte. Ler representa para mim essa evasão essencial. Nem que seja por uns minutos apenas, tenho de ter o meu momento de fuga para um mundo em que o tempo tem outra contagem e de que tiro um imenso prazer estético. Se o autor «interage» com o leitor (tipo Camilo), então é o «delírio», porque a leitura ascende ao nível da «conversação». ;-D
Cada livro deixa um pedaço de si na nossa memória. Ou porque nos encantamos com a história, ou porque nos deslumbramos com as palavras, ou até porque nos reflectimos em personagens, vivências, atitudes.
Já fui uma leitora voraz desde miúda, e ainda é das coisas que me dá mais prazer, apesar de agora não usufruir dele muitas vezes.
Curiosamente, os livros que mais me marcaram foram lidos na idade adulta: todos os livros da Rosa Lobato Faria e um, muito em particular, pela avalanche de imagens e sons (sobretudo sons!) que me provocou, muito para além do tempo em que tive as páginas abertas. É o 'meu' livro, o Lueji, de Pepetela.
Livros! Uma paixão, pois não imagino a vida sem eles.
Tenho uns que foram deixando marcas e começo pelos livros dos cinco que inundaram a minha meninice de aventuras. Li e reli a colecção toda, transportei as aventuras para dentro do colégio onde estava a estudar, criamos um grupo de fãs depois dei-os a ler aos meus filhos e estão ali para quando esta nova geração começar a ler.
Salto para uma fase mais tardia e escolho sem duvida os primeiros livros do António Lobo Antunes, colega de curso do meu marido e que através do “Os Cus de Judas “ ou “memoria de elefante” por exemplo me deu oportunidade de compreender melhor o que se passou com eles. Dos livros dele que se seguiram, tenho de nomear um que pelo menos para mim é fantástico: -O fado Alexandrino.
Outros que li, leio e fazem parte da minha vida, sempre
“O Ano da Morte de Ricardo Reis – Saramago
“Peregrinação Interior volI/II -Alçada Batista
“Os Nós e os Laços”_Alçada Batista
“Inconfidências de um médico-B.Masci
“Se isto é um homem – Primo Levi
Suite francesa – Irène Némirovsky
Ia esquecendo o “meu pé de laranja lima” que li numa tarde de chuva torrencial, em Bolamgongo enquanto esperava que uma coluna da tropa chegasse do mato.Foi-me emprestado nessa tarde pelo comandante da companhia e ali ficámos os dois, eu uma miúda de vinte anos ele um tropa de carreira, sentados na casota que fazia de messe chorando :) O livro tenho-o guardado na estante em local de destaque, as memorias que ele me despertam essas estão aqui bem dentro. Creio que nenhum outro livro podia ter proporcionado tal momento.
Ocupei imenso espaço, mas não conseguia deixar nenhum de lado….
Bjs
Patti,
Como sempre um excelente texto… também devia pensar em escrever um livro.
Ao lado dos livros do José Mauro de Vasconcelos, um livro que muito me marcou, nessa idade, foi o inesquecível Diário de Anne Frank.
Começando pelos "quadradinhos" a minha primeira paixão foi o PIMENTINHA...(loirinho e traquina uma perdição pela vida fora:):)), o meu pai apresentou-me o Princepezinho. Li As Aventuras de Tom SAWER e chorei, no Pé de Laranja Lima...quase me afoguei!
Sou muito distraída e se gosto do livro prefiro o silêncio para o "saborear" em pleno.
Lembro-me no Verão que li o EXODUS..., não sei que idade tinha mas sei que foi muito , muito marcante.
UM LIVRO=UM AMIGO
xx
xx
Ler é um dos poucos prazeres que tenho actualmente (para além de viajar, claro...)e também gosto de o fazer solitário e em silêncio, ou com uma música de fundo quase imperceptível.
Dito isto, vou fazer uma terrível confissão. "O Meu Pé de Laranja Lima" é um ivro que, além de estar sempre em cima da minha mesa de cabecira, viaja sempre comigo. Já sei de cor algumas passagens.
desta vez divergimos na abordagem do tema mas, como sempre, há pontos em comum.
Ah! E não é pieguice, não senhor, amim também me acontece renascer quando leio determinados livros.
A forma está perfeita, mas o conteúdo desta tua crónica é muito importante - é como uma rota na vida, um caminho que se escolheu, uma viagem nunc terminada. Também ando por aí...
O livro é o único automóvel que conduzo; nunca me deu dissabores, anda sempre, sem acidentes nem atropelos e quant mais antigo mais valor tem.
Um dos pequenos prazeres que tenho é a leitura, venha de onde viere e das mais diversas formas. A leitura enobrece a alma e alimenta a inteligência e a nossa imaginação. Um bom livro é uma aventura, um amigo, um confidente. Um livro é um tapete mágico que nos transporta ao mesmo tempo para um mundo de fantasia e de realidade.
nasci e cresci no meio de livros, emcasa dos pais e dos avós.
as primeiras leituras creio terem sido com os 7 e os 5 (todas as crianças da família o faziam - e sempre por esta ordem), mas lembro-me bem do aparecimento do pé de laranja lima, que li com 9 ou 10 anos - o livro era uma novidade e era recém-editado.
aliás, o j.m.vasconcelos proporcionou-me a minha primeira leitura "proíbida", quando uns anos mais tarde li a chuva crioula.
foi bom ter recordado esses tempos graças a este seu post, por vezes esquecemo-nos do amor que temos pelos livros, das pequenas grandes coisas que só um livro nos dá, a começar pela inicial: abri-lo pela primeira vez e cheirá-lo...
Bem... falar sobre livros levar-me-ia muito longe e, para não sair daqui, digo que gostei deste teu jeito romântico de falar sobre um dos maiores amigos do Homem. O outro é... o CÃO e porque não o GATO? rsrsrs
Beijossss
A mim também não me parece pieguice.. parece-me verdade! E das Grandes! :)
Também leio muito. Ultimamente, os blogues retiram-me algum do tempo que antes era dos livros...
Adoro contemplar as estantes, cheias de livros. Os meus filhos também já vão tendo em boa quantidade.
E viaja-se tanto, no tempo e no espaço!
Um beijo.
Ler é apenas o meu terceiro prazer preferido. O segundo é brincar e conversar com os meus filhos (se estivéssemos a falar de dever, e não de prazer, seria obviamente o primeiro).
Enviar um comentário