E quem já partilha esta vizinhança há algum tempo, bem sabe da minha perdição por estes ambientes.
Multidões assim não me incomodam. Não me perturbam os encontrões cheios de sacos de compras, seiras de vime, alcofas de junco, cabazes e cestos de verga. Sofro de imunidade aos pregões gritados, às discussões dos fregueses, ao barafusto das vendas.
Sou de pormenores, e aqui, apaixono-me logo pelo burburinho, o cheiro, a correria, as vozes altas, as folhas que a fruta ainda traz presa, a terra nas batatas, o preto das amoras, os vincos das sacas de serapilheira. Maços de notas que se folheiam em mãos enrugadas, a caixinha dos trocos, o calejo de dedos que apalpam a melhor fruta, os peganhentos frascos do doce de tomate, os ovos caseiros ainda de penas agarradas, extirpadas ao esforço da vítima.
E chamam-nos de freguesa, de menina, e de meu amor diga lá o que deseja.
Em Lagos, onde paro algumas vezes durante o ano, o mercado dos sábados é irresistível. Muito rústico, genuíno, mas onde os estrangeiros adeptos da agricultura biológica, se misturam - e bem - entre os agricultores de outros tempos e lhes dá uma riqueza especial.
E depois é vê-los, aos sabonetes de alecrim da holandesa ruiva e de piercing no umbigo, junto do queijo de figo da avó, coberta com um lenço de flanela de ramagens sombrias; legumes de nome impronunciável, plantados pela família Sherard, a par da alfarroba do monte do tio Malaquias; gaiolas de patinhos amarelos da menina Laura, que bicam saquinhos com chás zen, daquela alemã alta como um poste. Saias hippies, coloridas, compridas e rodadas sobre sandálias de couro, encarando socas de madeira, botas de borracha, saias de fazenda e meias grossas de tons pardos sem brilho.
E o melhor de tudo nos mercados e nas feiras, é que há qualquer coisa de passado abençoado, de memória feliz que não desarma, uma nítida presença de pessoas que já não estão connosco, mas que habitam estes locais.
Parece que andam por ali nas compras, junto a nós, dizendo para termos cuidado, pois a batata ainda não é nova, que o cebolinho quer-se fininho e rijo, as cerejas escuras, as castanhas grandes e lisas, os pintos amarelos, os coelhos mansos, o pão mal cozido, o queijo luzidio embrulhado em papel pardo, e que a fava rica se pesa ao litro.
Apertam os nossos dedos; mãos de avós permanentemente eternos, que nos levam a ver com orgulho em bancadas improvisadas, o desfile de presentes que a terra deu.
Mãos quentes. Sempre quentes.
E por esse mundo fora, meu querido parceiro? Conte-me tudo.
Multidões assim não me incomodam. Não me perturbam os encontrões cheios de sacos de compras, seiras de vime, alcofas de junco, cabazes e cestos de verga. Sofro de imunidade aos pregões gritados, às discussões dos fregueses, ao barafusto das vendas.
Sou de pormenores, e aqui, apaixono-me logo pelo burburinho, o cheiro, a correria, as vozes altas, as folhas que a fruta ainda traz presa, a terra nas batatas, o preto das amoras, os vincos das sacas de serapilheira. Maços de notas que se folheiam em mãos enrugadas, a caixinha dos trocos, o calejo de dedos que apalpam a melhor fruta, os peganhentos frascos do doce de tomate, os ovos caseiros ainda de penas agarradas, extirpadas ao esforço da vítima.
E chamam-nos de freguesa, de menina, e de meu amor diga lá o que deseja.
Em Lagos, onde paro algumas vezes durante o ano, o mercado dos sábados é irresistível. Muito rústico, genuíno, mas onde os estrangeiros adeptos da agricultura biológica, se misturam - e bem - entre os agricultores de outros tempos e lhes dá uma riqueza especial.
E depois é vê-los, aos sabonetes de alecrim da holandesa ruiva e de piercing no umbigo, junto do queijo de figo da avó, coberta com um lenço de flanela de ramagens sombrias; legumes de nome impronunciável, plantados pela família Sherard, a par da alfarroba do monte do tio Malaquias; gaiolas de patinhos amarelos da menina Laura, que bicam saquinhos com chás zen, daquela alemã alta como um poste. Saias hippies, coloridas, compridas e rodadas sobre sandálias de couro, encarando socas de madeira, botas de borracha, saias de fazenda e meias grossas de tons pardos sem brilho.
E o melhor de tudo nos mercados e nas feiras, é que há qualquer coisa de passado abençoado, de memória feliz que não desarma, uma nítida presença de pessoas que já não estão connosco, mas que habitam estes locais.
Parece que andam por ali nas compras, junto a nós, dizendo para termos cuidado, pois a batata ainda não é nova, que o cebolinho quer-se fininho e rijo, as cerejas escuras, as castanhas grandes e lisas, os pintos amarelos, os coelhos mansos, o pão mal cozido, o queijo luzidio embrulhado em papel pardo, e que a fava rica se pesa ao litro.
Apertam os nossos dedos; mãos de avós permanentemente eternos, que nos levam a ver com orgulho em bancadas improvisadas, o desfile de presentes que a terra deu.
Mãos quentes. Sempre quentes.
E por esse mundo fora, meu querido parceiro? Conte-me tudo.
20 comentários:
Como já tinha saudades destas encantadoras crónicas, minha cara Patti!
Como já disse na crónica do teu querido parceiro, não vou lá muito com feiras, mas esta de Lagos abriu-me o apetite. A mercadoria da gente estrangeira ao lado da mercadoria da nossa avó portuguesa deve ser o máximo.
Claro, que nas feiras do Norte do país não temos estrangeiros pelo meio, eles preferem o Algarve por causa do clima.
Em Junho penso ir até ao Porto, mas um pulo até Lagos é coisa a pensar.
Bjs
Eu adoro esses ambiente bucólicos onde predomina a simplicidade, onde os cheiros se confundem e as cores também. Ainda recentemente quanto estive em Inglaterra visitei um que era uma delicia, arquitectura antiga, uma mistura de bens a ser vendidos, até livros havia a 50 cents... uma maravilha. bjs
Eu faço ouvidos de mercador, não tenho grande paciência para feiras, mercados, supermercados, minimercados, acho que, qulquer dia, passo a fazer compras on-line. :)
Gi:
Estás a meter tudo no mesmo saco...
Até me vieram as lágrimas aos olhos, lembro-me bem de ir ao mercado com a minha avó...de mão dada.
Jokas
Patti
Que bom ver de volta as Crônicas de Graça. Já era (e volta a ser) leitura obrigatória e muito agradável das minhas sextas feiras.
E hoje leva-nos a passear por uma feira interessantíssema, ao mesmo tempo em que nos carrega pelo tempo, fazendo chegar até nós presenças queridas que nos ensinaram a "viver" as feiras - no caso, minha mãe.
Obrigada por esse passeio.
Bom final de semana.
Tem razão, Patti, nessas feiras, recuamos sempre a um tempo que não é o nosso. Por nos dar tão bem essa noção, gostei muito de a ler. Embora confesse não gostar de feiras: já sou criatura do «liofilizado». :-)))
Eu a ler e a rever o mercado de Lagos onde entrei tantas vezes com os filhos pela mão...
Até chegaram a mim os cheiros...
Bela crónica, como já é habitual!
Abraço
Primorosa a composição da imagem!
Lindo, este post.
Tenho pena de nunca ter conhecido mãos de avós...
Beijos.
Aceitas o selinho "Este blog é um clássico", minha cara Patti?
É um novo selo a rondar pela blofosfera.
O desafio não é obrigatório!
Patti querida...sua feira me fez lembrar de Scarborough Fair :
http://www.youtube.com/watch?v=SfqpAWPx6T4&feature=related
Patti, o teu magnífico texto (muito bem ilustrado com o mosaico fotográfico) trouxe-me uma paz enorme, uma ideia de mundo-modelo,onde toda a gente poderia viver harmoniosamente, gente de várias origens e idades em comunhão com a terra. Parece ser tão simples, não é? Deveria ser tão simples, como acontece no mercado que magistramente descreves.
Adoro mercados, são lugares de regresso às origens.
Beijo
Sempre gostei das feiras em Portugal. Têm "um feitio" diferente das daqui. Pelo menos aqui no Rio.
Aí já fui presença às segundas, na Feira de Espinho e às sextas na das febras em Penalva. Para as crianças eram uma festa, para as mães uma oportunidade de comprar os saleiros em porcelana com a vaquinha pintada e para os pais, escolhiam os enchidos num tempo sem ASAE.
Era bom, Patti. A Rosa agradece.
Que giro!!!!
Hoje em dia também me dá prazer passear nas Feiras das Aldeias ou Mercados Municipais.
São, como tu dizes, mais humanizados e mais... económicos face à crise.
Vou bater à porta do parceiro
Patti,
Tomei pela 1ªvez o contacto com feiras e mercados em Portugal. A 1ª experiencia foi no Algarve, em Faro, já lá vão mais de 40 anos. Ainda hoje tenho a recordação dos cheiros das frutas,das cores dos legumes e da variedade dos peixes. Tudo isto acompanhado pela melodia dos pregôes, pelos dizeres carinhosos a clientes habitues, pela troca de piadas, piropos e mexericos!
Todos os mercados tem as suas características mas são os espaços mais representativos de uma região.
Sou fã!
Beijo
Sem acesso à Net durante alguns dias, chego com atraso considerável à leitura deste quadro tão bem pintado, cara parceira.
Também conheço a Feira de Lagos ( embora lá não vá há uns tempos) e senti-me a passear por lá enquanto lia a sua excelente descrição.
Gostei tanto !
Acabei de ler com lagrima no olho , saudades das mãos quentes da minha avó Nini que adorava feiras e me ensinou tanta coisa .
Um destes dias ainda aparece um imposto para quem escreve assim :)
Também gosto do rebuliço, das cores, aromas e sons das feiras. Aqui à volta conheço algumas feiras e mercados, como descrevo no Rochedo. Outros em que me perdi destaco o colorido e perfumado Mercado do Funchal.
Que viagem, no espaço e no tempo, que se faz nesta crónica tão bem escrita e pintada.
Admirável!
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