quinta-feira, 8 de maio de 2008

no passar dos anos


Pronto, lá vem ela de novo. Oh mãe, no teu tempo …..

No meu tempo? Mas qual ‘no meu tempo’? Mas o meu tempo, por acaso já passou? Alguma vez? Nem pensar. O meu tempo foi ontem, foi hoje de manhã, foi há coisa de dez minutinhos atrás.

Todas as vezes que eu em criança, fazia esta pergunta com imensa curiosidade, ‘oh ‘vó, no seu tempo’; tinha na minha frente uma velhinha de cabelo louro, sempre preso com uma travessa de tartaruga, de roupas escuras e voz baixa. Os avós não se tratam por tu, mas sim por você, está bem?Diz-se a avó quer ou o avô deixa, ensinava-me ela.

Levantava-se muito cedo e movia-se sempre silenciosa. Logo pela manhã punha ao lume uma cafeteira enorme de café preto e começava a preparar o seu arroz de coelho, único e que só ela sabia fazer, para o nosso almoço de mesa farta e sempre cheia de gente. Sempre teve empregadas, mas nunca deixou de fazer nada por isso. Assava batata-doce para o meu lanche, chamava papo-seco ou carcaça ao pão e aliviava-me o inchaço das mordeduras das melgas com azeite caseiro, gordo e amarelo. Contava-me histórias doutro século e ensinava-me a coser meias com um ovo de madeira clara e dizia sempre que os botões não se cosiam, pregavam-se! Coitadinha, ainda me tentou mostrar como se fazia malha!

Guardava malgas de marmelada e de banha branca na parte mais alta dos armários da cozinha. Separávamos o feijão, um a um, enquanto ouvíamos a telefonia. Às vezes, aos domingos de Verão, íamos ao cemitério pôr flores aos mortos. É para olharem por nós, filha. Mas quem ficava a olhar era eu, para aquele jardim cheio de velhinhas vestidas de negro que nos cumprimentavam. Sempre usou bolas de naftalina e ramos de eucaliptos nas arcas do enxoval, que insistia em fazer-me. Um dia, ainda vais apreciar isto tudo que avó te guarda. Oh ‘vó, vamos ‘partir’ ervilhas e favas para saírem aquelas ‘coisinhas verdes’ lá de dentro? Plim, plim, plim, faziam as ‘coisinhas verdes’ a cair na tina de alumínio.

As diferenças entre a geração da minha filha e a minha, já não são tão marcantes como noutros tempos. Temos gostos idênticos nas conversas, nas roupas, nas lojas, nos passeios, nos hobbys, na net, nos desportos, nos restaurantes, nos livros, nas revistas e de uma forma geral na maneira de estar na vida.

Mas há uma coisa que eu ainda digo, tal qual a minha avó dizia.

Como é que o tempo se atreve a passar tão depressa?

26 comentários:

De dentro pra fora disse...

Deve ser bom recordar alguém que nos ensina coisas simples mas que ficam...

Eu infelizmente não tenho essas recordações pois não conheci nenhuma das minhas avós ou avôs, sei sim que eram pessoas simples com os seus valores...

já os meus filhos, pelo menos das avós vão ficar com algumas recordações, dos avôs acho que nem por isso pois eram muito pequenos quando partiram embora lhes fale deles...
quando o avô partiu a minha filha com apenas 3 anos costumava dizer que o via no céu entre as nuvens...coisa que deixava a avó com a lagrima no canto do olho(e não era pessoa de lagrimas facéis)coisas de criança que provavelmente hoje já não lembra, o que é uma pena..

Pitanga Doce disse...

Patti, uma vez ouvi a cantora Rita Lee dizer que a gente começa a envelhecer quando passa a usar muitas vezes as expressões: antigamente, ou no meu tempo...Mas agora já nao cabe mais pensar assim porque o tempo anda rápido demais e hoje somos mães e amanhã somos avós e por fim somos as mesmas. E falamos das mesmas coisas aos nossos filhos e netos. Eu ouvi Elton John, meus filhos ouviram Elton John e a Julinha, com certeza, ainda vai namorar ao som de Elton John. Algum dia era suposto que a minha avó fosse a praia comigo de biquini? Eu vou com a Julinha.

Ah, também aprendi lá pelas Beiras a chamar papo-seco ao pão!

beijos e o "nosso tempo" é hoje, sim!

Gi disse...

O tempo tem pressa de apanhar outros no tempo e a tempo de poderem dizer eu, cá, sou deste tempo.

Bijinhos, que eu não tenho tempo para mais ... tenho que chegar ao emprego a tempo.

BlueVelvet disse...

Vim a correr dizer bom-dia e que tens um convite para ir à Patagónia acompanhar o filho da Flôzinha:))))
Logo volto para te comentar.
Adorei o post!
Inté

Anónimo disse...

...e parece que cada vez mais depressa!!! Por isso temos de aproveitar todos os minutinhos da nossa vida.
Ter recordaçoes é bom, mas ilusoes tb!
bjos

LeniB disse...

Deve-se explicar às crianças, ainda em tenra idade, a diferença entre coetâneo e contemporâneo!
Concordo contigo quando dizes que o fosso que nos separa dos nossos filhos, não ser já tão grande como o que nos separava das nossas avós.
As nossas mães modernizaram-se o que ajudou sobremaneira a nos aproximarmos da geração dos nossos petizes.
Andas a água-das-pedras hoje? Foi só uma questão que me passou agora, assim de repente, pela mente!!

Patti disse...

Lena:
Hahahahahahahaha, por acaso até ando, mas foi por causa dos 'janquizinhos' de ontem ao jantar!

Nina disse...

Ahh, mas como gosto do que essa portuguesinha escreve, apesar de muitas palavras eu não entender. Aqui na Alemanha eles separam o Portugiesisch (que é o idioma de Portugal) do Brasilienisch do Brasil, na verdade eles até têm razão, mas eu falo sempre: Hey! eu falo português! - muito brava! rsrsrs).

Patti, vc sempre tem uma palavra linda pra dizer. Hoje me levou às lágrimas (tudo bem que isso é facinho com a chorona aqui) mas me fez lembrar da minha vozinha tbm. Saudades imensas eu guardo dela. Tbm íamos ao cemitério, tbm ela cozinhava pra mim, tmb me dizia coisas que só ela sabia dizer. Obrigada por lembrar aquela que na verdade, eu lembro sempre.

Beijinho com carinho e desculpa o comentário gigante.

Olá!! disse...

Realmente Patti, o fosso que separa o antigamente do actual é enorme...
Eu vivi tudo isso, o embrulhar dos ovos, um a um, em folhas de jornal, o descascar das ervilhas, as vindimas tradicionais, a aguardente quando me doiam as pernas... em contrapartida não falava abertamente com a minha mãe (avós não conheci).
Hoje em dia as ervilhas são de lata, os ovos vêm embalados e nãoo são tão amarelinhos, mas sabe bem sentir a harmonia da conversa e como os assuntos fluem sem inibições...
Fizeste-me recordar coisas simples e boas :))) Obrigada
***

Ka disse...

E diferença ao compararmos as gerações é enorme, ou não fossem as nossas mães da geração que são :)

Hoje em dia aquela ideia terna que temos de avó é completamente distinta. Não que não sejam ternas, mas o ar de avózinha de facto já não existe.

Beijinhos

Fiona disse...

Nossa Patti, que bela recordação. Fiquei de olhos marejados aoimaginar sua vozinha. Que bom que tens essas belas lembranças, essas historias pra dividir com a gente...e quanto ao tempo, tambem queria que ele corresse mais devagar...

'Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal…
Quando se vê, já terminou o ano…'

Coragem disse...

oh patti, lá vou eu viajar até ao passado com este teu texto. Pronto a saudade chegou, e consigo ver a minha avó como retratas-te e muito bem a tua.
Como vivia no campo, até o badalo das cabras consigo ouvir.
E o tanque da roupa, lindo comprado não sei onde em pedra tal qual os grandes, onde lavava os lenços e guardanapos da casa, mesmo ao lado dela.
Pé descalço para sentir melhor a terra...

Menina o que foste tu fazer!!!
Beijo e obrigada.

Patti disse...

Coragem:
Eu também tinha um tanquezinho miniatura onde lavava lenços.
E o meu avô fez-me um estendal pequenino no jardim, só para mim.
E o cheiro do sabão?

f@ disse...

O TEMPO DAS NUVENS É RELATIVO... TODOS TEMOS O NOSSO ... + TEMPO MAS DO RELÓGIO DE PULSO... ESTOU SEM GRAÇA NENHUMA DA CHUVADA ... BEIJINHOS VOLTO LOGO

Paulo Tomás Neves disse...

tempus fugit
de manhã somos netos e de tarde já avós, é aproveitar a viagem :-)

AFerraz disse...

Parabéns pelo excelente blog, pelos temas e escrita imaginativa. É o primeiro comentário que faço apesar das espreitadelas diárias de há uns tempos para cá.

É o primeiro porque simplesmente me apetece e não porque vou discordar de algo.

Sim, é verdade, o nosso tempo cada vez passa mais depressa.

"As diferenças entre a geração da minha filha e a minha, já não são tão marcantes como noutros tempos." Parece, apenas parece, porque no teu caso pessoal tiveste a oportunidade e a capacidade de te adaptares às mudanças brutais e diárias do nosso tempo. Mas não podes generalizar, cada vez mais as diferenças são mais marcantes.


A principal mudança no nosso tempo é precisamente a rapidez da mudança

Patti disse...

AFerraz:
Obrigada pelos elogios. Os teus comentários ou somente as tuas leituras diárias são sempre bem vindos.

As abordagens que faço aos temas, têm sempre por base a minha experiência pessoal. Aquilo que vivo ou vivi, que sinto e que observo.

Aliás é impossível generalizar nos dias de hoje e não foi isso que fiz.

Antes era tudo muito mais compassado, mais lento e melhor saboreado.
A rapidez da mudança que falas é mesmo uma realidade, há que estar presente, abrir os horizontes e os olhos e mesmo assim vai haver sempre algo que nos vai escapar.

Rocket disse...

vou acusar-te de plágio:

http://rocket-slavetotherhythm.blogspot.com/2008/04/jump.html


vemo-nos em tribunal :-)

Patti disse...

Rocket:
Bem metida!
Parece que a Grace Jones também lá vai estar.

paulofski disse...

O tempo, esse maldito. Passa por entre os dedos. Não tarda, seremos também ensinados pelos netos.
-Ó avó, não percebes nada...!

Já agora! Que sites estarão as sinhoras a visitar? É que pela cara delas...

SC disse...

Também tenho recordações dessas, das férias grandes (3 meses?! bons tempos!!) passadas em casa dos avós.

Passa mesmo muito depressa. (Ainda "ontem" foi 2a feira e já estamos de fim-de-semana)

BlueVelvet disse...

Começa a ser repetitivo dizer-te que estas coisas que descreves também as vivi.
E que ao lê-las me apetece fazer um post igualinho...
Mas como não sou copiona, vingo-me no comentário:)))
Também tive a sorte de conhecer as minhas avós e um avô.
Das duas só de uma guardo recordações maravilhosas.
A mãe da minha mãe também era assim como descreves a tua avó:
era alentejana, rija e comporte altivo.
Acho que só manifestava a doçura que tinha dentro dela, comigo.
Punha-me vinagre nas mordidelas das melgas e leitinho morno nos ouvidos quando tinha uma otite.
Em Setembro, era o ritual dos doces: a marmelada, o doce de tomate, o de abóbora com canela.
Nas fatias de pão caseiro barrava natas frescas acabadas de tirar do leite, e escolher feijão ou descascar ervilhas era uma brincadeira com eles a fazerem plim, plim na taça de alumínio reluzente.
Até morrer nunca deixou de ir ao teatro e ao cinema aos fins de semana, sózinha, quando lhe dava na cabeça.
Embora com empregadas era ela que ia à praça escolher os legumes e o peixe porque só ela sabia fazê-lo.
Morreu com 81 anos com um cancro, num mês.
Eu tinha 18, já viste, os números ao contrário?
Por causa disso deu-se a minha grande cisão com a Igreja.
Estive muitos anos sem compreender porque Deus me tinha feito aquela maldade, mas isso são outras conversas.
Levei um dia para comentar isto porque me trouxe recordações demais.
Beijinhos, veludinhos e bom fim-de-semana
Morreu com

Su. disse...

:)
Que saudades da minha avò!

Pronto, vou continuar este assunto no meu canto... não pq nao goste de aqui escrever, mas pq acho q ia ser chata no comentario enorme que acabei por escrever!

Beijoooo

Patti disse...

Su:
Escreve o quiseres, as vezes que quiseres.
A caixa de comentários é vossa. E não me aborreces nada, antes pelo contrário, gosto imenso das tuas visitas.

Su. disse...

Pronto corei! Obrigada e bom fim de semana pa ti.
Entao prometo, que mesmo que me estique no numero de linhas no comentario, ele vai de qualquer modo! Beijoooo

Ps: n te sei ajudar qt ao teu pedido ultimo tb n entendo nada dessas coisas... informatica e net para mim só o basico!

Sunshine disse...

Adoro a minha avó e felizmente ainda é o tempo dela! nunca me vou esquecer do muito que ela me ensinou, principalmente, do seu sempre sorriso nos olhos e da sua calma e paciência. A minha avó é um doce!!!
O tempo passa depressa demais e, por vezes, não dá tempo de o aproveitarmos estando com quem gostamos mais.
Beijinhos