Mundial de Futebol
- os dramas de uma mulher -
O pior mesmo, é quando ele arrota de satisfação no fim do jogo da nossa selecção. Isto quando ela ganha, pois se perde é um soltar de palavrões, que nem vos digo nem vos conto. A sonoridade gutural que vem das profundezas do peito do meu Adérito, assemelha-se ao júbilo feito por uma manada de elefantes, quando encontra um charco perdido no meio da savana.- os dramas de uma mulher -
O velho cadeirão de orelhas estremece o casco, as paredes abrem novas rachas no estuque, o gato desaparece durante dois dias, nos meus ouvidos há um eco infinito e se tenho o azar de estar a pintar as unhas dos pés, nasce-me uma obra abstracta que vai desde o dedo grande ao calcanhar.
Eu sou daquelas que rogo a todos os santinhos do desporto, para que não andemos nunca metidos em mundiais e europeus. A minha vida vira um inferno, ainda ninguém sabia se íamos ou não jogar lá nas áfricas, já a minha rica moradia se encontrava enfeitada de cima a baixo de bandeiras verdes e encarnadas; a fonte de pedra colocada no meio do jardim, com um menino a deitar água pelo cântaro, foi o Adérito substituí-la por uma imagem do Cristiano Ronaldo, esculpida numa daquelas poses que o rapaz faz, com a bola equilibrada na cabeça; a colunata com alcachofras que ladeiram o portão, foram mudadas para bustos do senhor Queiroz; no azulejo por cima do alpendre, pintado com a Senhora de Fátima, vai ele e manda desenhar um par de vuvuzelas entrelaçadas - só dessas malditas cornetas zulu, já cá tenho oito - e como se não bastasse, encarregou-me de bordar os nomes dos onze jogadores, numas camisolas de alças que ele comprou à Alcina, a cigana da feira cá da freguesia. É que vocês não estão bem a ver, aqueles homens todos, gordos e peludos, de camisolinha de alças, a chorar, aos abraços e encontrões, pois não?
Anda-me desarvorado, o homem.
-Oh melhér, eu não tenho cá tempo para logísticas, trata tu das comezainas e da beberagem, por favor. Tenho programas muito interessantes, para assistir sobre o mundial na televisão, que servem para um gajo se preparar em condições para o campeonato. Ainda para mais, são todos muito diferentes uns dos outros, com comentadores eruditos, de visões futuristas, intelectuais até! E os jornais que tenho de ler? Notícias espantosas, originais, sem especulações, nem mentiras e boatos. É assim que um gajo se cultiva, oh Brucelina. Nos dias em que joga a nossa selecção, devia ser feriado nacional!
E pronto, a conversa não passa disto: que ler a Bola é ter interesses literários; que se o povo gosta é disto, então é só disto que lhe devemos dar, quais livros, teatro e cinema, qual carapuça; que o futebol devia ser disciplina obrigatória nas escolas; que se deve impingir nos nossos filhos mal nasçam, que quais cursos quais quê, há que estar mas é de olho nos carrões, nos brincos reluzentes e nas loiraças dos rapazes do futebol.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEig6gsOiIEGw-qQwfJZqD1NICLbID7Gikli2SiQSkCDnNbq8ne9ikOI8H3yPpsDaY0Ib8J-BFVI91qwbPydLpV2dEoHTMPi7Snc9Hd8-R7sqfg5Pn8CPzUOVviC3ZBVPGakljJUVhozbwbm/s400/SKYBag2.jpg)
Em dia de jogo, coitadinha de mim, nem quatro horinhas durmo eu seguidas. Há festa da grossa aqui na moradia, pois abancam cá os amigalhaços do Adérito, e quem arca com tudo, é aqui a Brucelina d'Ascenção Peixoto. Essa é que é essa, meus amigos!
No gravador da sala, já lá grita vai para uma semana, o hino nacional, cantado pelo coro aqui da junta; em fila indiana, na arca frigorífica já eu alinhei e aconcheguei, para cima de uma meia dúzia de grades de cerveja; cozi pela madrugada duas tachadas de caracóis, com nacos de toucinho; encomendei um alguidar de tremoço gordo; salguei de véspera dezenas de couratos, febras e costeletas do lombo, para os maganões parceiros do Adérito.
E se nós perdermos? Eu rezo de novo a todos os santinhos, mas desta vez aos das colectividades desportivas, que me acudam. Há lá coisa pior de aturar, do que homens trombudos e descompensados com dissertações futebolísticas, discussões de pedibola e polémicas do balípodo?
Minutos antes, aquele jogador era o melhor da equipa, agora é a pior porcaria que já alguma vez pôs os pés no esférico, o não sei quantos é que devia ter sido seleccionado para guarda-redes, mas agora este, que defendeu dois penalties, é o magnata das redes, o treinador não pesca nada do assunto, mas como ganhou hoje, já é o rei dos relvados, o presidente da federação só lá está porque quer viagens e tacho, mas como ficamos nos primeiros lugares, é um homem trabalhador e honrado, a nossa participação nestes campeonatos dá nome à nação, mas se vimos de lá sem glória, só servimos para gastar o dinheiro dos contribuintes e cooperar para a falência da pátria mãe. Livra, gentinha esta que não sabe o que quer!
Mas o meu Adérito diz que não é nada disso, sou eu que ouço coisas e que não entendo nada de cultura, que não tenho noção do que falo.
O que eu sei, é que até gosto que os rapazes joguem bem e venham de lá satisfeitos, isso sim. Mas chega e basta.
Agora torcer, torcer, com os salários que eles ganham, com os prémios que recebem, com os contratos aos champôs linic e outros que tais, e com a trabalheira que eu aqui vou ter por causa deles, eles que torçam mas é por mim: Brucelina d'Ascenção Peixoto!
E o meu querido parceiro, conhece algum outro género de apreciador?
Eu sou daquelas que rogo a todos os santinhos do desporto, para que não andemos nunca metidos em mundiais e europeus. A minha vida vira um inferno, ainda ninguém sabia se íamos ou não jogar lá nas áfricas, já a minha rica moradia se encontrava enfeitada de cima a baixo de bandeiras verdes e encarnadas; a fonte de pedra colocada no meio do jardim, com um menino a deitar água pelo cântaro, foi o Adérito substituí-la por uma imagem do Cristiano Ronaldo, esculpida numa daquelas poses que o rapaz faz, com a bola equilibrada na cabeça; a colunata com alcachofras que ladeiram o portão, foram mudadas para bustos do senhor Queiroz; no azulejo por cima do alpendre, pintado com a Senhora de Fátima, vai ele e manda desenhar um par de vuvuzelas entrelaçadas - só dessas malditas cornetas zulu, já cá tenho oito - e como se não bastasse, encarregou-me de bordar os nomes dos onze jogadores, numas camisolas de alças que ele comprou à Alcina, a cigana da feira cá da freguesia. É que vocês não estão bem a ver, aqueles homens todos, gordos e peludos, de camisolinha de alças, a chorar, aos abraços e encontrões, pois não?
Anda-me desarvorado, o homem.
-Oh melhér, eu não tenho cá tempo para logísticas, trata tu das comezainas e da beberagem, por favor. Tenho programas muito interessantes, para assistir sobre o mundial na televisão, que servem para um gajo se preparar em condições para o campeonato. Ainda para mais, são todos muito diferentes uns dos outros, com comentadores eruditos, de visões futuristas, intelectuais até! E os jornais que tenho de ler? Notícias espantosas, originais, sem especulações, nem mentiras e boatos. É assim que um gajo se cultiva, oh Brucelina. Nos dias em que joga a nossa selecção, devia ser feriado nacional!
E pronto, a conversa não passa disto: que ler a Bola é ter interesses literários; que se o povo gosta é disto, então é só disto que lhe devemos dar, quais livros, teatro e cinema, qual carapuça; que o futebol devia ser disciplina obrigatória nas escolas; que se deve impingir nos nossos filhos mal nasçam, que quais cursos quais quê, há que estar mas é de olho nos carrões, nos brincos reluzentes e nas loiraças dos rapazes do futebol.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEig6gsOiIEGw-qQwfJZqD1NICLbID7Gikli2SiQSkCDnNbq8ne9ikOI8H3yPpsDaY0Ib8J-BFVI91qwbPydLpV2dEoHTMPi7Snc9Hd8-R7sqfg5Pn8CPzUOVviC3ZBVPGakljJUVhozbwbm/s400/SKYBag2.jpg)
Em dia de jogo, coitadinha de mim, nem quatro horinhas durmo eu seguidas. Há festa da grossa aqui na moradia, pois abancam cá os amigalhaços do Adérito, e quem arca com tudo, é aqui a Brucelina d'Ascenção Peixoto. Essa é que é essa, meus amigos!
No gravador da sala, já lá grita vai para uma semana, o hino nacional, cantado pelo coro aqui da junta; em fila indiana, na arca frigorífica já eu alinhei e aconcheguei, para cima de uma meia dúzia de grades de cerveja; cozi pela madrugada duas tachadas de caracóis, com nacos de toucinho; encomendei um alguidar de tremoço gordo; salguei de véspera dezenas de couratos, febras e costeletas do lombo, para os maganões parceiros do Adérito.
E se nós perdermos? Eu rezo de novo a todos os santinhos, mas desta vez aos das colectividades desportivas, que me acudam. Há lá coisa pior de aturar, do que homens trombudos e descompensados com dissertações futebolísticas, discussões de pedibola e polémicas do balípodo?
Minutos antes, aquele jogador era o melhor da equipa, agora é a pior porcaria que já alguma vez pôs os pés no esférico, o não sei quantos é que devia ter sido seleccionado para guarda-redes, mas agora este, que defendeu dois penalties, é o magnata das redes, o treinador não pesca nada do assunto, mas como ganhou hoje, já é o rei dos relvados, o presidente da federação só lá está porque quer viagens e tacho, mas como ficamos nos primeiros lugares, é um homem trabalhador e honrado, a nossa participação nestes campeonatos dá nome à nação, mas se vimos de lá sem glória, só servimos para gastar o dinheiro dos contribuintes e cooperar para a falência da pátria mãe. Livra, gentinha esta que não sabe o que quer!
Mas o meu Adérito diz que não é nada disso, sou eu que ouço coisas e que não entendo nada de cultura, que não tenho noção do que falo.
O que eu sei, é que até gosto que os rapazes joguem bem e venham de lá satisfeitos, isso sim. Mas chega e basta.
Agora torcer, torcer, com os salários que eles ganham, com os prémios que recebem, com os contratos aos champôs linic e outros que tais, e com a trabalheira que eu aqui vou ter por causa deles, eles que torçam mas é por mim: Brucelina d'Ascenção Peixoto!
E o meu querido parceiro, conhece algum outro género de apreciador?
11 comentários:
Ó Brucelina (pronto, desta vez vou ser mais educadinho...) tu nem te enxergas! O futebol é a locomotiva de um povo! E olha que se o futebol fosse mesmo disciplina obrigatória nas escolas tu já não falavas assim, tinhas outros conhecimentos, a não ser que fosses como aqueles que ficaram no oitavo ano e que de lá só saiem com a ajuda da ministra! Vou já criar uma petição para recolocar o futebol no lugar que merece!
Ah ganda Adérito! A arrotar assim deves ser lagarto, só podes. A propósito, já viste que o raio do gajo não convocou o Moutinho!!!
Ai melheri que eu gosto tanto desta animação acrescida em Junho.
Jogo à bola com os pimentos, vuvuzelo nas sardinhas, ai é tão bom, tão bom!
Ó Brucelina, podes acreditar?
Por cá andam já umas tantas mulheres tão (ou mais?) fanáticas do que os homens, acreditas? Este país para totalmente e, se ganharmos, a festa impedirá o trabalho por uns dias... Se perdermos? Também, ora! Quem pode trabalhar com tanta tristeza???
Beijos, Patti.
adorei ESTA Brucelina!!!! :)))
Pafezinha
Ó Brucelina! Já escrevi aqui um comentário e tu respondeste-me "Service Unavailable Error 503".
Mas que modos são esses?
Bem vou fazer mais uma tentativa:
Dizia eu ( se bem me lembro...)que te devias juntar à Amelinha e ir com ela aos Santos Populares. Sempre comem umas sardinhas e torcem pela marcha da Graça.
Mas, no entanto, tenho um palpite que vocês vão ver alguns joguitos para confirmarem se os jogadores estão em forma. assim como quem não que a coisa, percebes...
Se não estavas a pensar nessa hipótese, segue o meu conselho. Convida a Amelinha para ver uns joguitos e vais ver que ainda vão ter pena de o campeonato acabar. Vai por mim!
Balha-me Sto. Ambrósio!!
Credo, cruzes, canhoto, que aturar esse Adérito é dose!
Ó Brucelina, rife-o, rife-o e, entretanto, diga-me onde arranjou essa bolsita tão jeitosa, senhora, foi na Feira de Custóias, foi? É a 5, 5 aéreos, freguesa!!
Se a Selecção de Futebol Portuguesa fosse tão boa como as vossas crónicas, ganhava o Campeonato Mundial 2010.
Um abraço, Patti, com toda a minha grande admiração pelo teu talento.
Tão Brucelina? Desabafaste, filha? É assim pois, que estes gajos até se esquecem dos deveres conjugais em dias de jogos e só abrem a boca pra dizerem palavrões ou "empurrarem" a seleção aos berros de "bai que é bossa, carago"! Chega-lhe ao pé do ouvido, dá-lhe com a vuvuzela (raisparta o nome) e toca a andar. Deve haver por aí gajos jeitosos que não se importem com a bola, mas que também não façam crochê na hora do jogo "oubiste"? Tão?
Ai brucelina, como eu te entendo, como te entendo..
Ó Brucelina o que vale é que o jogo amanhã é às 3 da tarde e os "Adéritos" estão na fábrica a trabalhar, ou não...
Fantástico!
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