Ele coitado, bem se encolhia lá no fundo do seu canto da cama, bem chegadinho à mesa-de-cabeceira, correndo o risco de lhe entrar a esquina pelo olho adentro.
Era sempre o primeiro a enfiar-se nos lençóis de cetim brilhante, enquanto ela se dirigia para a casa de banho no ritual nocturno dos seus hábitos higiénicos. O desgraçado do Alfredo seguia-a com pézinhos de lã, muito à cautela e no mais absoluto silêncio, escondia-se dentro deles. Não fora o chilrear prolongado da gaita da cama de bilros de pau-santo, que a madrinha lhes tinha oferecido, Branquinha nunca daria por ele.
Alfredo, filho? És tu? Eu já vou meu anjo. Não adormeças.
Anjo? Como é que aquela coisa enorme, possuída pela lascívia do diabo, podia falar em anjos? Anjo era a Mariazinha, a alminha pura e voadora que ainda chorava por ele enquanto aviava fitas de franzir, lá na retrosaria da praceta. A única rapariga da vila que não se importou que ele tivesse aquele arzinho enfezado por causa da diabetes.
Desgraçado do Alfredo, era sempre apanhado naquela parte dos guinchos do pau-santo da madrinha. Raios partissem a cama, os bilros, os guinchos, os lençóis de cetim e as obrigações conjugais.
Sim querida, sou eu. Não tenhas pressa.
E benzia-se.
Nunca deveria ter ido nas cantigas da mãe. O que é vais tu fazer no meio de botões, fitas de nastro e elástico para ceroulas? Tem mas é tino nessa cabeça e olha p’rá Branquinha da confeitaria, que não tira os olhos de ti. Tão jeitosa a rapariga, prolífera, alimentada, excelente doceira. E o pai dela tem mais pastelarias, não é só aquela. Eles têm encomendas de todo o país. Ele é trouxas-de-ovos, papos de anjo, brigadeiros, travesseiros, queques de frutos secos, mil-folhas, queijadinhas e até bombocas! Ali sim, tens futuro e uma prole de jeito. Uma prole, Alfredo!
Oh mãe, mas a minha diabetes com aqueles doces todos? Oh filho não comes, mas deixas comer.
E lá se rendeu ele às aproximações salivantes da Branquinha. E agora estava ali, no castigo de todas as noites. Castigo merecido, diga-se. Quem é que o mandou deixar sofrer a alma pura e cândida da Mariazinha?
O cheiro a perfume quente, era o primeiro aviso.
Lá vinha ela, à média luz, envolta em rendas e bordados castanhos escuros, fitas encarnadas e florinhas bordadas, chinelinha de quarto com pom-pom na ponta, de unha enorme e saliente colada ao dedo indicador, que o chamava de Fred. Fredizinhooooo, Fredizinhooooo, cu-cu, chegou a Bomboca para o seu Queque Gigante!
Oh minha Nossa Senhora. Hoje era a noite do Queque Gigante. Outra vez!
Oh filha, mas o Queque Gigante já foi na semana passada! Não preferes o jogo do Repasto da Aldeia ou aquele do Cabaz do Natal?
Não. Ela não preferia. O Queque Gigante era o seu jogo preferido. E era ela a Bomboca que mandava.
E pronto, lá se atirava para cima dele, não sem antes colocar em cima da cama o saco dos acessórios da doçaria afrodisíaca.
Pobre Alfredo, a Bomboca erótica e obscena, em menos de um instante tornava-o no queque mais peganhento e lustroso da vila.
Barrado com chocolate-creme de spray, qual cobertura de bolo de aniversário, enfeitado aqui e ali com pedacinhos de nozes, salpicado de confetis como os suspiros de padaria, minúsculos e coloridos e preenchido por uma espiral de caramelo Alsa, era envolvido, barrado e revirado naquelas mãos sapudas e enfeitiçadas desejosas do clímax final.
Depois do esmerado deco adaptado da melhor forma ao corpo do Alfredo, a Bomboca fogosa, passava ao limar de uma ou outra saliência angulosa. Nunca descurava dos pormenores.
Era o caramelo Alsa que lhe tinha escorregado para dentro do ouvido esquerdo e colado ao cabelo, o creme de chocolate que já começava a desfazer-se entre os dedos dos pés e se metia entre as unhas do dedo gordo, as pobres nozes, que aflitas com todo aquele horror, tentavam fugir para dentro das cascas partidas, ainda espalhadas pelo chão, os confetis coloridos começavam a desbotar no creme, tornando-o malhado de cores aguadas e fracas.
Bomboca precisava de se apressar para que a sua sobremesa não desfalecesse. Nada que uns borrifos de gelatina líquida não resolvessem. E voilá, só faltava abraçá-lo em papel-seda, de pregas finas.
Alfredo cada vez mais arruinado do destino que ele próprio escolhera, lembrava-se das palavras da mãe, oh filho não comes, mas deixas comer e aguardava nervoso e açucarado pelo final do banquete, pelo ponto alto do fetiche da Bomboca, pelo seu tão ansiado clímax.
Quando ela, com um sorriso de orelha a orelha, manuseava a cabeleira farta num gesto travesso e colocava com toda a firmeza e perícia de pasteleira-mestre que sempre fora, a ginja encarnada e gorda, na sua ponta.
Do Queque Gigante.
28 comentários:
Cu-cu? Cu-cum carago! Coitado do Alfredo...
Será que até a Mariazinha tem pena dele?
(gargalhada)
Oh Patti, conta-me, onde vais tu te inspirar em tamanha imaginação?
Pobre Alfredo, pobre queque gigante...
Ainda bem, que meu "Alfredo", não lê os teus textos, principalmente este...Porque, não sofre de diabetes e é tãaaaaaao guloso eheheheh
Beijo
Vizinhança:
Não me liguem, devo ter tido uma subida de açúcares ou coisa do género. Foi de ver a foto que escolhi.
Brilhante, simplesmente brilhante, vizinha.
E não venhas com a desculpa da fotografia.
Só não sei se Mr. Darcy vai neste número, mas enfim.
E agora pergunto eu:
Vais escrever os capítulos seguintes, claro.
O do Repasto da Aldeia e o do Cabaz de Natal.
Temo é que te fechem o blog, porque se mete a aldeia toda, tás ver, podem pensar que é um bacanal:)) e os Cabazes de Natal costumam ter chouriços.
PORTANTO, toma cuidado com as fotografias que escolhes.
Beijinhos e parabéns
Oh mulheri, tu andas de apetites?
Caiu que nem ginjas, não?
Isto ao pequeno-almoço, que só bebo leitinho ... ai, ai leitinho mas daquele do supermercado, porque se digo do pacote ainda pode ter conotações afro ...dizia-tas.
Beijos loira, assim apertadinhos, e aqui neste sítio.
Os queques gigantes estão à venda numa pastelaria na Morais Soares perto próximo da Praça do Chile - quem desce, no lado direito!
:-P
Quem escreve assim merece um docinho...
bjs
imaginacao boa essa hein mocinha?
ao olhar um doce escreve algo assim?
como pode?
tava pensando que era algo extraido de um livro.
Coitado do "Alfredo"..olha que o "..não comes , mas deixa comer..." não deve ser facil, deve dar cá uma fomeee.. :)
hahahaha,
Fizeste-me rir patti!
Mesmo engraçado!
Ainda me estou a rir coitado do homem!
Muito fixolas :-)
Um beijo,
Sony
Não sei se rio, não sei se choro pelo Alfredo, não sei se fujo com medo de engordar, não sei se tenho pena de quem lava estes lençóis que nem a Neoblanc deve resolver.
Ó Patti este Alfredo deve ter algum tio rico prestes a morrer e a Branquinha quer matá-lo e ficar com a herança toda pra ela. hehehe
beijos e há resposta lá em casa, com provocação. ahahaha
Para que a sua autora se possa lambuzar à vontade com os comentários, aconselho a leitura deste texto tal e qual como se saboreia um manjar divinal: sem pressas, mastigando cada imagem, salivando por mais um parágrafo e engolindo com um estalar de língua as saborosas frases...
Foi o que eu fiz, agora, à hora de almoço....que bem me soube!!
Ó senhora PrsidentA, isso não se faz ao Alfredo!
Fabuloso!
Parabéns, és uma boa ecsritora e tens uma imaginação brilhante. Esta ligação do Que Gigante com o Je T'Aime está soberba!
Aguça-nos a gula...
Beijos.
Bem Patti...deves mesmo estar com uma subida de açúcar! A música ajuda à imaginação da cena toda...e estou mesmos a imaginar a Branquinha toda enfeitada a sair da porta do WC, directa p'ro quartinho tipo suite,todo ocupado pela caminha indiscreta...
Ganda maluka!
Ó Alfredo pá, tu põe-te fino pá, foge-me dessa gulosa enquanto podes. Vês no que te meteste! Ouvi dizer que a Mariazinha ainda está com a fita métrica à tua espera. Ahhh... e não venhas prá'qui com essa conversa dela fazer de ti o seu manequim de provas, e de te vestir os vestidos de noiva e as saias rodadas, pá. É bem melhor pra ti que sejas um Gato Borralheiro do que um Queque Gigante. E tu controla-me essa diab... etes, pá.
Senhora Dona Patti no seu melhor! Há uma Casa dos Queques aqui na Parede com um empregado assim para o enfezado, acho que nunca mais vou conseguir olhar para ele da mesma maneira, se é que vou conseguir olhar e ficar séria! Tenho que saber se o homem é casado...
Foto muito alusiva ao tema!
Ainda bem que não tenho diabetes, pois até salivei com tanta iguaria, Alfredo à parte, claro! :-))
Abraço
Lol.... Tá bonito isto ...
Coisas Doces sem açúcar!.... Bolos, Tartes, Biscoitos e Bolachas, Mousses e Sorvetes…Compotas e Geleias...
Marmelada caseira...
É sempre dia de festa para o Alfredo....
beijinhos das nuvens
AHAHAHAHAHA
Linnnnnndo! Por isso tavas tão animada ontem...lol
Consegui visualizar tudo...tadinho do Alfredo!!!
Beijossss
Não sei se o Alfredo gozou tanto como nós ao ler esta prosa erótica maravilhosa.
Mesmo não tendo comido, ao ler tudo isto, engordei pr'aí uns kilinhos...
Fónix!!!!
Boa! Pobre Alfredo!
Muito bem escrito.
Até fquei nauseada!
Beijo
em azul
Fantástico desvario, Patti! Adorei a orgia gastronómica.
Este leio depois com mais calma...ainda não almocei!!
rendi-me!
confesso que à medida que ia lendo este texto ia-me entranhando cada vez mais nas palavras...
Caramba, até fiquei enjoada de imaginar o desgraçado do Alfredo a ser devorado pela mastronça da Barnquinha...
Jokas
O Alfredo bem se encolhia
lá num canto do seu leito
mas ela que era atrevida
levava tudo a peito!
Ficava coberto de nozes,
chocolate e caramelo...
Oh Alfredo salta daí!
Não te armes em camelo...
Fátima:
És a maior! A Branquinha quer conhecer-te, para lhe dares umas dicas de rimas para ver se espevita o seu Alfredo.
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