Gostaria de deixar aqui bem claro, que não entendo o convite para a minha participação nesta Crónica de Graça, apesar de muito me honrar, mas cá vai a minha opinião.
Toda a gente aqui do bairro sabe, que sou uma mulher recatada, de poucas confianças e que não gosto de me meter na vida de ninguém. A minha existência não tem segredos: casa, mercearia, padaria, praça, igreja, jardim da Graça, 28 para a baixa e casa outra vez. Claro, que agora ando de namoro pegado com o Xavier do talho, mas é uma coisa muito séria, à moda de outros tempos. Namoro recatado, um compromisso sincero a pensar no futuro, encontros decentes, distantes o quanto baste e conversas como deve ser. Eu não quero abrir a boca, valha-me Santa Luzia, mas não sou como umas e outras que vejo por aí, sempre atracadas ao pescoço dos homens, que não os deixam respirar, vestidas de forma indecente, com roupa desonesta que revelam tudo ao bairro. Só ao bairro não, ao mundo! Que os motoristas daquelas camionetas todas que param aqui no miradouro, cheias de turistas esbranquiçados, bem que ficam de olhinho arregalado à coca das carnes rechonchudas, que saem debaixo daquelas vestimentas indecorosas. E elas gostam, as desavergonhadas, que eu bem as vejo lá da minha varanda, a rodopiarem pelos passeios e a roçarem-se no muros, lânguidas como gelados de caramelo a escorrer pelos cones de baunilha.
E as mães delas? Pior do que as filhas, só vos digo. Eu é que não gosto de falar de ninguém, até porque pelas costas dos outros se vêem as nossas, mas é que o raça das mulheres não me saem do parapeito das varandas todo o santo dia, no leva e traz, leva e traz, leva e traz. Caramba, até paninhos almofadados elas fizeram e colocaram no varandim, para não magoarem os refegos dos braços gordos e peludos, enquanto metem o bedelho na vida do bairro todo. Línguas de trapo, é o que é. Melhor faziam elas, aquelas aguilhões de lacrau, se fossem dar conta da barrela da casa, limpar os centímetros de pó de cima das camilhas, sacudir os naperons, arredar móveis e aspirar o cotão que cresce junto aos rodapés, arranhar a gordura da chaminé, arear os tachos e separar o gorgulho do arroz e do feijão catarino.
E isto, ainda não é nada. Eu é que sou mulher de não fazer alardes, escuto o que elas falam de umas varandas para as outras, enquanto rego as minhas plantas e dou de comer ao canário, mas nunca alvitro nada, nem sequer dou conversa. Isso queriam elas, as aleivosas.
E quando as comadres se resolvem encanitar umas com as outras? É que nem queiram saber. Aquilo é um lavar de roupa suja, um desce escada, sobe escada, um abre a janela, fecha a janela, um entra e sai das casas uma das outras, que eu nem sei como é que aquela gente dá conta de tanta bisbilhotice. Eu cá baralhava-me toda. A mim é que nunca me deu para ser quadrilheirona, mas se eu vos contasse as coisas que tenho ouvisto...
Bom, a Odete da peixaria é uma aldrabona de primeira linha. Na bancada só tem pescada de três dias que diz ter chegado agora da lota, e já o peixe está mais do que falecido e ainda ela apregoa feito varina, oh fregueeeeeesa, venha cá que é fresquinho! O Onofre, o padeiro que andou enamorado da minha pessoa como muito bem sabem, rouba no fermento e no açúcar das delícias folhadas, que eu quando o visitava de madrugada na ideia de trazer o primeiro cacete do dia, bem me apercebi da marosca. A Lurdinhas da mercearia é outra, tem sido sempre tão boa rapariga e até me ensinou estrangeiro e tudo, mas agora descobri que é uma grande lambisgóia. Então não se atraca a tudo o que é homem das entregas das paletes? Quer sejam elas de leite, de cerveja, de água com gás ou de saquetas de chá verde. Vai tudo a eito e depois queixa-se que é muito doente, que lhe sobem os calores, e que anda com os triglicerinos no máximo.
Eu é que estou sempre metida em casa, na minha lida e não me meto com a vida de ninguém, mas ainda assim, o mulherio morre de inveja de mim. Dizem que eu, Amelinha Santos de Jesus, uma santa e virtuosa temente a Deus, que até à missa ainda vou de véu, que jamais na minha vida usei um biquíni e que nunca vi nenhum homem de roupa interior, nem o meu Alfredo que já partiu, sou mas é uma grande interesseirona, que catrapisco todos os homens com estabelecimentos do bairro e - ouçam lá bem - que só ando de namoro pegado com o Xavier talhante, porque quero é saber dos lucros das febras e do entrecosto.
Eu, que até vegetarôna sou!
Ass: Amelinha
E o senhor CBO, diga-me lá o que é que pensa disto tudo. É jornalista não é...?
14 comentários:
É só "códrilhices".
Ainda há as "códrilheiras" do Jet 7. Essas, então, é mesmo de fugir.
Acho que revi tal e qual o bairro onde eu moro, onde elas estão sempre a par de tudo! bjs
Ó'mélinha crida, rainha das tricas e futricas, pureza de pensamento, que só quer o bem estar de toda a vizinhança, este blogobairro sem si não seria o mesmo.
Pois, pois, Amelinha, quem não te conhecer que te compre, como dizia o outro. Ainda me hás-de explicar se foste convidada ou te fizeste convidada. Ou julgas que eu não sei que és uma metediça?
Sim, é verdade que sou jornalista, mas não da nova vaga. Fica sabendo que ainda há por aí muito bom jornalista,que conhece e respeita as regras do jornalismo. O problema é que não são muito bem vistos pelos donos das empresas de comunicação social. Pois, mas sobre isso já falei há dias lá no meu Rochedo, lugar que te aconselho a visitar sempre que vires a Brites à janela. Vocês devem dar-se bem, Amelinha!
Olha, tem um bom fds e deixa de te fazer esquisita com o Onofre, óbiste?
Ò Amelinha continue assim recatada, sem se meter em bisbilhotices, que assim é que a gente gosta! :))
( bom fds Patti)
Ó Amelinha minha "qrida" que tanta falta fazias aqui! É que há quem precise ler alertado destas faladeiras dos braços roliços e peludos! Já nem se pode ir à padaria de madrugada à espera do primeiro cacete do dia e cai-se logo na boca dessas imbejosas, mulher!
Acusar a ti, mulher que sequer viu o Alfredo despido, de andar a medir o entrecosto do Xavier? Isto é boca que se mande?
Tens toda a razão em mandá-las limpar o cotão dos rodapés e até deviam lavar bem essas varandas que andam bonitas com tanto leva e traz, leva e traz, leva e traz.
Ó Amelinha, tu cuida-te filha ou ainda te deixam cair um jarro á cabeça quando passares.
Mas que injustiça cometem com a santa e doce Amelinha, que não fala mal de ninguém!... Que injustiça!
Abençoada Amelinha :)
é de morrer de r i r....
...
...
mto boa ideia essa de colocar os cotovelos numa almofada...
e almofadinhas de língua tb não era nada mau...
Espero que o Xavier te faça as almôndegas e as salsichas de carnes brancas...
BFS
Bjinhos
Só tenho pena de não ter tempo livre, Srª Dona Amélia, porque nem imagina o que vai aqui pelo Bairro Alto! Há aqui cada uma ainda pior do que as que a senhora menciona.Isto é por todo o lado, não há bairro que se safe! Mas talvez um dia vá aí tomar um chá para desabafar!
O que eu já me ri com a tua Amelinha querida Patty.
Se não foi com ela que já me cruzei várias vezes foi alguém da família dela pois os genes estão lá todos.
Abraços e um Bom FdS
Patti,
estas crónicas estão cada vez melhores.
Bjs
Uma belíssima crónica de costumes cheia de humor...e de verdades!
Abraço
Uma crónica muito expressiva, Patti: de graça, com graça e da Graça! :-)
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