segunda-feira, 19 de julho de 2010

'tou no ir ... de férias III


Oficialmente.

E há tanto, mas tanto para ver, fazer e descobrir, nestes dias compridos...
Um excelente descanso para todos e até...talvez Setembro.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

crónicas de graça #15


A Escrita

Não nos conhecíamos. Não tínhamos sido apresentados. Não havia amigos em comum. Afinidades. Parecenças. Uma coisa nos uniu: a escrita.
Grande parte de nós não se conhece pessoalmente, não se viu nem por fotografia, nunca se ouviu, trocou um simples mail ou conversou num chat. E as probabilidades disso acontecer, são na maioria dos casos muito reduzidas. Só temos isto, encontrarmo-nos todos os dias aqui pelo prazer da escrita. Para onde ela nos lança, o que nos causa, o que nos concede, como nos enlaça, e estende, e prolonga, e vicia.
Podemos chamar a isto uma relação? Julgo que sim. Ou melhor, tenho a certeza que sim. Relação, ligação, amizade, convivência, envolvimento, compromisso, união, vínculo. O que quiserem.
Esta crónica já tinha o seu título definido há algum tempo, entre mim e ele. Mas talvez porque os blogs andam mais calmos, senão inactivos - muitos deles desaparecidos - o clima dá preguiça, o cansaço também urge, e o facebook é rival de peso, surgiriam temas mais meditativos como este: a razão porque se escreve. De uns tempo para cá, tenho lido muitos posts sobre escrita, a acto de escrever, as dificuldades que ela traz, o gozo que dá, como nos revolve, o pavor da página em branco, o sumiço da inspiração, a dependência diária de escrever pelo menos duas linhas, o tormento, a revelação. 
Para mim ela é uma descoberta ainda fresca, que me veio desordenar o caminho, mas de uma forma sã. É uma experiência de vasculho, amotinações e remexidas, donde tenho saído sempre ilesa. Para uns a escrita é sofredora, dor interior, angústia companheira e mesmo assim, enlace indissolúvel e perpétuo. Não é o meu caso. Sim, já demos também o nó - e espero que vitalício - mas talvez porque ainda ando a buscar saber no berço das palavras,  a testar o resultado das minhas tentativas e provas na escrita, dela só tenho adquirido exultação. E festa, porque ao mesmo tempo, como digo ali na coluna da direita, estou mais tempo comigo. E gosto.
Ah, mas é difícil escrever. Muito difícil. Porque as palavras já foram todas inventadas, como ligá-las  sem mácula é que ainda não. E só por isso é melhor.


É ao meu querido parceiro, a quem eu devo a existência destas cónicas, que durante meses me deram muito trabalho, apego, satisfação, consolo, descoberta e sobretudo muita amizade e estima por um desconhecido, que um dia me fez este agradabilíssimo e inesperado convite. Tem sido um prazer, Carlos. Sem expectativas goradas, pelo contrário, reafirmação na minha crença muito pessoal, de que ainda se pode confiar, esperar e acreditar nos outros.
Hoje escreve-se o fim destas crónicas, porque tudo tem o seu desfecho. Escreveram-se trinta. Outras  tantas ficaram por contar, pensamentos por revelar, reflexões por anunciar, opiniões por esclarecer.
Talvez voltem. Noutro formato. Aqui nunca se sabe, porque no blogobairro vive-se dela, da escrita.

E do seu Rochedo, Carlos, o que se escreve? 

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sábado, 10 de julho de 2010

já estão perto


E com as férias aí muito próximas, vou-me eu afastando pouco a pouco do computador, dos mails, da net, dos blogs. Cada vez mais o virtual deixa de fazer sentido, nesta época de céu sempre limpo.
Despeço-me nesta sexta, com a habitual Crónica de Graça.
Tanta, mas tanta coisa lá fora para ver e fazer...

sexta-feira, 2 de julho de 2010

crónicas de graça #14

O Descanso

O primeiro sinal que me diz que estou a precisar dele, do dito descanso, é quando fico sem vontade nenhuma de entrar na cozinha e pôr-me ao fogão. Não me apetece fazer nem o almoço, nem o jantar, nem doces, nem nada. Logo eu, que adoro cozinhar. Está o caldo entornado, é o descanso que já tarda. 
Depois vêm os outros sintomas: nas minhas muitas voltas diárias, às vezes fico parada a pensar onde é que ia, coloco um pacote de leite vazio dentro do frigorífico, olho para o elevador e  por telepatia ordeno-lhe que desça e, por fim,  tento abrir a porta de casa com o comando do carro.
Férias. Estou a precisar de férias. Daquelas longas, com três semanas seguidas no mínimo, onde abundam esplanadas com música calma de fundo, espreguiçadeiras, sombras e brisas, sol da manhã, nada de horários, muita leitura e i-pod e não fazer simplesmente nada. Nada de nada. Só olhar os que passam, sem nenhuma coisa em que pensar. 
É o sossego, pouca gente, silêncio e acalmia o que se quer. Não à barafunda, aos magotes de veraneantes, filas e excitações solares. 
Isto na primeira semana, porque nas seguintes já se me arrebita a vontade dos passeios, de ir saber de outras praias, outras terras, gentes e comeres. Digo eu, que muita lazeira pegada também farta. Essa fica para aqueles fins-de-semana grandes, que se pegam a uma sexta ou a uma segunda, em que só apetece o papo para o ar, arrastar o corpo calão até à beira da piscina, e ficar por ali alapada ao sol e ver a relva a crescer.
 
  

Nas férias grandes, basta-me então a primeira semana de preguiça. Era mais a cabeça, do que o corpo, que me pedia paz e quietação. Precisava que eu arquivasse ficheiros antigos, que ordenasse outros e que colocasse na lista de prioridades aqueles mais esquecidos. 
Feito isto, vem ele pedir-me actividade. Entenda-se: movimento, pequenas jornadas, expedições, encontros, passeios e cruzadas gastronómicas. Corridas na areia, raquetes de madeira, sair do sol lá pelas oito, puxar-lhe os raios até às nove, entardecer no bar da praia com música ao vivo e caipirar ou sangrar em branco muito fresco, chinelar pelo deck e arrastar saias compridas por cima de biquínis molhados. 
É que a cabeça não sabe, mas quando o corpo se anima é ela que descansa. 

E com o meu querido parceiro, como vai isso de repouso?
 
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quarta-feira, 30 de junho de 2010

segunda-feira, 28 de junho de 2010

dúvidas


A inspiração existe? 
(Tenho para mim que poucas vezes...)
E o que é? 

quinta-feira, 24 de junho de 2010

[15] bom fim de semana


Há livros que se agradecem. 
Por nos mostrarem que o difícil engenho da escrita, pode parecer tão fácil.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

metáforas

 
Livro: folhas, papel, maço, folhoso, encadernação, viagem, sonho, companhia, meditação, descoberta, desafio, encontro, luz, mundo, insónia, silêncio, recordação, gozo, obra, branco, livraria, estante, ideia, mundo, fantasia, comoção, vida, devaneio, colisão, centro, acalmia, perdição, despertar, música, fantasma, brilho, escalar, aberto, inspiração, tempo, saída, fuga, razão, provocar, memória ...

E fica assim:

Livro: Viagem folhosa; encontro de papel; maço de silêncio; vida de insónia; companhia de fuga...
 
E agora vocês...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

folhear


Noutro dia pediram-me para que respondesse sem pensar, assim de um golpe só, qual era o meu maior prazer. Aquele que eu não podia viver sem. E eu, que gostava de ter sido um dia cantora, respondi a música.
Acompanho música com tudo. No paredão, a guiar, a conversar, no despertador a acordar, a comer, no blog, a esplanar, a trabalhar, de fundo durante uma reunião, a cozinhar, nos passeios fotográficos.
E a escrever então, é essencial. Basilar. Sustentáculo.
Mas a ler não.

A ler não há mais nada. Não preciso.
Sem ler não dá para ser.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

frialdade fora de época


Quando é que param este frio e este vento, para eu pôr os meus vestidos?

quarta-feira, 16 de junho de 2010

grande, grande,


... e querida Rita! Tu mesma!
Como eu gosto de linkar assim...

Ide todos ler.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

meu o início, vosso o final #3


Vai já para uma semana que o vizinho lhe perturba as noites, com as suas intermináveis horas ao piano. Nunca o viu, sabe que é músico e que se mudou para a casa amarela há pouco tempo. Foi a primeira coisa que lhe disseram na vila, quando Maria regressou à sua casa de infância.
Durante o dia ninguém o vê. Trazem-lhe da mercearia as encomendas que ele deixa escritas numa lista, presa numa pedra junto ao portão da casa.
Quando se recolhe no banco de pedra, debaixo do manto de glicínias lilases, Maria espreita a casa amarela por entre a vinha, na esperança curiosa de vislumbrar alguma coisa. Ou alguém.
Mas nada. Há um mês que ali se encontra em recuperação e do seu vizinho músico nem um sinal.
Só notas incómodas de um piano nocturno, que lhe rouba horas de sono.


...e agora, leitores do meu blogobairro, continuam vocês a história. Aqui ou no vosso blog.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

crónicas de graça #13


Mundial de Futebol
- os dramas de uma mulher -

O pior mesmo, é quando ele arrota de satisfação no fim do jogo da nossa selecção. Isto quando ela ganha, pois se perde é um soltar de palavrões, que nem vos digo nem vos conto. A sonoridade gutural que vem das profundezas do peito do meu Adérito, assemelha-se ao júbilo feito por uma manada de elefantes, quando encontra um charco perdido no meio da savana.
O velho cadeirão de orelhas estremece o casco, as paredes abrem novas rachas no estuque, o gato desaparece durante dois dias, nos meus ouvidos há um eco infinito e se tenho o azar de estar a pintar as unhas dos pés, nasce-me uma obra abstracta que vai desde o dedo grande ao calcanhar.
Eu sou daquelas que rogo a todos os santinhos do desporto, para que não andemos nunca metidos em mundiais e europeus. A minha vida vira um inferno, ainda ninguém sabia se íamos ou não jogar lá nas áfricas, já a minha rica moradia se encontrava enfeitada de cima a baixo de bandeiras verdes e encarnadas; a fonte de pedra colocada no meio do jardim, com um menino a deitar água pelo cântaro, foi o Adérito substituí-la por uma imagem do Cristiano Ronaldo, esculpida numa daquelas poses que o rapaz faz, com a bola equilibrada na cabeça; a colunata com alcachofras que ladeiram o portão, foram mudadas para bustos do senhor Queiroz; no azulejo por cima do alpendre, pintado com a Senhora de Fátima, vai ele e manda desenhar um par de vuvuzelas entrelaçadas - só dessas malditas cornetas zulu, já cá tenho oito - e como se não bastasse, encarregou-me de bordar os nomes dos onze jogadores, numas camisolas de alças que ele comprou à Alcina, a cigana da feira cá da freguesia. É que vocês não estão bem a ver, aqueles homens todos, gordos e peludos, de camisolinha de alças, a chorar, aos abraços e encontrões, pois não?
Anda-me desarvorado, o homem.
-Oh melhér, eu não tenho cá tempo para logísticas, trata tu das comezainas e da beberagem, por favor. Tenho programas muito interessantes, para assistir sobre o mundial na televisão, que servem para um gajo se preparar em condições para o campeonato. Ainda para mais, são todos muito diferentes uns dos outros, com comentadores eruditos, de visões futuristas, intelectuais até! E os jornais que tenho de ler? Notícias espantosas, originais, sem especulações, nem mentiras e boatos. É assim que um gajo se cultiva, oh Brucelina. Nos dias em que joga a nossa selecção, devia ser feriado nacional!
E pronto, a conversa não passa disto: que ler a Bola é ter interesses literários; que se o povo gosta é disto, então é só disto que lhe devemos dar, quais livros, teatro e cinema, qual carapuça; que o futebol devia ser disciplina obrigatória nas escolas; que se deve impingir nos nossos filhos mal nasçam, que quais cursos quais quê, há que estar mas é de olho nos carrões, nos brincos reluzentes e nas loiraças dos rapazes do futebol.


Em dia de jogo, coitadinha de mim, nem quatro horinhas durmo eu seguidas. Há festa da grossa aqui na moradia, pois abancam cá os amigalhaços do Adérito, e quem arca com tudo, é aqui a Brucelina d'Ascenção Peixoto. Essa é que é essa, meus amigos!
No gravador da sala, já lá grita vai para uma semana, o hino nacional, cantado pelo coro aqui da junta; em fila indiana, na arca frigorífica já eu alinhei e aconcheguei, para cima de uma meia dúzia de grades de cerveja; cozi pela madrugada duas tachadas de caracóis, com nacos de toucinho; encomendei um alguidar de tremoço gordo; salguei de véspera dezenas de couratos, febras e costeletas do lombo, para os maganões parceiros do Adérito.
E se nós perdermos? Eu rezo de novo a todos os santinhos, mas desta vez aos das colectividades desportivas, que me acudam. Há lá coisa pior de aturar, do que homens trombudos e descompensados com dissertações futebolísticas, discussões de pedibola e polémicas do
balípodo?
Minutos antes, aquele jogador era o melhor da equipa, agora é a pior porcaria que já alguma vez pôs os pés no esférico, o não sei quantos é que devia ter sido seleccionado para guarda-redes, mas agora este, que defendeu dois penalties, é o magnata das redes, o treinador não pesca nada do assunto, mas como ganhou hoje, já é o rei dos relvados, o presidente da federação só lá está porque quer viagens e tacho, mas como ficamos nos primeiros lugares, é um homem trabalhador e honrado, a nossa participação nestes campeonatos dá nome à nação, mas se vimos de lá sem glória, só servimos para gastar o dinheiro dos contribuintes e cooperar para a falência da pátria mãe. Livra, gentinha esta que não sabe o que quer!
Mas o meu Adérito diz que não é nada disso, sou eu que ouço coisas e que não entendo nada de cultura, que não tenho noção do que falo.
O que eu sei, é que até gosto que os rapazes joguem bem e venham de lá satisfeitos, isso sim. Mas chega e basta.
Agora torcer, torcer, com os salários que eles ganham, com os prémios que recebem, com os contratos aos champôs linic e outros que tais, e com a trabalheira que eu aqui vou ter por causa deles, eles que torçam mas é por mim:
Brucelina d'Ascenção Peixoto!

E o meu querido parceiro, conhece algum outro género de apreciador?

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quarta-feira, 9 de junho de 2010

uma receita


Agora de volta ao forno e aos seus suspiros cor-de-rosa, e enquanto juntava uma pitada de sal às claras frescas, que ia batendo em castelo bem firme, Pimpinella meditava sobre a perspectiva de poder abraçar aquela oportunidade. Ser doceira numa pastelaria arrojada, de renome internacional. E fugir ao seu pardo dia-a-dia.
A sensação de que deveria aceitar aquele convite, tornou-se ainda mais forte, quando juntou o brilho do açúcar às claras e teve de as bater sofregamente.
Até se encheu de calores. Parecia que a receita crescia em seu favor, fermentando esta sua nova vontade.
E o aspecto do creme? Magnífico se tornava a cada gesto. Principalmente, depois de Pimpinella lhe ter juntado a gelatina de morango.
Mas foi no momento em que as claras se tornaram altas e duras, ocasião indicada para lhes verter o sumo de um limão, que uma gota lhe fugiu do fruto e lhe arrepiou um pequeno arranhão que tinha na mão. O ácido fê-la atirar um grito pelo ardor, e ao invés de se refugiar no sofrimento, o intenso queimor acometeu Pimpenella de um daqueles desejos fortes, quase físicos, que não reconhecem barreiras. Só metas.
Por altura de encher o saco de pasteleiro e moldar os suspiros, sobre um tabuleiro forrado a papel vegetal e o meter no forno, já Pimpinella, num instante de irrevogável verdade, ganhara todas as certezas do mundo.
Iria mudar de vida e começar a trabalhar na célebre doçaria.

Não querem passar?

segunda-feira, 7 de junho de 2010

guilty pleasure III

Olá, o meu nome é Patti e não fumo há três anos.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

são só uns diazinhos...


Vou andar ocupada por estes dias.
Experiências...

Uma boa semana para o meu blogobairro querido!

sexta-feira, 28 de maio de 2010

crónicas de graça #12

Comadres e Bisbilhotices

Gostaria de deixar aqui bem claro, que não entendo o convite para a minha participação nesta Crónica de Graça, apesar de muito me honrar, m
as cá vai a minha opinião.
Toda a gente aqui do bairro sabe, que sou uma mulher recatada, de poucas confianças e que não gosto de me meter na vida de ninguém. A minha existência não tem segredos: casa, mercearia, padaria, praça, igreja, jardim da Graça, 28 para a baixa e casa outra vez. Claro, que agora ando de namoro pegado com o Xavier do talho, mas é uma coisa muito séria, à moda de outros tempos. Namoro recatado, um compromisso sincero a pensar no futuro, encontros decentes, distantes o quanto baste e conversas como deve ser. Eu não quero abrir a boca, valha-me Santa Luzia, mas não sou como umas e outras que vejo por aí, sempre atracadas ao pescoço dos homens, que não os deixam respirar, vestidas de forma indecente, com roupa desonesta que revelam tudo ao bairro. Só ao bairro não, ao mundo! Que os motoristas daquelas camionetas todas que param aqui no miradouro, cheias de turistas esbranquiçados, bem que ficam de olhinho arregalado à coca das carnes rechonchudas, que saem debaixo daquelas vestimentas indecorosas. E elas gostam, as desavergonhadas, que eu bem as vejo lá da minha varanda, a rodopiarem pelos passeios e a roçarem-se no muros, lânguidas como gelados de caramelo a escorrer pelos cones de baunilha.
E as mães delas? Pior do que as filhas, só vos digo. Eu é que não gosto de falar de ninguém, até porque pelas costas dos outros se vêem as nossas, mas é que o raça das mulheres não me saem do parapeito das varandas todo o santo dia, no leva e traz, leva e traz, leva e traz. Caramba, até paninhos almofadados elas fizeram e colocaram no varandim, para não magoarem os refegos dos braços gordos e peludos, enquanto metem o bedelho na vida do bairro todo. Línguas de trapo, é o que é. Melhor faziam elas, aquelas aguilhões de lacrau, se fossem dar conta da barrela da casa, limpar os centímetros de pó de cima das camilhas, sacudir os naperons, arredar móveis e aspirar o cotão que cresce junto aos rodapés, arranhar a gordura da chaminé, arear os tachos e separar o gorgulho do arroz e do feijão catarino.

bairro da Graça, foto minha

E isto, ainda não é nada. Eu é que sou mulher de não fazer alardes, escuto o que elas falam de umas varandas para as outras, enquanto rego as minhas plantas e dou de comer ao canário, mas nunca alvitro nada, nem sequer dou conversa. Isso queriam elas, as aleivosas.

E quando as comadres se resolvem encanitar umas com as outras? É que nem queiram saber. Aquilo é um lavar de roupa suja, um desce escada, sobe escada, um abre a janela, fecha a janela, um entra e sai das casas uma das outras, que eu nem sei como é que aquela gente dá conta de tanta bisbilhotice. Eu cá baralhava-me toda. A mim é que nunca me deu para ser quadrilheirona, mas se eu vos contasse as coisas que tenho ouvisto...
Bom, a Odete da peixaria é uma aldrabona de primeira linha. Na bancada só tem pescada de três dias que diz ter chegado agora da lota, e já o peixe está mais do que falecido e ainda ela apregoa feito varina, oh fregueeeeeesa, venha cá que é fresquinho! O Onofre, o padeiro que andou enamorado da minha pessoa como muito bem sabem, rouba no fermento e no açúcar das delícias folhadas, que eu quando o visitava de madrugada na ideia de trazer o primeiro cacete do dia, bem me apercebi da marosca. A Lurdinhas da mercearia é outra, tem sido sempre tão boa rapariga e até me ensinou estrangeiro e tudo, mas agora descobri que é uma grande lambisgóia. Então não se atraca a tudo o que é homem das entregas das paletes? Quer sejam elas de leite, de cerveja, de água com gás ou de saquetas de chá verde. Vai tudo a eito e depois queixa-se que é muito doente, que lhe sobem os calores, e que anda com os triglicerinos no máximo.
Eu é que estou sempre metida em casa, na minha lida e não me meto com a vida de ninguém, mas ainda assim, o mulherio morre de inveja de mim. Dizem que eu, Amelinha Santos de Jesus, uma santa e virtuosa temente a Deus, que até à missa ainda vou de véu, que jamais na minha vida usei um biquíni e que nunca vi nenhum homem de roupa interior, nem o meu Alfredo que já partiu, sou mas é
uma grande interesseirona, que catrapisco todos os homens com estabelecimentos do bairro e - ouçam lá bem - que só ando de namoro pegado com o Xavier talhante, porque quero é saber dos lucros das febras e do entrecosto.
Eu, que até vegetarôna sou!
Ass: Amelinha


E o senhor CBO, diga-me lá o que é que pensa disto tudo. É jornalista não é...?


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quinta-feira, 27 de maio de 2010

quando a hora avança II


Noctívago atraía a si todo o tipo de noites: as escuras de segredos calados, as estreladas de juras íntimas, as de lua cheia e lobisomens, as longas de inverno e as frescas de primavera. Dependendo do grau de escuridão, Noctívago vagueava seguro entre a insónia e o sonambulismo, encoberto do risco da luz.
A si vinham sem receio das revelações do clarão, as trevas rasteiras, o piar dos mochos, as almas sem cama e sem sonho, os vaga-lumes, o ciciar dos grilos, os poetas sofredores.
Mas uma noite houve, em que Noctívago esquecendo-se de ler a história para adormecer antes que fosse dia, amanheceu sem que desse por isso.
Sentiu-se perdido, cego. Não conhecia nada do que via à luz. Aterrorizou-se.
Nisto, efervescendo das últimas sombras de noite, rasgava-se do fundo da terra um estado de incandescência fantasma de que a lua já lhe havia falado. Uma tal de estrela amarela que por meio do seu poder luminoso, desvendava sem permissão a segurança da escuridão de Noctívago, expondo à luz do dia os seus becos e segredos mais opacos.

terça-feira, 25 de maio de 2010

junta de freguesia do blogobairro #4


Hoje é o Dia Europeu do Vizinho. E nós, vizinhança virtual, também comemoramos.
E mais, com os poderes que aufiro, estendo esta celebração aos inquilinos que moram no continente do outro lado do oceano.

Um bom dia para todo o meu Blogobairro querido!

Ass: a PresidentA

segunda-feira, 24 de maio de 2010

a senhora ...


... que toma conta das casas-de-banho do paredão, onde eu faço os meus quilómetros matinais, colocou debaixo do chafariz uma taça com água para os cães que por ali se passeiam. Os de trela e os outros, que eu já vi. E alerta os donos para tal.
Pequenas coisas, que tornam as pessoas maiores.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

vírus* num blog sério e familiar #12



Bom fim-de-semana!
(Não se esqueçam, façam uma pausa no expediente).


* quem é que não se lembra disto?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

corredor

Como todos os que conheço, aquele era um corredor esquecido e desprezado, por quem habitava o velho andar da Sidónio Pais.
Tomado unicamente por um local de passagem, de acesso às outras divisões, era desprovido de qualquer tipo de interesse. A excepção era feita por antigas molduras, que revelavam fotografias de antepassados, exibindo nelas trajes de folhos, largos chapéus, cartolas luzidias, fardas militares, bigodaças farfalhudas e espampanantes penteados, armados em cima de pescoços enforcados em intermináveis fiadas de pérolas brancas ou laços de borboleta.
A pouca atenção dada ao corredor, seguia com a fraca escolha de luz, tornando tudo ainda mais taciturno.
No escuro da noite, ou mesmo na melancolia que é aquele período da tarde que nos empurra à sesta, os antepassados encaixilhados nas paredes, encetavam velhas quezílias familiares. Confrontavam-se entre si e discutiam o património mal dividido, heranças, partilhas, casamentos, adultérios, crimes, segredos e mistérios, apelidos familiares e outras tantas questões pertencentes a um pretérito muito antigo.
O peso das sombras, a presença de espíritos diáfanos, a solidão de um corredor sem vida e talvez também a solidão de quem o percorria todos os dias, enchia de um vazio cinzento, o velho andar da Sidónio Pais.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

parece ...

meia-praia, foto minha
... que ele não tarda.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

crónicas de graça #11

Feiras e Mercados

E quem já partilha esta vizinhança há algum tempo, bem sabe da minha perdição por estes ambientes.
Multidões assim não me incomodam. Não me perturbam os encontrões cheios de sacos de compras, seiras de vime, alcofas de junco, cabazes e cestos de verga. Sofro de imunidade aos pregões gritados, às discussões dos fregueses, ao barafusto das vendas.
Sou de pormenores, e aqui, apaixono-me logo pelo burburinho, o cheiro, a correria, as vozes altas, as folhas que a fruta ainda traz presa, a terra nas batatas, o preto das amoras, os vincos das sacas de serapilheira. Maços de notas que se folheiam em mãos enrugadas, a caixinha dos trocos, o calejo de dedos que apalpam a melhor fruta, os peganhentos frascos do doce de tomate, os ovos caseiros ainda de penas agarradas, extirpadas ao esforço da vítima.
E chamam-nos de freguesa, de menina, e de meu amor diga lá o que deseja.
Em Lagos, onde paro algumas vezes durante o ano, o mercado dos sábados é irresistível. Muito rústico, genuíno, mas onde os estrangeiros adeptos da agricultura biológica, se misturam - e bem - entre os agricultores de outros tempos e lhes dá uma riqueza especial.
E depois é vê-los, aos sabonetes de alecrim da holandesa ruiva e de piercing no umbigo, junto do queijo de figo da avó, coberta com um lenço de flanela de ramagens sombrias; legumes de nome impronunciável, plantados pela família
Sherard, a par da alfarroba do monte do tio Malaquias; gaiolas de patinhos amarelos da menina Laura, que bicam saquinhos com chás zen, daquela alemã alta como um poste. Saias hippies, coloridas, compridas e rodadas sobre sandálias de couro, encarando socas de madeira, botas de borracha, saias de fazenda e meias grossas de tons pardos sem brilho.

mercado de lagos, foto minha

E o melhor de tudo nos mercados e nas feiras, é que há qualquer coisa de passado abençoado, de memória feliz que não desarma, uma nítida presença de pessoas que já não estão connosco, mas que habitam estes locais.
Parece que andam por ali nas compras, junto a nós, dizendo para termos cuidado, pois a batata ainda não é nova, que o cebolinho quer-se fininho e rijo, as cerejas escuras, as castanhas grandes e lisas, os pintos amarelos, os coelhos mansos, o pão mal cozido, o queijo luzidio embrulhado em papel pardo, e que a fava rica se pesa ao litro.

Apertam os nossos dedos; mãos de avós permanentemente eternos, que nos levam a ver com orgulho em bancadas improvisadas, o desfile de presentes que a terra deu.
Mãos quentes. Sempre quentes.


E por esse mundo fora, meu querido parceiro? Conte-me tudo.


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terça-feira, 11 de maio de 2010

quando a hora avança I

Há qualquer coisa de presença mansa, mas ao mesmo tempo inquietante, surgida no Verão com a mudança dos ponteiros.
Perdemos uma hora por meio de uma soberana entidade, que sem aviso, aniquila instantes à vida que corre.
Acontece que nesse furo do tempo, há um bebé que já não nasce, um amor que jamais se apaixonará, um encontro protelado, um ilustre feito por realizar, um poema por escrever.
É uma essência madrugadora, com corpo de luz que tarda em ser noite, disfarçada de perfume do mar das férias; uma espécie de estação fantasiosa, saqueadora de um tempo que não lhe pertence.
Diz quem sabe, que é essa entidade que habita a fonte da juventude; fabuladora da idade.
Despojadora estival de um interminável número de badaladas, usurpadas pela noite a todos nós, quando a hora avança no tempo quente.
Deram-lhe o nome de eternidade.

domingo, 9 de maio de 2010

sexta-feira, 7 de maio de 2010

vírus* num blog sério e familiar #11

nacho figueras

Bom fim-de-semana!
(Segurem as rédeas, meninas e apertem os freios!)

* diz que perfuma a cavalo e tudo ...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

mais do sol

marina oeiras

Há qualquer coisa de aberrante no comportamento dos homens, quando após um longo Inverno o sol sai à rua.
Nessas alturas é que reparamos, o quanto os restantes animais do planeta, são tão ou mais civilizados do que nós, a suposta espécie racional.
Assim, o coelho espreita desconfiado pelo buraco da toca; primeiro o nariz a tremer, depois os bigodes, os olhos à coca do inimigo e finalmente as orelhas. E volta para o seu ninho, não é cá doido de sair para o bosque todo lampeiro.
O urso por exemplo, limita-se a iniciar um longo espreguiçar, que dura para lá de uma semana. As andorinhas regressam pouco a pouco. As amendoeiras brotam um florir discreto. Outras árvores verdejam vagarosas. As brisas nascem suaves. O Homem ... bom, esse, meu querido blogobairro, é outra história que de contenção nada terá.
Já no ano passado, me apercebi do burlesco da situação e este ano o fenómeno repetiu-se.
A culpa foi minha, bem sei. Ninguém me manda esplanar a um domingo. Mas depois daquela chuvinha, nada fazia prever a marina invadida por ávida gente, despertada de um hibernanço forçado. Descurei e fui apanhada pelo magote dos inseguros do clima.
Este ano o tempo foi padrasto, é verdade, mas o espectáculo circense que se seguiu aos primeiros raios de sol, foi degradante.
Bom, esplanava eu sobre uma salada com todos, uma sangria branca e mais um livro, e eis que a maralha começa a surgir, naquela hora enervante, ali pelas três e meia quando todos os almoços com os sogros foram cumpridos.
Primeiro dei-me conta de um leve burburinho; talvez as ondas do mar, uma gaivota mais histérica, ou as crianças da escola de vela? Mas não. Nada disso.
Eram eles. A populaça desenfreada, que ainda sem ter tempo de pôr a arejar a roupa de Verão, marchava pelo deck da marina, exibindo botifarras com t-shirts, shorts e collants de vidro, as primeiras camisas de manga curta, horrendos casacos de cabedal ao ombro, mostrando peitos transpirados, pernas mal depiladas na correria do duche dessa manhã e guarda-chuva, não fosse o diabo ainda fazer das suas.
Mais pareciam terem atracado todos de um cargueiro, um bando de embarcados que não viam a mouraria havia muitas décadas.
Trincavam, mastigavam de boca aberta e sem pudores, os primeiros saquinhos de tremoços, amendoins e pevides do ano. As cascas? No chão, obviamente.
Cães de todas as raças pela trela. As bicicletas, as trotinetas, os skates, os patins e os triciclos. Os carrinhos de bebé, os carros telecomandados, as bolas de gelado esborrachadas no passeio, os gritos das crianças, o tráfego humano, o atropelo de gente excitada pelo sol. E eu.
Que fazer então, perante a ignomínia das gentes?
Já que a salada se me murchou de constrangimento e a sangria se evaporou com o escândalo, saquei do bloco de notas, ora bem.

terça-feira, 4 de maio de 2010

vou voltar


Aguardem só mais um dia.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

ainda um até já


Este blog entrou em pausa, entre outras coisas, para saborear um bom café.
Até daqui a uns tempos, meu blogobairro querido.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

crónicas de graça #10

Piquenique

Se há coisa de que eu tenho saudades, é dos piqueniques que se faziam noutros tempos. Tudo à volta deles era motivo de festa e alegria. Quem levava o frango assado, quem fazia os croquetes, quem comprava as batatas fritas, quem cozinhava os bolos e que bebidas levar. E as toalhas de xadrez, quantas eram precisas? A bola, as raquetes, o ringue, as cartas, o loto, as bicicletas, o disco.
Nós tínhamos daquelas cestas bonitas, com divisórias e correias de cabedal para prender os pratos, os talheres e o termo do café.
O local eleito era a sombra larga do pinhal. De preferência isolado, sem outros piqueniqueiros por perto. Gostávamos de fazer a nossa algazarra familiar em privado.
Também me lembro doutro tipo de piquenique: às escondidas dos pais. Eram geralmente feitos por volta da meia-noite, quando tínhamos amigas a dormir na nossa casa. O menu previamente combinado - muitos séculos antes do telemóvel - através de bilhetinhos na sala de aula, que fluíam de carteira em carteira. Pão de forma com manteiga de amendoim, chocolate branco, pastilhas gorila, petas-zetas efervescentes, gomas da heller, línguas de veado e bombocas. Tudo escondido debaixo da cama, era trazido para cima do edredon entre risadas e shius receosos de serem descobertos pelos adultos.
E os piqueniques dos escuteiros, das excursões do colégio, dos grupos de jovens, das saídas de fim-de-semana com os amigos...
Ainda piquenico de vez em quando. Mas nada como antes. As pessoas esqueceram-se de como é, ou então o conforto do restaurante é mais apetecível. Comodismo, falta de ideia, pouca paciência. Não sei. Mas tenho pena.

viana do castelo, foto minha

Há dois anos, quando estive nos cinco dias das assombrosas festas da N. Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, assisti ao piquenique dos piqueniques.

Na verdade, aquela é a maior romaria do país e o ror de gente que atrai é inimaginável. Hotel, há que reservar com meses de antecedência, como fazem os prevenidos como eu, mas a oferta não chega para as encomendas e o grande magote de gente, chega a Viana nas famosas camionetas de excursões.
A sombra para o almejado piquenique é seleccionada e devidamente marcada, logo na alvorada. Não há cá azo para confusões. Território assinalado, o povo segue para a festa. Ao meio-dia regressam esfaimados e aí começa o espectáculo.
Malas térmicas, malas térmicas e malas térmicas. Cabazes e cabazes e mais cabazes. Cobertores, mantas e toalhas. Bancos, banquinhos e banquetas. Camas de rede, vejam lá bem!
Tachos embrulhados em papel de jornal, para o arroz de cabidela não arrefecer, panelas de sopa de entulho, pão a rodos, daquele saloio a estalar de bom, broa amarela, queijos do tamanho de mós, pernis de presunto luzidio, pão de ló caseiro, fruta sacada à árvore e por fim, o belo do garrafão.
E depois comem, e bebem, e cantam, e riem, e chamam, e gritam, e aplaudem, e jogam à bisca, e ao dominó e fazem crochê, e lêem o jornal, e for fim dormem. Preparando-se para os fogos da noite.
Estivesse a minha Amelinha ali comigo naquele dia, e aposto como se juntava ao repasto da turba.

E o meu querido parceiro, há quanto tempo não piquenica?
Ainda havemos de combinar um no blogobairro, para quando vier o bom tempo!

Crónicas de Graça #1, #2, #3, #4, #5, #6, #7, #8, #9.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

até já


Vou dar um giro. Reunir-me a outros prazeres da vida e volto em duas semanas.
Até já, blogobairro querido.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

crónicas de graça # 9


O Livro

Por onde se começa a falar sobre um tema que idolatramos? Como é que faço eu isto sem parecer pretensiosa, pensei, quando foi 'O Livro', a Crónica de Graça acordada para esta sexta-feira?
A leitura está hoje acima de qualquer outro prazer que eu tenha. Alcançou esse estatuto de soberania com o correr dos anos. Combatendo adversários tão difíceis como passeios, jantares, festas, praia, um cigarro, cinema, esplanar, música, fotografar, simplesmente não fazer nenhum, dormir e nos dois últimos anos, a escrita. Aliás, esta última, foi unicamente uma consequência pura e simples, das exigência e curiosidade com que eu cada vez mais me embalo nas minhas leituras.
Se houve coisa que sempre existiu em nossa casa, foram livros, música e fotografias. Tudo em muito. Depois dos livros de quadradinhos e dos de contos de fadas, não me lembro com grande certeza, qual tenha sido o título do meu primeiro livro a sério. Sei que tudo começou pelos Enid Blyton da minha irmã;
páginas e páginas amareladas, preenchidas a letra miúda e apertadinha, igual à que saia da máquina de escrever do meu pai, quando eu brincava às professoras.
Foi este senhor e tudo aquilo que ele concebeu - sim, conceber é o verbo perfeito para tudo o que ele escreveu - o grande responsável para que eu aos oito/nove anos, tenha começado a ler sem parar e começasse a achar, que a leitura seria muito mais do que somente a história. Reparava eu, que por detrás das letras, havia segredos que o escritor tentava passar-nos, isto é, que podíamos aprender a ler através de uma lente, como se filtrando o trivial, buscássemos para além dele.
Depois vieram todos os outros autores, disfarçados de personagens nos seus livros de capa encadernada, lombada grossa, pintada a letras douradas. No tempo em que ainda se tomavam pequenas notas a lápis, se dobrava a ponta para marcar a página e se ofereciam livros com dedicatória sentida.
E quando descobrimos aqueles livros, que parecem ter sido escritos em voz alta? A sonoridade das palavras usadas, a crueza de umas, o lirismo de outras. Que personagens vivas são aquelas, sentadas no mesmo sofá que nós, acompanhando-nos à leitura? Uma extensão da nossa própria experiência, vivendo uma semelhante interpretação da vida, com quem nos identificamos, reproduzindo-nos tantas e tantas vezes.

Já li em muito ambientes, e ainda leio se não tiver outra hipótese, mas actualmente é o silêncio que procuro. A total atenção enquanto folheio o meu livro. Alcançar o porquê da escolha daquela palavra e não de outra, atentar à pontuação - ou à sua ausência - aprender com os diálogos, sempre difíceis de serem naturais, observar a narração dos factos, deliciar-me com o pormenor da descrição, que cada vez mais aprecio, viver as passagens do quotidiano das personagens, que as tornam reais e absolutamente próximas de nós, os leitores, usufruir do impacto emocional que o escritor traz ao papel e descortinar o enredo, obviamente. Mas este, nem sempre já é o mais importante; por vezes tornar-se-á secundário até. Tudo depende do mestre que desenha o livro.
Leio para me melhorar a mim própria, me preencher; se calhar, me habilitar na vida. Não sigo modismos, tenho favoritos e cada vez, vasculho mais nos antigos, de todas as nações e épocas. E aprendo tanto. Tudo. Só lucros.
Quando temos a sorte de ler um grande livro, um livro marcante, toda a nossa consciência se altera. Mudamos. Há algo que não permanece com antes. Parece-vos pieguice, exagero, sentimentalismo? Então é porque ainda não encontraram o tal livro.
Escolham um livro, como se escolhessem uma paisagem onde pretendam desfrutar um mês inteiro de prazer.

Ou eu muito me engano, ou com o meu querido parceiro, também será mais ou menos assim.

Crónicas de Graça #1, #2, #3, #4, #5, #6, #7, #8.