quarta-feira, 8 de outubro de 2008

sossego II


Amo as arriscadas e matreiras vírgulas, que me travam a ponta dos dedos.

Pertencem-me devaneios que começam a correr disparados sabe-se lá para onde, e as pobres sustentam-me a queda, quando avanço sem pensar.

São irritantes já vos disse um dia, mas dou-lhes primazia.

Servem-me de intervalo à imaginação pois ela não me vem da vontade, flui e precisa de sujeição, pelo menos a mim, pois sou eu que lhe dou vazão e a escoo.

Como sabem do meu encanto por elas, as pequeninas vírgulas abusam. Parecem mini-convulsões que tropeçam entre as palavras que elejo, colam-se à última letra como se dela fossem parte inerente e torna-se difícil fazê-las entender, que o seu lugar não é ali.


Que eu só me queixo, que lhes ralho e tenho pegas de meia-noite com elas. Dizem-me amuadas. E que a culpa da sua excitação é toda minha porque ninguém me manda adjectivar, exagerar e escrever de forma desalmada. Que é quase desumana, a maneira como lhes exijo presença de modo contínuo e incessante, no meio dos meus textos. Que com os pontos finais nunca me ouviram refilar e até os parêntesis parece que para mim não existem, tal é a mania que tenho de recorrer a um par de vírgulas, para os substituir.

Elas sabem que as adoro, mas às tantas irritei-me. Querem lá ver as meninas! E eu faço o quê se não gosto de parêntesis, chavetas, reticências, travessões, dois pontos, ponto e vírgula e até evito ao máximo as exclamações e as interrogações? E perguntei-lhes mesmo se eram mais felizes com o outro, que tem vezes que nem sequer as utiliza. As vaidosas adoram aparecer e dar nas vistas, mas já sabem que com ele não fazem fita. Encolheram-se logo. Sorrisinho amarelo e ponta da cauda encolhida entre a perninha atrevida.

Que eu também não exagerasse e não as castigasse. Elas até eram bem felizes com umazinha simplória qualquer, isto é, comigo. Teria era de ser um pouco mais compreensiva e tentar avisá-las dos meus pretensos ímpetos literários. Que não me atirasse ao teclado e à pobre da lapiseira como uma desenfreada, porque o que me vem à cabeça só a mim pertence e não se dissipa para lado nenhum. Que eu não tinha horas para as convocar; que escrevia, apagava, riscava, alterava, gatafunhava, trocava, anulava, acrescentava, ria, chorava, irritava-me, ligava a música e só então sossegava.

Eu, e finalmente elas também.

Prometi-lhes que ia pensar.

21 comentários:

Ka disse...

Tu escreve e deixa que reclamem :)
Fazem falta por vezes e no meio delas é onde por vezes está o que de mais importante nos queres transmitir!

Beijoss

Anónimo disse...

Vocês falam, falam mas as vírgulas nuncam passam sem um ponto.

SONY disse...

Patti,

adorei este texto!
Está mesmo engraçado, pois continua a escrever desalmadamente e deixa lá essas virgulas reclamarem, usa e abusa delas...sorte têm em contigo serem mostradas e não fechadas num pensamento qualquer...

jito,

Sony

Gi disse...

Esta imagem é uma vírgula? Parece-me um balão de pensamento!
Escreve as vírgulas por extenso e vais ver como elas se queixam e... nós também.

Texto sem vírgulas para elas saberem que quem manda nelas é a Patti ... e eu!

Anónimo disse...

Tenho a dizer-te que a minha maezinha está por Madrid a fazer-me uma visita mas que no proximo fim de semana vamos a Lisboa e que por aqui está a chover mas espero que fique melhor mas penso que por aí está igual nao é?
VIRGOLAS???
FUNDAMENTAIS CARA AMIGA, FUNDAMENTAIS!
Gostei do texto ( como sempre! )

Patti disse...

Claudia:
Eu para ir passear por las calles de Madrid, também não preciso de vírgulas para nada.

Y que tal de tapas e de compras?

Justine disse...

Deliciosa, a tua conversa com as tais madames:))
Não lhes dês descanso, que elas estão cá e para trabalharem...

Filoxera disse...

Eu gosto do que escreves. Ponto final.

Rita disse...

Eu também sou fã das vírgulas, gosto de as usar e abusar. Mas gosto muito mais de ler os teus textos...
Jokas

cecília disse...

Já lhe disse um dia que as letras gostam é de quem lhes dê liberdade e as trate com respeito.
Acontece o mesmo com todos os sinais de pontuação, mas quem trabalha mais, são de facto, as vírgulas, que têm a difícil tarefa de pôr ordem no caos do pensamento quando ele flui.
O JS não as usa?? Se nem todos os leitores gostam dele, porque é que as vírgulas haviam de gostar?? Também têm direito...
Por isso, não se zangue com elas.
Peço-lhe que ouça as suas queixas, as suas reivindicações e as suas exigências mais razoáveis, com paciência e compreensão pois, uma coisa é certa: da maneira como escreve, até eu, se fosse vírgula, exigiria, no mínimo, para além de um aumento salarial superior em 5,5% ao valor da inflação, subsídio de isenção de horário, de profissão de desgaste rápido e ajudas de custo!!

Um abraço, vírgula! um beijinho!

Patti disse...

Cecíçia:
Excelente vírgula como sempre.

BlueVelvet disse...

As vírgulas são essenciais para pôr ordem no que se escreve, mas eu gosto de pontos de exclamação e reticências.
É uma forma de transpor para o papel as minhas emoções.
Fartei-me de rir com um comentário que um senhor me deixou, dizendo que isso era prova de insegurança.
Enfim, há gostos para tudo: eu gosto do que escreves e detesto o Saramago.
Deve ser por causa da falta de vírgulas dele.

Pitanga Doce disse...

Patti, estas vírgulas implicantes ainda não te conhecem? Não sabem que escreves como pensas, e tudo vai quase à velocidade da luz? E que se não usares as virgulas não páras para respirar? E se não respirares acabas ganhando uma lápide com os seguintes dizeres:

,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
"Aqui jaz uma mulher vítima da revolta das vírgulas".
,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,

Patti disse...

Pitanga:
Credo!!!

Pitanga Doce disse...

Patti, não te aflige que isso não vai acontecer. Sempre há o ponto e virgula, e desse elas têm medo.

Escreve que a gente lê!

paulofski disse...

Uso tudo q.b. até sinais de trânsito se preciso for! Se eles estão aqui nestas teclas negras, todas a olhar para mim, a pedirem o meu toque, a batida ritmada com que lhe faço cócegas, então porque não?

Ainda ninguém o disse aqui, se calhar nem se lembram, mas uma simples virgula já deu muito que falar e que barafustar e que parlamentar. Uma simples vírgula, sem ponto.

carlota disse...

Este post está demais,adorei ler a revolta das virgulas.
Cheguem lá a acordo e tu não deixes de escrever, mesmo sem virgulas.
Gosto de te ler!

LeniB disse...

Olha a importância da pontuação:
- JS morre não faz falta.

JS morre? Não, faz falta.
JS morre. Não faz falta.

Isto sou eu a brincar com os sinais de pontuação, claro!!

Anónimo disse...

Então queria que as vírgulas, sendo femininas, não fossem vaidosas e reclamantes? Isso é que era bom!

Anónimo disse...

As virgulas já toparam que eu ás vezes,muitas, me esqueço delas e vai daí, reclamam que se fartam.
São umas vaidosas que sabem bem o valor que têm!

Susana disse...

bem, acho q nunca antes estive a dar a minha opiniao sobre virgulas:P voce, patti, escreve mesmo muito bem. use e abuse das vírgulas, das palavras, das ideias. nós,leitores, por cá adoramos. e, com ou sem elas, o que importa é a mensagem transmitida...